Por Luciana Hees, Curadora da Mostra
Ao olharmos o mapa-múndi, deparamo-nos com o continente africano ao centro. E ao centro também do nosso imaginário, mas ainda à margem dos nossos conhecimentos. Os livros infantis contribuem para fantasias da África das quais desvencilhamo-nos com facilidade — hipopótamos cor de rosa e leões amarelos. Mais difícil é desvencilharmo-nos das idéias que vão sendo construídas pela mídia de massa. Repleta de clichês que nos são transmitidos, seja pelos documentários atuais de Safáris, sempre apresentando as tensões da vida animal africana, seja pelos filmes etnográficos, mostrando povos em áreas tão remotas quanto estão alguns dos nossos povos do Xingu. Este imaginário está, aos poucos, modificando-se, e é com propostas como a Mostra África Hoje, fora do grande circuito, que esta mudança torna-se possível.
A Mostra África Hoje, já a caminho da sua Terceira Edição, tem como desafio trazer mais informação sobre este continente — um continente tão diverso como o nosso continente sul-americano e tão desconhecido para os brasileiros como o é o nosso próprio Brasil. Dar a conhecer 57 países é uma tarefa que exige dedicação, seriedade, habilidade e muito trabalho. Dedicação na pesquisa dos filmes, seriedade nos critérios de seleção, habilidade em diferenciar “gato por lebre” e muito trabalho em negociar, obter, converter, legendar, verificar, coordenar. Muito trabalho também para manter e ampliar a rede que é criada, possibilitando que sejam trazidas mais imagens deste continente e sobre ele. Imagens que retratem as gentes, as cidades, as preocupações, as rotinas, a política, os desejos, a escola, o trabalho.
Num país como o Brasil, onde vive a maior diáspora de ascendência árabe — em torno de 9 milhões concentrados principalmente na região Sudeste, a cultura árabe — também ela parte da África, precisa ser mostrada. Ignorar este aspecto é parte dos clichês que ofuscam uma outra parcela da informação que nos falta. É preciso mostrar a diversidade cultural do continente africano em todos os seus aspectos.
Diversidade e contemporaneidade, entretanto, são resultado da história, do passado. A Mostra África Hoje preocupa-se em incluir na programação documentários que ampliem a compreensão deste continente — é preciso mostrar “o quê” e “o porquê”. Com esta visão pesquisamos e selecionamos documentários nem sempre “fresquinhos”, mas com muito conteúdo, com informações que contribuem para a compreensão e para o conhecimento deste universo. E tão importante quanto conhecer mais a “África” é percebemos que o processo de conhecer os outros é parte também do processo de conhecermo-nos a nós mesmos.
Os filmes
1 – Camarões, Autópsia de uma IndependênciaCameroun, Autopsie D’une Indépendance.
Direção: Valérie Osouf e Gaëlle Le Roy
Duração: 52’
País: França
Ano: 2007
Enquanto a mídia seguia as guerras da Argélia e do Vietnã, entre 1955 e 1970, uma guerra pouco conhecida acontecia em Camarões, tentando garantir a independência daquele país da França. A guerra custou a vida de grande parte da população camaronesa e fez centenas de milhares de vítimas civis. Esta é a história da descolonização dos Camarões.
Valérie Osouf – Jornalista e realizadora de documentários. Viveu em Dakar, onde foi locutora e repórter de rádio. Trabalhou como correspondente local para Le Monde e RFI.
2 – Ady GasyAdy Gasy.
Direção: Lova Nantenaina
Duração: 82’
País: França / Madagascar
Ano: 2014
Para consertar um objeto, para cultivar a terra ou para confeccionar sapatos — as pessoas em Madagascar podem fazer muito, com quase nada… Este filme é um retrato sobre a reciclagem, a solidariedade, a liberdade e a poesia. A maneira malgaxe de vida é, acima de tudo, um sentimento de reciclagem criativa. Estas são as chaves para o estilo ady gasy!
Lova Nantenaina – Cresceu em Antananarivo, capital de Madagascar, durante o período de racionamento imposto pelo então regime socialista. Saiu do país em 1999 para estudar Sociologia Humanitária na França. Atualmente, investe na produção de filmes de diretores do cinema malgaxe.
