Ato em memória a Zé Claudio e Maria, os Heróis da Floresta, contra a extração ilegal de madeira
Por Luciana Gaffrée, Rel-UITA
Após a morte do casal, a Força Nacional de Segurança escoltou a irmã do extrativista, Claudelice Silva dos Santos, também ameaçada de morte, e levada para um local desconhecido, por medida de segurança.
-Claudelice, mesmo ameaçada de morte, você resolveu voltar para a linha de frente e lutar pelas florestas, pelo fim da impunidade e por exigir justiça pela morte de seu irmão e de sua cunhada, não é?
-É verdade. A gente tem que enfrentar o medo e não ter medo do enfrentamento. Como dizia o meu irmão: “Se você tem coragem de lutar, então lute”.
E nessa luta a gente está organizando um grande evento, chamado A Floresta Vai Gritar, em memória desses heróis que denunciavam aqueles que queriam destruir a floresta.
Zé Claudio e Maria eram a voz da Floresta. Não celebraremos a morte, celebraremos a vida. Durante esse ato de dois dias, 24 e 25 de maio, todos juntos da árvore Majestade, a grande castanheira que Zé Cláudio e Maria amavam, gritaremos em uma só voz: Viva a Floresta!
-Ou seja, a árvore Majestade vai estar com vocês nessa atividade!
-Com certeza! A trilha que a gente vai fazer terá como seu encerramento e culminância aos pés da Majestade.
Será um momento muito emocionante porque parecerá que eles estão ali sabe? (Pausa. Ela está nitidamente emocionada) Parece que os dois estão ali com a gente, porque todas as vezes que vamos até a Majestade, sentimos a presença deles.
-Por que Zé Claudio e Maria incomodavam tanto?
-Porque eram pessoas muito valiosas, que se preocupavam com o planeta como um todo, com a sustentabilidade e, acima de tudo, queriam ver a floresta de pé, a floresta viva.
E isso incomodava muita gente, incomodava os madeireiros, os carvoeiros, e principalmente os fazendeiros que, para conseguir pasto para o gado, destruíam a floresta para plantar capim.
E esse ciclo da ganância conseguiu tirar a vida do meu irmão e da minha cunhada, mas não vão calar a família. Não vão calar os movimentos sociais desta região.
-Dia 4 de abril agora fez um ano do julgamento dos três acusados. O que você tem a dizer sobre isso?
-Que em primeiro lugar tem mais pessoas envolvidas. Mas a júri só foram três acusadas, dessas três duas como executoras e uma como mandante.
Os executores foram condenados, mas o mandante, irmão de um dos executores, foi absolvido. Por isso eu digo: cumpriu-se um ano de uma enorme impunidade e injustiça.
Eu sei que injustiça não acontece só neste país, mas no caso do Brasil e do Pará principalmente a injustiça e a impunidade são a regra.
E não é falta de denúncia, não é falta de provas, mas eu não sei que força é essa que esses assassinos têm, tão grande, de poderem cometer um assassinato e conseguirem ficar soltos.
-Por que eles continuam impunes?
-Em minha opinião quem assassina ativista, ambientalista e sem-terra é quem está no poder. A maior parte dos grandes fazendeiros e latifundiários que usurpam a floresta e usam grande parte da floresta para plantio de capim está no poder, é deputado, é governador, é senador.
Então, como é que vai haver justiça se dentro dela têm pessoas corruptas que matam e se escondem atrás do seu lugar de poder? E é essa falta de justiça e essa impunidade que garantem o extermínio dos ambientalistas, não só no Brasil, mas também em todos os países aqui da América Latina, que é onde ainda há floresta.
O Brasil é o campeão, o maior país do mundo em assassinatos de ambientalistas, porque a impunidade é a garantia dos assassinos. Quem denuncia os crimes é morto.
E quem mata os ambientalistas, fica em liberdade. Sendo que, apesar do Brasil ter um grupo grande de pessoas reunidas a favor da floresta, esse número está cada vez diminuindo mais, porque essas pessoas estão sendo caladas, com medo de serem assassinadas.
