Entidades criticam prisão pela polícia estadunidense da correspondente do Estadão que queria entrevistar Joaquim Barbosa em Yale

Estatua-da-LiberdadeCorrespondente do ‘Estado’ em Washington (EUA) foi algemada e detida na Universidade Yale enquanto tentava entrevistar Joaquim Barbosa, acusada de invasão de propriedade privada

O Estado de S. Paulo

Entidades ligadas ao jornalismo criticaram a postura da polícia americana no episódio que envolveu a jornalista brasileira, Cláudia Trevisan, correspondente do Estado em Washington. Trevisan foi algemada e detida nesta quinta-feira, 26, na Universidade Yale, uma das mais respeitadas dos Estados Unidos, enquanto tentava localizar o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, que fazia uma conferência no local.

A jornalista foi algemada e mantida incomunicável por quase cinco horas, inicialmente dentro de um carro policial e depois em uma cela do distrito policial de New Haven, cidade onde fica a universidade. Sua liberação ocorreu apenas depois de sua autuação por “invasão de propriedade privada”.

“Os abusos policiais contra a imprensa sempre constituem impedimentos para os jornalistas cumprirem com suas obrigações”, disse o diretor-executivo da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), Julio Muñoz. Segundo ele, no caso que ocorreu na Universidade Yale, a polícia atuou de forma “desproporcional” contra uma correspondente de um jornal estrangeiro. “Espera-se que o mesmo departamento policial ofereça um esclarecimento sobre esse fato. Se não o fizer, deve ser denunciada a medida exagerada (da polícia contra a repórter).”

O presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Marcelo Moreira, disse que a repórter estava apenas fazendo o seu trabalho e cumprindo a sua missão, que é a de informar. Segundo ele, não se justifica a jornalista ser algemada e levada para uma delegacia. “A atitude dos policiais merece ser apurada com rigor e levada a instâncias diplomáticas. Não é de se admitir este tipo de comportamento, seja em solo brasileiro ou americano. Parece claro atentado à liberdade de imprensa.”

Para o professor de Jornalismo da Universidade do Texas – Austin e diretor do Centro Knight de Jornalismo para as Américas, Rosental Calmon Alves, a situação parece “um pesadelo”. “Estou acostumado a ouvir esse tipo de episódio em países ditatoriais, que não conseguem conviver com a democracia e a liberdade de imprensa. É uma surpresa que tenha acontecido nos Estados Unidos, país que se orgulha da imprensa livre e da agressividade dela”, disse.

Alves disse ter ficado ainda mais surpreso por esse episódio ter acontecido em uma universidade tradicional e ter envolvido a sua escola de Direito. “Se um escritor relatasse esses acontecimentos em um romance policial, iriam criticá-lo por exagerar na ficção”, disse ele, lembrando que casos de abuso policial contra jornalistas são raros nos EUA.

‘Não entrei escondido nem forcei a entrada’

Leia a íntegra do relato da correspondente do ‘Estado’ em Washington, Cláudia Trevisan, enviado ao embaixador Cézar Amaral, cônsul-geral do Brasil em Hartford (EUA)

Cláudia Trevisan – correspondente do Estado em Washington

Caro Cézar, obrigada por sua preocupação e empenho no caso. A história começou na manhã de esta quinta-feira, 26, quando o jornal decidiu que eu deveria tentar falar com o ministro Joaquim Barbosa na Faculdade de Direito de Yale. Ele participava lá de um evento chamado “Global Constitutionalism Seminar 2013”.

Liguei para a diretora de Comunicações da Faculdade de Direito, Janet Conroy, e perguntei se poderia ter acesso ao evento. A resposta foi que não. Segundo ela, o evento era fechado e eu não poderia entrar no prédio. Eu disse que iria mesmo assim e esperaria o ministro na calçada.

Cheguei a New Haven por volta das 14h30 e fui para a Faculdade de Direito. Quando entrei, me dirigi à segurança que estava na portaria e perguntei onde estava sendo realizado o evento. Meu objetivo era ter certeza do local para poder esperar o ministro do lado de fora. Ela disse que não tinha informação sobre o seminário no website da faculdade e sugeriu que eu olhasse nas salas do corredor principal do prédio. Não pediu minha identificação nem impediu que eu entrasse. Pelo contrário.