3 – Amílcar Cabral.
Direção: Ana Ramos Lisboa
Duração: 60’
País: Portugal / Moçambique
Ano: 2001
Amílcar Cabral nasceu na Guiné-Bissau em 1924 e foi assassinado em Conacri, capital da Guiné, em 1973. Foi líder do Movimento de Libertação da Guiné e do Cabo Verde e fundador do PAIGC (Partido Africano para a Independência de Guiné e Cabo Verde). Este filme mostra Amílcar Cabral como homem, pai, político, humanista e poeta.
Ana Ramos Lisboa – Nasceu em Furna Brava, Cabo Verde. “Cabo Verde, meu amor” foi o seu primeiro longa-metragem. No seu primeiro curta-metragem “Medo”, de 1996, foi roteirista, produtora e atriz. Atualmente, é autora de vários curtas, de ficção e documentários. Em 2001, “Amílcar Cabral” foi para o Milano Film Festival e em 2002 para o Festival das Ilhas de Cabo Verde.
4 – Luanda: a Fábrica da Música.
Direção: Kiluanje Libkierdade e Inês Gonçalves
Duração: 56’
País: Angola / Portugal
Ano: 2009
No meio de um musseque de Luanda, o DJ Buda é dono de um estúdio de gravação. Os jovens aspirantes a cantores têm aqui a oportunidade de se expressarem: ao som das batidas de Buda, os jovens gritam as suas preocupações, amores e experiências diante de um velho microfone. No fim, dançam loucamente, riem e ouvem o seu próprio trabalho com os outros habitantes do bairro. É impossível não dançar com esta nova geração.
Kiluanje Libkierdade – Nasceu em Angola. Participou na co-realização e co-produção, ao lado do escritor angolano Ondjaki, do documentário “Oxalá Cresçam Pitangas, Histórias de Luanda” (2006). Em co-realização com Inês Gonçalves, produziu ainda o documentário “Mãe Jú”.
5 – Vou Cantar para TiI´ll sing for you.
Direção: Jacques Sarasin
Duração: 76’
País: França, Mali
Ano: 2001
Uma sensível abordagem do músico Kar-Kar, original do Mali, cujo trabalho ajuda a explicar as origens do blues americano.
Jacques Sarasin – Nasceu em Genebra. Em 1990, fundou a Faire Bleu Produções que, além de projetos culturais, produz vários curtas-metragens e documentários. Realizou outros dois filmes — “Somente ao redor do mundo” e “DN Europeia”.
6 – Rumba do RioRumba River.
Direção: Jacques Sarasin
Duração: 81’
País: República Democrática do Congo
Ano: 2006
Viajando no majestoso rio Congo, o jovem órfão Antoine Kolosoy compôs suas primeiras músicas. Ao ganhar fama, “Wendo”, como era conhecido, foi perseguido pela igreja e sua música proibida pelas autoridades coloniais belgas. Tornou-se boxeador profissional, mas nunca largou a guitarra. Na década de 1960, suas canções expressaram a esperança de uma nação recém-independente. A ditadura subsequente reduziu-o a um mendigo, mas, em 1997, sob um novo regime, Wendo retorna à sua música.
Jacques Sarasin – Nasceu em Genebra. Em 1990, fundou a Faire Bleu Produções que, além de projetos culturais, produz vários curtas-metragens e documentários. Realizou outros dois filmes — “Somente ao redor do mundo” e “DN Europeia”.
7 – Jeppe numa SextaJeppe on a Friday.
Direção: Shannon Walsh & Arya Lalloo
Duração: 87’
País: Canadá e África do Sul
Ano: 2012
Num único dia, a vida de cinco pessoas na área de Jeppestown é acompanhada pelas duas diretoras e uma equipe de cinco cineastas sul-africanos. Por intermédio das ambições, desejos e formas de viver ao longo de uma sexta-feira, o filme revela a diversidade étnica e socioeconômica que pode ser encontrada na capital da África do Sul.
