Ao longo de 525 quilômetros, maior mineroduto do mundo transportará todos os anos 26 milhões de toneladas de minério de ferro. Destino principal da matéria-prima é a China
por Deutsche Welle
Após cinco anos de atraso, o maior mineroduto do mundo, o Minas-Rio, deve entrar em operação no final deste ano. As 26,5 milhões de toneladas de minério de ferro que serão transportadas anualmente por esse sistema de Minas Gerais até o porto no Rio de Janeiro já têm um destino: siderúrgicas na Ásia, principalmente na China.
Em 2008, a empresa britânica de mineração Anglo American comprou os planos do complexo Minas-Rio, idealizado pelo grupo EBX, de Eike Batista, e inicialmente orçado em 5 bilhões de dólares. O primeiro transporte de ferro foi planejado para 2009, mas falhas no projeto e impasses com a Justiça, devido a questões socioambientais, atrasaram – e também encareceram – as obras.
Assim, o valor para a instalação do complexo quase dobrou, chegando a 8,8 bilhões de dólares. Com o início da construção também surgiram os problemas. A empresa enfrentou ações judiciais movidas pelo Ministério Público de Minas Gerais, que questionou as obras de uma linha de transmissão de energia elétrica, a atuação da empresa perto de sítios arqueológicos e também a passagem do duto por uma caverna que abriga animais ameaçados de extinção.
Além disso, o Ministério Público Federal (MPF) questionou os impactos socioambientais causados na Serra do Espinhaço, reserva da biosfera da Unesco, na bacia hidrográfica da região e também em comunidades tradicionais.
O MPF também criticou o processo de licenciamento da obra, no qual o complexo foi dividido em três partes – mina, mineroduto e porto – e, para cada uma delas, as licenças ficaram a cargo de órgãos ambientais diferentes.
Obra problemática
“Essa fragmentação causa uma série de problemas, pois o impacto da obra como um todo não é avaliado, mas só suas partes. Além disso, o licenciamento por órgãos diferentes também fragmenta o controle social, o monitoramento por parte da sociedade, dificultando a participação pública, já que as pessoas não sabe a qual órgão recorrer”, avalia a socióloga Andréa Zhouri.
A pesquisadora, que é coordenadora do grupo de estudos em temáticas ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais, questiona também o expressivo número de condicionantes da obra. “Elas chegaram a 300, é um número grande, que mostra a deficiência, a insuficiência ou o subdimensionamento dos impactos desse projeto”, opina.
Além desse aspecto, a construção do complexo se viu envolta em escândalos sociais. Por duas vezes, a fiscalização do Ministério do Trabalho flagrou trabalhadores em condições análogas à escravidão. As negociações de indenizações para proprietários de terras localizadas no percurso do mineroduto também são alvos de críticas por falta de transparência.
Segundo a pesquisadora Denise de Castro Pereira, da PUC-Minas, as negociações de indenizações foram feitas de forma desigual, e famílias com baixo grau de instrução acabaram lesadas no processo. Ela afirma que o corte feito pela faixa de servidão do duto [faixa de segurança que acompanha, na superfície, o traçado do duto] inviabiliza a agricultura ou pecuária em algumas pequenas propriedades.
“Cria-se uma situação que o Banco Mundial chama de ‘deslocado econômico’: a pessoa não é retirada de sua terra, pois do ponto de vista empresarial e das regras estabelecidas a retirada não se justifica, mas perde as condições de vida e trabalho naquele lugar”, comenta.
Alternativas de transporte
Entretanto, especialistas avaliam a construção de dutos para transportar minérios como a opção menos poluente e mais barata do que as outras alternativas, como o transporte por caminhão ou trem, apesar dos impactos iniciais.
“Como qualquer obra de infraestrutura, a parte de instalação e construção causa alguns transtornos. Mas, no momento que a obra estiver pronta, as pessoas vão esquecer que a canalização do mineroduto passa por baixo de seu terreno, pois não gera vibração nem ruído”, afirma o engenheiro Enrique Munaretti, chefe do Departamento de Engenharia de Minas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Segundo ele, os impactos da obra são menores do que os da construção de uma rodovia ou ferrovia. Além disso, para transportar a quantidade de ferro estimada pela empresa seriam necessárias 800 mil viagens de caminhão, o que gera emissões de poluentes como dióxido de carbono e enxofre, sem contar com os riscos de acidente na estrada.
“O mineroduto é uma solução econômica muito boa e também ambientalmente excelente. No início, precisa-se fazer abertura de trincheiras e valas para os canos serem enterrados. Depois esses buracos são fechados e é feito um replantio da vegetação, além de marcação para que não se construa nada em cima. O ambiente volta a ser como era originalmente”, afirma Munaretti.
O engenheiro de minas Eduardo Drummond reforça as vantagens. “Independe de condições climáticas para operação, e os custos por tonelada transportada, operacional e de manutenção são imbatíveis”, argumenta.
Mais de 500 quilômetros
O projeto Minas-Rio engloba uma mina de exploração de minério de ferro em Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais, um terminal no Porto do Açu, em São João da Barra, no Rio de Janeiro, além do mineroduto de 525 quilômetros, que liga esses dois extremos, passando por 32 cidades nos dois estados.
A capacidade inicial de produção e transporte é de 26,5 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. Para percorrer a distância entre a mina e o porto através do duto, o minério é misturado com água, se transformando numa polpa. Esse líquido é impulsionado pelo trecho com o auxílio de duas estações de bombeamento.
A velocidade de transporte é de seis quilômetros por hora. A polpa leva cerca de quatro dias para chegar ao final do percurso. No porto, o minério é filtrado e separado da água, para que somente ferro seja embarcado nos navios.
O mineroduto já está pronto e agora estão sendo realizados testes necessários para colocá-lo em funcionamento. Além disso, a Anglo American, ainda precisa das licenças de operação que, segundo a empresa, devem sair no terceiro trimestre deste ano. Contactada, a Anglo American não respondeu às críticas sobre impactos causados pela obra até a conclusão desta matéria.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.