-O mesmo acontece com os índios…
-Principalmente! Os índios estão sendo expulsos das suas terras, estão sendo assassinados impunemente. Estão sendo sequestrados. Desaparecem da noite para o dia.
E quem acaba sendo marginalizado é o próprio ativista, é o índio, é o sem-terra. Porque o poder e a opinião pública através da grande mídia marginalizam os ativistas.
-O seu irmão avisou que iria ser morto. Foi uma morte anunciada.
-Anunciadíssima. Ele fez denúncias junto ao Incra, ao Ministério Público Federal, ao Ibama, à delegacia, por mais de 15 anos! Ele e a Maria faziam denúncias tanto de crimes ambientais quanto de mortes há mais de quinze anos. E nunca nada foi feito. Ninguém deu crédito ao que eles falavam.
Eles viviam com medo, com muito medo. (Ela faz um silêncio, lembrando com dor).Todos os dias tinha gente em volta da casa, rondando, observando, atirando! É! Chegavam a atirar! Então, era um pânico, e um pouco antes da morte deles a Maria já estava quase com depressão pelo medo que sentia diariamente.
Porque os pistoleiros não saíam de perto de casa. Nem ela nem o Zé Claudio podiam ficar sozinhos. Seis horas da tarde, a casa estava toda trancada. Em um país que se diz livre e democrático, a pessoa é calada na base da bala para que não fale a verdade.
-Ou seja, é o que chamam de “a cultura do terror”?
-Sim, você fala, você morre. Você cala, você vive mais um pouco. Eu, por exemplo, fiquei muito feliz quando um grupo de mais de 20 agricultores do Acre participou do Ato de Memória do ano passado. Esse ano, a gente está esperando que venha um pouco mais. Porque as pessoas têm medo de participar.
O assassino de Zé Cláudio e Maria está solto. Porque a justiça deu essa liberdade para ele. A justiça corrupta daqui. E olha que ele só foi o mentor direto, porque tem mais gente envolvida. Sendo que um dos executores condenados é irmão do mandante.
Ou seja, como é que condena o executor, mas não condena o mandante? É um absurdo. É uma vergonha e eu não digeri até agora aquele júri. Nós recorremos no mesmo momento e esperamos um novo julgamento, e que seja logo.
Porque a gente não quer que aconteça 30 anos depois, como aconteceu com a Chacina da Fazenda Princesa! O mandante da Chacina da Fazenda Princesa já está quase morto de tão velho. O Brasil responde pela morosidade do processo da Chacina da Fazenda Princesa e a gente não quer isso.
A gente quer justiça imediata. O mandante do assassinato do Zé Cláudio e da Maria tem que ser condenado já.
-Explique para nós o que o Zé Claudio queria dizer quando afirmava que “matar uma árvore era um assassinato”?
-Muitas vezes em nossas conversas em família ele comentava isso, que era como se fosse um cortejo fúnebre quando passavam aquelas carretas carregadas de castanheiras e muitas dessas carretas a Maria e o Zé paravam, falavam com os motoristas, tiravam fotos, e avisavam que isso era um absurdo.
E por que eles agiam assim? Porque dentro deles dois havia um profundo sentimento de amor pelas árvores, pela floresta. Eles amavam a floresta como amavam a nós mesmos, como se ela fosse sangue do nosso sangue.
-O que você gostaria que os leitores lembrassem nos três anos de Memória aos Heróis da Floresta?
-Eu gostaria que lembrassem que o nosso planeta precisa das florestas, que nós, seres humanos, precisamos do meio ambiente inteiro, do meio ambiente saudável, a gente também precisa de espaço para viver bem.
Que se lembrassem de que a água está acabando no mundo, e que isso a gente pode mudar, se cada um se comprometer com o meio ambiente, cuidar do seu lixo, cuidar bem da sua água, a gente vai ter mais alguns anos aqui nesse planeta.
Mas, se a gente acabar com ele, da forma como está acabando, com o avanço incrível e galopante de destruição das florestas, a gente vai viver pouco aqui.
Zé Claudio e Maria são uma luz para a gente mudar a direção, enquanto é tempo.