Shannon Walsh – Cineasta, educadora e escritora. Seu primeiro documentário, “H2Oil”, foi reconhecido pelo Montreal Mirror como um dos dez melhores documentários independentes de 2009. Em seu segundo documentário, “St-Henri, 26 de agosto”, traz dezesseis cineastas para descobrir a vida cotidiana em um bairro de Montreal. Subjacente a todo o seu trabalho estão a justiça social e o espírito de colaboração.
Arya Lallo – Nascida na África do Sul, escreveu e dirigiu documentários, como o “Cidadão X”, que explorou as reações dos movimentos sociais à violência xenófoba em bairros peri-urbanos de Johanesburgo. Seus trabalhos mais recentes incluem o roteiro e direção de “Alexandra”! Minha Alexandra”, uma série de documentários históricos sobre um distrito de mesmo nome, e o documentário “Jeppe on a Friday” (co-dirigido com Shannon Walsh).
8 – Capitão Thomas SankaraCaptaine Thomas Sankara.
Direção: Christophe Cupelin
Duração: 90’
País: Suíça
Ano: 2012
Um retrato composto de arquivos de Thomas Sankara, presidente de Burkina Faso, de 1983 até seu assassinato, em 1987. Pronto para libertar seu país e transformar a mentalidade de seus concidadãos, contestando a ordem política do mundo e desafiando os poderes de seu tempo, Sankara se destaca como personagem político na África.
Christophe Cupelin – cineasta independente, nascido em Genebra, Suíça. De 1989 a 1993, trabalhou no Programa de Filmes no Cinema Sputnik. Juntamente com outros parceiros, fundou a Laika Films.
9 –Soweto em SurfSurfing Soweto.
Direção: Sara Blecher
Duração: 74’
País: África do Sul
Ano: 2009/2010
Em 1976, jovens do distrito de Soweto — área residencial destinada aos negros durante o apartheid, estavam lutando pela sua liberdade. Agora, no pós-apartheid, o que fazem esses jovens com a sua liberdade? Esta é a pergunta colocada constantemente neste documentário.
Sara Blecher – Co-fundadora da produtora Cinga. Dirigiu “Surfing Soweto” e “Kobus and Dumile”, que lhe conferiu o prêmio de “Jornalista do ano”, pela CNN africana. É co-criadora, diretora e produtora do drama premiado “Bay of Plenty”. Dirigiu a versão local de “Who do you think you are?”. Atualmente, vive em Johanesburgo. “Otelo queima” é o seu primeiro longa-metragem.
10 – Fahrenheit 2010.
Direção: Craig Tanner
Duração: 52’
País: África do Sul
Ano: 2009
Numa investigação intransigente Craig Tunner pergunta o que a Copa do Mundo realmente significou para os sul-africanos. O espaço publicitário foi vendido para Visa, Budweiser, Telkom e muitos outros… “Sozinha, a Fifa espera fazer $25 bilhões dos direitos televisivos”. Promessas foram feitas de que a população teria inúmeros benefícios. O filme revela os bastidores da Copa do Mundo.
Craig Tanner – Nascido na Austrália. Percorreu a África do Sul para realizar este filme escrito e dirigido por ele mesmo.
11 – Eu fabrico meu balafon M’bi Balan Blana.
Direção: Julie Courel
Duração: 53’
País: Burkina Fasso
Ano: 2007
O balafon é uma espécie de xilofone, um instrumento percussivo presente em vários países da África. O filme mostra a fabricação do instrumento por um mestre burkinabé, que também o sacraliza, conferindo-lhe poderes místicos que podem até curar.Julie Courel –Professora de prática de vídeo na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, em Paris. Numa mistura de cinema e antropologia, produziu “M’bi Balan Blana” e três outros documentários, realizados em Ouagadougou, capital de Burkina Faso.
12 – Mandela: Filho de África, Pai de uma NaçãoMandela Son of Africa Father of a Nation.
