Osmar Paiva Camelo (54 anos), Presidente da Associação de Moradores do Morro do Timbau, no Complexo da Maré, foi morto com sete tiros na tarde dessa segunda-feira, dia 15. Conhecido por ser um entusiasta pelo processo de pacificação na comunidade, o líder comunitário foi baleado à queima-roupa.
Segundo testemunhas, homens armados entraram na sede da Associação e perguntaram por ele antes de atirar. Ainda segundo a Polícia Civil, testemunhas estão sendo ouvidas e a investigação está em andamento. Até o momento não há pistas sobre os criminosos. Uma mulher foi ferida no incidente.
Osmar era um defensor da presença militar no Complexo da Maré. Ele afirmava que as UPPs restabeleceram a paz social e resgataram a cidadania do morador da favela carioca.
O RioOnWatch entrevistou Osmar terça-feira, dia 9, menos de uma semana antes de sua morte, para saber mais sobre sua visão para a comunidade. Em seguida, compartilhamos os principais momentos da entrevista.
ROW: Porque você gosta da comunidade?
Osmar: Antes da possibilidade da UPP vir para cá eu estava pensando em ir embora daqui. Mas quando vi que chegará paz aqui na comunidade, falei–vou fazer um investimento aqui, eu vou ficar aqui mesmo.
Eu não tenho porque sair daqui. O que tira as pessoas da Maré é exatamente a violência. Só que agora a gente tem uma perspectiva de paz na Maré. Então as pessoas que nasceram na Maré, que vivem na Maré, acham que é melhor ficar aqui.
Nasci aqui na Baixa do Sapateiro. Fui criado na Nova Holanda e depois vim pro Timbau, casei e fiquei. Então tenho 54 anos de idade e 54 anos da Maré.
ROW: O que você acha dos movimentos contra as violações cometidas por PMs aqui na comunidade?
Osmar: A gente sabe que tem violações, e a gente sabe também que as violações tem cobrança. Se as pessoas que violaram são apontadas, elas são cobradas. Então a gente tem que procurar olhar pelo lado positivo da coisa. As pessoas esquecem que antigamente o território era dominado por marginais e por bandidos armados que faziam o que queriam–entravam nas residências, dominavam a Maré.
Mas essas pessoas são intelectualizadas, que pregam o fim de UPP. Eu acho o seguinte, que o nome, a sigla, pra mim não interessa. Se é UPP–é Unidade de Políticas Públicas, como eles vem falando por aí–pra mim não interessa. O que interessa para mim é o resultado do processo da pacificação, o resultado de uma mudança, de uma coisa boa que possa acontecer aqui. As violações têm que serem cobradas. A verdade tem que ser dita, mas vamos ver o lado bom da coisa. Às vezes a gente só procura o lado negativo.
Não quero me envolver em questões politicas, eu quero me envolver na questão da mudança que está acontecendo na Maré e todo o Estado do Rio de Janeiro.
O que a gente vê muito é as pessoas cobrarem porque entrou ali, porque botou uma bandeira do BOPE, do choque. À mim não me interessa se colocou a bandeira do BOPE ou do choque. Te dou um exemplo, sou flamenguista, mas se você bota bandeira do Vasco ali, estou satisfeito também, porque o importante é o resultado–a tomada do território. Mas pessoas vêem de forma política e só apontam o lado negativa da questão.
ROW: Qual é o papel da Associação de Moradores em uma comunidade sob ocupação do exército?
Osmar: O Presidente da Associação é um líder comunitário. Trabalhamos juntos com pessoas que tentam melhorar a situação dos moradores. Por exemplo quando você chegou eu estava ali tentando resolver uma questão junto com o exército com uma comunidade bem carente, Mac Laren, para trazer saneamento ali.
Nosso papel é dar melhor qualidade da vida para as pessoas da comunidade. Porque como a gente é instituição, a gente tem mais acesso aos poderes pra trazer os serviços. Então o cara não tem que ouvir um morador por morador, ele ouve o Presidente da Associação.
Tem muitas instituições aí, com pessoas que não moram aqui. Elas aproveitam um momento difícil–tanto para a comunidade como para o poder público–para falar de política e a gente não quer falar de política. A gente quer falar da vivência, do dia a dia. Esse é o papel de Presidente da Associação–[entender] as questões do sentimento do povo da sua comunidade.
Sou Presidente da Associação e eu defendo a minha comunidade. Não vou defender bandido, não vou defender partido político. Eu vou defender morador que mora na Maré e quer simplesmente viver como cidadão comum com direito de ir e vir. Seu direito de ligar sua televisão na hora que ele quer sem barulho e bagunça.
Ajudamos a comunidade, por exemplo: se houver um evento fora da comunidade, a associação de moradores providencia um ônibus para levar os moradores da comunidade num passeio cultural. Esse é mais um serviço nosso. Tem essa sintonia de um ajudar o outro. Isso é que é legal né? As pessoas tem que se envolver para somar.
