Rio +20: o Brasil e a agenda de futuro no mundo

O economista Ignacy Sachs defende que o Brasil deve começar a se articular com outros emergentes para transformar o Rio + 20 em uma grande campanha por ações integradas que promovam melhorias sociais e ambientais. Para ele, os dois debates são indissociáveis e devem ser contemplados simultaneamente em planejamentos estratégicos de longo prazo dirigidos por um Estado proativo. Sachs defende ainda que os recursos do pré-sal sejam empregados na construção de uma alternativa ao petróleo, rumo à biocivilização.

Débora Prado – Carta Maior

Com a perspectiva de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável no Rio de Janeiro em 2012, o Brasil tem uma importante tarefa em curto prazo: preparar uma grande campanha educacional por uma mudança planetária que vise diminuir as desigualdades sociais, por meio do desenvolvimento ecologicamente sustentável. O chamado foi realizado pelo economista polonês Ignacy Sachs, que esteve no País para debater as pautas de sustentabilidade, no último dia 6, em São Paulo. Para ele, o Brasil é um dos países mais bem posicionados no mundo para iniciar um movimento em direção a uma economia baseada na biodiversidade e na produção de biomassas para energia, uso industrial e alimentação.

Conhecida como Rio + 20 – em comemoração aos 20 anos da Cúpula da Terra de 1992 – a Conferência deve ter uma forte repercussão na opinião pública internacional. Sachs avaliou que essa grande campanha rumo a ‘biocivilização’ tem dois objetivos centrais: não permitir que a questão ambiental se torne um pretexto para jogar os problemas sociais para escanteio; ao passo que se defende um avanço em três direções – colocar no centro a preocupação social e ética e partir para uma estratégia de desenvolvimento humano que seja ambientalmente consciente com viabilidade econômica. Nesse sentido, o economista defendeu a interação entre um Estado proativo e planejador, empresários, trabalhadores e a sociedade civil organizada.

“O país anfitrião pode e deve influenciar nos rumos da conferência. O Rio + 20 deve ser bombardeado de propostas articuladas com outros emergentes”, destacou. O economista defendeu que uma ferramenta para avançar nessa direção é apostar em uma estratégia de planos econômicos nacionais de longo prazo, tática que ficou comprometida nos últimos 30 anos graças à contra reforma neoliberal. “As nações têm dois anos para apresentar seus planos e então se começa a articular e pensar nas sinergias positivas”, complementou.

Para o professor Ladislau Dowbor, é possível identificar oportunidades para caminhar nesse sentido ante a crise global. Nos 20 anos que separam o Rio + 20 da Cúpula de 1992, mudanças conjunturais importantes podem abrir brechas para que sejam promovidas transformações, em sua avaliação. “Há uma consciência da crise climática em nível superior. Além disso, a superação do petróleo está colocada não só por necessidades ecológicas, mas também pela possibilidade de esgotamento do recurso. Existe hoje uma pressão planetária maior pela redução das desigualdades, e há uma perspectiva tenebrosa de desastres ambientais no horizonte, como a contaminação da água doce, erosão dos solos, metropolização explosiva de diversos centros urbanos. Assim, há uma convergência de tendências críticas que devem conferir uma importância particular ao Rio + 20, mais do que o debate ambiental, este será o debate de uma crise civilizatória”, analisou.

Já o lado das oportunidades será favorecido pelo rápido desenvolvimento da bioenergia e a conectividade planetária atual, uma vez que a banda larga têm potencial de democratizar o conhecimento e difundir os meios de comunicação alternativos existentes, segundo Dowbor.

Trinômio: biodiversidade, biomassa e biotecnologia

Com um déficit histórico na área ambiental, a humanidade pode sofrer consequências irreversíveis com as mudanças climáticas. Na avaliação de Sachs, há pouco tempo hábil para mudar as estratégias sócio-econômicas e, até o final deste século, é preciso organizar uma saída ordenada da era do petróleo. “Eu não estou pregando que não se aproveite o pré-sal, por exemplo, mas que o seu capital seja utilizado justamente para dirigir essa saída do petróleo”, explicou. Nesse sentido, o professor lembrou que um recurso não é renovável por si só, mas depende da organização social do processo produtivo para que de fato o seja. “Sabemos plantar árvores, mas é um pouco complicado refazer o pré-sal”, brincou.

Sachs rebateu alguns de seus críticos, reafirmando que não se trata de promover uma volta à economia de coleta do passado, mas de “se construir uma biocivilização, com a biotecnologia empregada para transformar a biomassa em uma série de produtos. Estamos perto de uma grande revolução industrial na qual a biotecnologia vai ter um papel fundamental”, ressaltou. Nesse sentido, a sociedade deve ser incluída no complexo debate em torno dos transgênicos. Segundo o economista, a modificação genética “não pode ser rejeitada por inteiro, mas é preciso definir os seus limites”.

Ainda em relação à matriz energética, Sachs afirmou que a construção da usina de Belo Monte “não é totalmente certa, nem totalmente errada”. Para ele, ainda estamos em tempo de incluir as populações ribeirinhas no debate acerca do projeto. “Terá impactos ambientais, mas se comparamos com a construção de Tucuruí, este é um belo projeto”, disse. A hidrelétrica de Tucuruí foi construída em Belém, em 1976, sob diversos protestos de ambientalistas, dado os fortes impactos negativos que causou no ecossistema daquela região. Sachs defendeu, entretanto, que o potencial hidrelétrico na Amazônia deve ser reconhecido e aproveitado, uma vez que essa forma de produção de energia é preferível à nuclear ou térmica.

A vez dos trópicos

Os países tropicais e subtropicais terão um papel central na construção da nova biocivilização. “Este cenário reverte a tese da inferioridade dos trópicos. Nesta região se concentram a maior biodiversidade do mundo e climas propícios para as biomassas, dando condições para que a área lidere a revolução azul”, destacou. O termo revolução azul faz referência a revolução verde e designa o desenvolvimento da aquacultura para manter a qualidade de vida e evitar a destruição dos oceanos. Para Sachs, um dos aspectos a serem explorados é a criação de peixes vegetarianos, que poderão ser a principal fonte de proteína animal para a humanidade no futuro. “Precisamos pensar nos impactos da criação de gado bovino. No longo prazo teremos menos churrasco e mais peixes”, disse. Além disso, a revolução azul pode ajudar a reduzir o problema da limitação da superfície terrestre para a produção de alimentos, embora, atualmente, a fome seja um problema ocasionado mais pela organização das sociedades, do que por um problema de oferta.

O economista lembrou que ainda será necessário manter um período de crescimento econômico para reduzir as desigualdades sociais e, por isso, é preciso desenvolver uma estratégia triplamente positiva – de crescimentocom melhoras ambientais e sociais. Questionado sobre a necessidade de uma revolução estrutural, ante tantos problemas no horizonte do capitalismo, Sachs foi pragmático. Para o polonês, é preciso primeiramente aproveitar todas as brechas no sistema atual. E, em sua opinião, já há três possibilidades colocadas: a construção de uma rede mundial de serviços sociais de saúde, educação e saneamento; a ampliação ao máximo da economia social ou solidária dentro da economia de mercado com as organizações que fazem o uso social do lucro, e não buscam o lucro individual máximo; e a redução da emissão de carbono.

Fotos: Dal Marcondes

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