Direção: Angus Gibson e Jo Mennell
Duração: 120’
País: África do Sul
Ano: 1996
Esta é uma biografia completa de Nelson Mandela. O filme aborda a infância, a família e a educação deste líder. Acompanha também a sua longa negociação pela liberdade para os vários grupos étnicos da África do Sul, incluindo as suas experiências na prisão de Robben Island.
Angus Gibson – Foi um dos fundadores da cooperativa Free Filmmakers, estabelecida em 1985 com a finalidade de desenvolver um cinema sul-africano relevante. Produziu e dirigiu vários projetos de filmes documentários para canais de TV europeus, incluindo “Soweto, a History”, que traçou a história do bairro contada pelos próprios residentes.
Jo Mennell – Produtor e diretor. Foi repórter da BBC. Em 1969, foi expulso da África do Sul como consequência de três documentários por ele produzidos e dirigidos. Desde então, trabalhou para canais de televisão no Brasil, Chile e Estados Unidos. Em 1996, recebeu o Academy Award pela direção do documentário “Mandela”. Atualmente, vive na África do Sul.
13 – Foi Melhor Amanhã Ya Man Aach.
Direção: Hinde Boujemaa
Duração: 70’
País: Tunísia
Ano: 2012
A jornada atípica de Aida, uma mulher tunisiana, no burburinho intenso da revolução do seu país. Seu único objetivo é encontrar uma saída para a sua própria situação: a falta de um teto. Desloca-se de um bairro para outro, sem tomar conhecimento dos eventos que acontecem ao seu redor.
Hinde Boujemma – Dirigiu seu primeiro curta-metragem em 2008. Em 2008 e 2010, dirigiu filmes promocionais para o Festival Cinematográfico de Cartago. Contribuiu para muitos roteiros de filmes tunisianos, entre eles, o do filme “Abaixo Paradise”. É graduada em Marketing no Instituto de Economia de Bruxelas.
14– Kadafi, Nosso Melhor InimigoKadafi, our best enemy.
Direção: Antoine Vitkine
Duração: 95’
País: França
Ano: 2011
Kadafi, líder da Líbia, foi considerado o principal inimigo do Ocidente durante a década de 1980 e um dos principais responsáveis pelo terrorismo. Mais tarde, Kadafi se junta a chefes de Estado e líderes europeus e norte-americanos. O filme lança um olhar sobre quarenta anos dessas relações e é o resultado de um ano de pesquisa e filmagens nos Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Espanha.
Antoine Vitkine – Dirigiu cerca de 15 documentários, entre eles “Mein Kampf, estava escrito”; “Reagan, The Making of a Leader”; “Goncourt: Façam suas apostas”; “God Save the City”; “Os Escravos esquecidos”; “Dentro da Cabeça de Ratzinger”.
15– Prisioneiros da EsperançaPrisoners of Hope.
Direção: Danny Schechter
Duração: 60’
País: África do Sul
Ano: 1995
O retorno de 1250 prisioneiros políticos à prisão de Robben Island, na África do Sul, na companhia do Presidente Nelson Mandela, em 1995. O filme documenta um momento sem precedentes da reunião deste grupo de prisioneiros nos seus antigos locais de encarceramento.
Danny Schechter – Jornalista, produtor para TV e realizador independente. É especializado em temas que abordam a interface entre direitos humanos, jornalismo, música popular e sociedade. Recebeu da Sociedade dos Jornalistas Profissionais o 2001 Award for Excellence in Documentary Journalism.
16 – Contagem RegressivaCountdown to Freedom: Ten Days That Changed South Africa.
Direção: Danny Schechter
Duração: 97’
País: EUA e África do Sul
Ano: 1994
Cobertura dos últimos fatos antes das primeiras eleições livres para presidente, após o fim do apartheid, em Johanesburgo. O diretor acompanha os movimentos no governo e também os movimentos nas ruas até o dia em que Nelson Mandela foi eleito.
Danny Schechter – Jornalista, produtor para TV e realizador independente. É especializado em temas que abordam a interface entre direitos humanos, jornalismo, música popular e sociedade. Recebeu da Sociedade dos Jornalistas Profissionais o 2001 Award for Excellence in Documentary Journalism.
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Horários nas duas cidades e outras informações AQUI.