Foi interessante ver as reações do day after eleitoral. Vi colegas passando por uma genuína depressão profunda ao constatarem a eleição de um Congresso com perfil mais conservador que a atual legislatura.
Alguns culparam as Jornadas de Junho, FHC, Lula, o Papa Francisco, a falta de água crônica em São Paulo, o alinhamento dos planetas, o Pikachu e o Manoel Carlos pelo ocorrido.
Os mais desesperados, que procuravam uma razão, esqueceram, contudo, de algo bem simples: o Brasil é conservador. Nada mais racional, portanto, que o Congresso Nacional traduza essa condição.
Mas, então, por que só agora isso? Bem, alguns chutes educados:
1) Os movimentos sociais e organizações da sociedade civil de caráter mais progressista sempre empurraram o Congresso Nacional para que ele fosse menos conservador do que a população do país.
Em outras palavras, a força da mobilização e da organização desses grupos na política nacional conseguia fazer com que esse descompasso acontecesse.
Boa parte desse pessoal, contudo, conta ou contava com relações com o Partidos dos Trabalhadores e, na minha opinião, enfraqueceram ao fazer parte de sua base de apoio por várias razões – do “menos pior” ao “cargo amigo”.
Além disso, houve um afastamento dos militantes tradicionais desses movimentos sociais ou mesmo de partidos políticos com o distanciamento do governo federal com pautas tradicionais da esquerda.
A militante lá no Largo do Campo Limpo que fazia campanha nas eleições de 2002 era uma moradora do bairro, participante de um movimento por moradia. No último domingo, foi substituída por ujma pessoa contratada pelo partido no poder para distribuir santinho.
2) Há um intenso desgaste com a atuação média de representantes sindicais que estavam no Parlamento, independentemente de partido. Não é que o motor capital-trabalho tenha deixado de empurrar a História, muito pelo contrário. Mas parte das pessoas que clamam para si a autoridade de falar pelos trabalhadores há muito só falam por interesses corporativistas (na melhor das hipóteses) ou por si mesmas, na maioria das vezes. Muitos deles nem participaram de ações importantes, como a aprovação da PEC do Trabalho Escravo ou a campanha contra a ampliação da terceirização legal. Enfim, quem disse que sindicalista é obrigatoriamente progressista precisa de um chazinho calmante.
3) As narrativas da violência urbana, que já existiam, circularam com mais força graças não apenas às redes sociais, mas também a determinadas pessoas que se dizem jornalistas mas, na verdade, espalham o ódio e o terror na TV (lembrando, é claro, que a mídia pode funcionar como partido político). A situação é ruim mas, acredite: não raro, a espiral do vale-tudo pela audiência do jornalismo faz ela parecer o rascunho do mapa do inferno.
O problema da segurança é grave e há soluções mais efetivas do que a redução da maioridade penal (usada para atacar a “causa” do problema quando, na verdade, nem resvala na “consequência”). Contudo, mandar a criançada para o xilindró é um discurso facilmente deglutível. Usar e abusar desse discurso, bem como o da repressão policial, ajudou a elevar o número de pessoas eleitas que surfaram no medo da população, aumentando a Bancada da Bala.
4) O número de parlamentares evangélicos cresceu porque tinha que crescer mesmo. Havia uma subrepresentação desses grupos, organizados em uma série de igrejas com pontos de vista diferentes. Eles não formam um movimento coeso como a Frente Parlamentar da Agropecuária (que cresceu junto com a força econômica do agronegócio no país). Pelo contrário: há gente que se detesta de ódio mortal entre eles. E, ao contrário do que pregam críticos inconsequentes, nem todos são reacionários.
5) Por fim, há uma desmotivação muito grande com a democracia representativa tradicional. Se consideramos brancos, nulos e a abstenção, o “Ninguém” ficou em segundo colocado no primeiro turno da eleição presidencial.
Isso vale tanto para jovens que estão cheios de gás para “mudar o mundo” quanto para militantes, ativistas e figuras proeminentes da esquerda brasileira. Pessoas que, em outras épocas, aceitariam candidatar-se ao Parlamento para serem puxadoras de votos. Hoje, muitas querem distância. Tem medo de pegar tétano se chegarem muito perto.
A democracia, vale lembrar, não é um regime em que a vontade da maioria passa feito um rolo compressor, mas em que essa vontade é efetivada desde que respeite a dignidade das minorias. E, a trancos e barrancos, fomos conseguindo avançar em muitas pautas, apesar de tantos retrocessos.
Mas esse descompasso entre o “Brasil real” e o “Brasil no parlamento” parece ter se reduzido nesta eleição por conta desses elementos que elenquei e de uma série de outros que ainda teremos que analisar.
Há boas pessoas que fazem um bom trabalho, independente do partido, sejam elas conservadoras ou progressistas. Pessoas que estão no parlamento e honram a função que exercem e outras disputando pela primeira vez, cheias de ideias. Algumas foram eleitas e reeleitas, outras ficaram de fora. Faz parte do jogo.
Meu receio é que a maioria queira agir como maioria idiota, passando por cima das (poucas) conquistas obtidas a duras pequenas para preservar as minorias. Para isso, será [necessária?] mais do que nunca a participação da população e de organizações e movimentos sociais. Ou seja, talvez um efeito colateral de tudo isso seja, por necessidade, fortalecer a atuação [da?] sociedade civil.
Como já disse aqui, de certa forma, o Congresso é o reflexo da população. Talvez não daquilo que ela gostaria de ser, mas daquilo que ela efetivamente é.
Enfim, com o resultado dessas eleições, não é que o Congresso ficou pior. Ele apenas está mais parecido com o Brasil.