A gente quer uma mudança, que as coisas melhorem, e as pessoas têm um papel importante na comunidade, tantas instituições não governamentais, tantas organizações do governo, tantas igrejas, nesse momento a gente tem de se envolver, não para apontar coisas negativas mas para dar alguma coisa para melhorar esse processo de mudança que a gente quer.
ROW: Há quanto tempo você é Presidente da Associação?
Osmar: Eu estou no meu terceiro mandato aqui, eu fui re-eleito agora em novembro, mais quatro anos. Tem uma coisa aqui na Maré que é muito importante também–os Presidentes de Associação são eleitos pelo voto, pela vontade dos moradores. Eles vão lá e votam para que você continue o seu trabalho, ou vice-versa, se eles não querem você, eles votam para você sair. Antigamente, a comunidade estava dominada por traficantes, e eles nunca se envolveram nessa questão politica–até porque eles são muito inteligentes e sabem que se mexer com o cara que é liderança, que as pessoas querem, vai ficar ruim para eles também.
A gente quer ser mesmo respeitado como instituição e muita gente não respeita a gente como instituição ainda, e nós estamos lutando por isso neste momento também. Estamos nos reunindo com orgãos do governo, Secretaria de Segurança, etc. Agora nesse processo de pacificação a gente começou a ser mais visto porque a gente representa o desejo da comunidade local. Então, foi um momento importante não só para a comunidade, mas para a Associação de Moradores nesse momento de pacificação, de mudança. Principalmente no que diz respeito a ser eleito no voto, pela vontade popular da sua comunidade.
Diferente de associações de antigamente, em outros locais, onde os presidentes eram apontados na ponta do fuzil. O bandido falava “Ah o presidente é fulano”. Aqui na Maré, graças a Deus, a gente pulou essa etapa. Aqui as pessoas respeitam a gente. Pode ir qualquer um lá, alguém no poder público, do poder do tráfico, mas eles sabem que a gente tá ali exercendo uma função constituída pela vontade popular. Isso é uma das coisas mais importantes que faço questão de falar sempre que estou na Associação–não só eu, mas as demais lideranças da Maré–pela vontade popular. Então a gente exige respeito nesse sentido.
ROW: Você tem esperança para o futuro da comunidade?
Osmar: Eu tenho muita esperança, porque ficamos largados pelo poder público durante muitos anos. Muitos anos mesmo. E agora a gente está vendo uma mudança e só está começando esse processo. Mas a gente sabe que vai acontecer alguns arranhões mas vem uma expectativa de mudança, uma coisa melhor. Então tenho esperança sim, estou com um filho aqui de 8 anos–talvez eu não chegue a alcançar essa mudança, mas eu já estou lutando agora para que esse legado fique pro meu filho.
Para a gente ter uma comunidade sadia, na questão social, de saúde mesmo, na segurança e outras questões de respeito e de cidadania, a gente tem que buscar por isso. E acho que o líder comunitário tem que lutar junto com as pessoas e as instituições locais para que vencemos esse processo mais na frente, para que haja mesmo uma mudança, para que a gente consiga ter paz e saúde na Maré.
ROW: Você acha importante construir uma infraestrutura social antes de ocupar a favela com forças armadas?
Osmar: Eu acho que tem que acontecer isso de forma integrada. A gente precisa de educação, precisa de escola melhor, melhor atendimento médico. Na Maré, nós temos um monte de escola, temos UPA, temos Clinica da Família, só que é pouco estruturada. A gente tem quantidade mas não tem qualidade. A gente precisa investir na qualidade.
Mas o ponto fundamental na Maré, no Morro do Alemão, nas outras comunidades–o que é o ponto fundamental–é a pacificação.
Então não adianta se falar em posto médico, em escola, em qualquer outro tipo de mecanismo na comunidade se a comunidade não for pacificada, porque o próprio domínio desses espaços não é o domínio do poder publico, é o domínio do traficante.
Essa mudança a gente acha muito importante e é realmente verdade. Tudo precisa acontecer de maneira integrada junto com a paz.
Não se pode falar assim do jeito que falam–como que irão colocar a segurança e não ter nada? É o contrário, tem que ter segurança e tem que ter educação, tem que ter os médicos, a saúde, tem que ter tudo integrado.
Eu te digo que na verdade 80% dos moradores estão satisfeitos com a ocupação. São poucos que tem coragem para falar isso, as pessoas tem medo. Mas eu não tenho medo porque estou fazendo isso para o meu filho. Essa melhora não é para mim, é para o meu filho.
Começou pelo militarismo. Depois a gente vai ajustando as coisas para que mude. Quando o pessoal já estiver conscientizado, quando a gente não tiver uma polícia corrupta–eu acredito que vá acontecer isso um dia. Mas tinha que começar de alguma forma. Não podia ficar do jeito que estava.
Realmente, só com integração a gente vai conseguir essa mudança na Maré e talvez no Rio de Janeiro todo.