Jurista fala sobre manifesto entregue ao STF contra dupla votação de financiamento empresarial de campanha organizada pelo presidente da Câmara
Renan Truffi – CartaCapital / IHU On-Line
Um dos autores do manifesto entregue do Supremo Tribunal Federal (STF), na semana passada, contra a aprovação do financiamento empresarial de campanha, o jurista Celso Bandeira de Mello explica em poucas palavras a tentativa de recorrer ao Judiciário para barrar a possibilidade de empresas poderem doar a candidatos e partidos políticos nas eleições. “Nossa democracia é capenga”. Com Fábio Konder Comparato, Dalmo Dallari e outros 200 advogados, além de ex-presidentes e conselheiros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Bandeira de Mello assina o documento, entregue à ministra Rosa Weber, que pede o arquivamento imediato da PEC do financiamento empresarial de campanha.
A base de argumentação do manifesto é a manobra feita pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no dia da aprovação da proposta no Congresso, como parte das discussões em torno da reforma política. Na ocasião, após o financiamento empresarial ser derrotado em votação, o deputado colocou o tema na pauta novamente com um texto que alterava apenas algumas palavras. Para os juristas e advogados, trata-se de uma “violação” à Constituição. “Do ponto de vista jurídico, [a manobra] é evidentemente uma coisa contrária à democracia”, explica o jurista em entrevista a CartaCapital. Eis a entrevista.
Qual é a razão do manifesto apresentado no STF?
Parece óbvio que uma das principais causas de corrupção eleitoral no Brasil é o financiamento por parte de empresas. Isso é óbvio porque ninguém vai achar que uma empresa financia uma campanha eleitoral por amor extremado à democracia, pelo desejo de ver um pleito eleitoral bonito. É evidente que não é isso, é evidente que se trata de um empenho em obter uma retribuição posterior. Logo, não tenha a menor dúvida, de que se trata de uma interferência do poder econômico na vida política. É uma coisa tão óbvia que não tem o que falar. É obter uma recompensa ou um retorno dessa colaboração econômica. Portanto, não se pode ser a favor disso e ao mesmo tempo ser democrata. Supõe-se que a democracia é um governo feito em prol do povo, pelo povo, e não para o poder econômico. É preciso acabar com isso. O manifesto assim se explica.
Como o senhor analisa a manobra feita por Eduardo Cunha para votar a proposta de financiamento empresarial de campanha novamente, com apenas uma alteração no texto?
Alguns anos atrás houve um político, depois presidente da República, segundo o qual o Congresso era composto por uns 300 picaretas. Bom, eu não vou dizer que sim ou que não, inclusive porque já passou o tempo. Mas ninguém imagina que o Congresso goza de grande prestígio nacional. Mas, na verdade, quem colocou esses deputados lá? Foram os marcianos? Não foram. Foi pela força das armas? Também não. Então nós cidadãos temos uma imensa responsabilidade nisso.
Quaisquer defeitos que nós queiramos atribuir, somos coparticipes dele. Houve um grande constitucionalista italiano que disse que a democracia era um sistema cujo bom cumprimento dependia de uma boa consciência política. Se não há consciência política, a democracia vai ser um arremedo. A nossa democracia é um arremedo. Nós colocamos no Congresso Nacional as pessoas que lá estão, depois queremos nos queixar delas. Mas fomos nós que pusemos. Isso significa que, infelizmente, o nosso nível de consciência política é baixo.
E, sendo assim, nós não podemos depois ficar satisfeitos com o resultado. Essa é a realidade dura e vai levar muitos anos para isso mudar. Enquanto tiver um sistema que favorece o poder econômico, não podemos esperar um Congresso de alto nível. Portanto, esse manifesto é mais um desses esforços que não sei se vai dar resultado ou não. É um esforço no sentido de ter o Congresso liberto do poder econômico.
Do ponto de visto jurídico, como o senhor classifica essa manobra?
Do ponto de vista jurídico, é evidentemente uma coisa contrária à democracia. E a nossa Constituição diz que todo poder emana do povo. O que é isso? Isso é a afirmação da democracia da maneira mais chapada que possa existir. Mas, apesar dessa afirmação, a nossa democracia é capenga. O nosso manifesto é apenas uma comprovação disso.
Na ocasião da manobra, Eduardo Cunha teria pressionado líderes de partidos pequenos a reverem o voto pelo fim do financiamento empresarial com base em uma chantagem que envolve a cláusula de barreira. O que o senhor pensa sobre esse tipo de comportamento no Congresso?
Tudo isso é uma confirmação do que nós estamos falando. Eu não creio que o deputado seja um representante que encarne com muita fidelidade o espírito da democracia. Acho que não encarna. E por isso ele tomou essa providência que ofende, na verdade, essa democracia.