Portanto, I did not sneaked or broke in (Eu não entrei escondido nem forcei a entrada). Eu andei pelos corredores, olhei pelos vidros dentro das salas, subi dois andares, comprei uma água na cafeteria, sentei no pátio interno e conclui que o seminário não estava ocorrendo naquele edifício.

Sai de lá e fui ao Wooley Hall, uma sala de concertos da Faculdade de Direito onde seriam realizados os eventos de hoje do seminário. As portas do lugar ficam abertas e a entrada é livre. Muitas pessoas usam o hall como atalho entre uma praça e a rua que fica do outro lado. Não havia ninguém para pedir informações na entrada.

Subi as escadas e me dirigi a um policial. Perguntei se o evento estava sendo realizado ali. Ele não respondeu e pediu que eu o acompanhasse, o que fiz sem protestar ou resistir. No andar de baixo, ele começou a me fazer perguntas. Eu não disse que era jornalista, mas falei que estava em busca do ministro Joaquim Barbosa e que pretendia esperá-lo do lado de fora. Informei meu endereço, telefone e voluntariamente entreguei meu passaporte quando ele pediu uma identificação. Quando estávamos já do lado de fora do prédio, pedi meu passaporte de volta e ele se recusou a entregá-lo.

Foi o único momento em que me alterei. Disse que ele não podia fazer isso. Ele respondeu que sim e teve seu êxtase autoritário: we know who you are, you are a reporter (você sabe quem você é, você é uma repórter). Que crime!!!! We have your picture, you were told several times you could not come (Nós temos sua foto, você foi avisada várias vezes que não podia vir). Ao que respondi que sim, era uma repórter, mas não havia sido alertada several times (muitas vezes) de que não poderia estar ali. Ao que ele respondeu que eu seria presa por “criminal trespassing” (invasão criminosa).

Duas policiais chegaram e ficaram me vigiando. Nesse momento, consegui ligar para o Benoni na Embaixada de Washington e avisar que seria presa. Logo depois, o mesmo policial, DeJesus, voltou, ordenou que eu ficasse em pé de costas para ele e colocasse minhas mãos para trás. Fui algemada enquanto ele dizia “you know why you are being arrested, no?” (você sabe porque está sendo presa, não?). Ao que eu dizia que não. “You were told several times you could not come here” (Você foi avisada diversas vezes que não poderia vir aqui). Ao que eu repetia que não.

Isso ocorreu por volta das 16h15. Em nenhum momento me disseram o “Miranda Rights” (leitura obrigatória dos direitos). Fui colocada em um carro de polícia e esperei por cerca de uma hora. Nesse período, apareceu uma pessoa ligada ao dean (“diretor”) da Faculdade de Direito, que falou com o policial rapidamente. Ele me viu no carro, mas não se interessou por saber minha versão dos fatos (quando estudei Direito, aprendemos a desconfiar de relatos policiais e a valorizar o contraditório).

Por volta das 17h15 fui transferida para um camburão e levada ao distrito policial. Pedi para dar um telefonema, mas não permitiram. Disseram que eu teria que ser “processed first”, o popular fichada. Fui revistada por uma policial e colocada em uma cela, dessas que vemos em filmes americanos. Havia um vaso sanitário e um policial fornecia papel higiênico pela grade. Não havia nenhum privacidade e tinha que “ir ao banheiro” com policiais passando pelo corredor. Fiquei cerca de 3h30 na cela. No total, permaneci quase cinco horas incomunicável. Só pude dar meu primeiro telefone às 21h20, pouco antes de ser solta.

A grande questão é por que fui presa se obedeci ao policial, não ofereci resistência e pretendia sair do prédio. Ao que eu saiba, ser jornalista não é crime tipificado pela legislação americana.

Correspondente do ‘Estado’ é presa e algemada em Yale (EUA)

Destacada para cobrir a visita do ministro Joaquim Barbosa, que fazia uma conferência na universidade, a jornalista foi autuada por ‘invasão de propriedade privada’, segundo a polícia

O Estado de S. Paulo

A correspondente do Estado em Washington, Cláudia Trevisan, foi detida nesta quinta-feira, 26, na Universidade Yale, uma das mais respeitadas dos Estados Unidos, enquanto tentava localizar o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, que fazia uma conferência no local. A jornalista foi algemada e mantida incomunicável por quase cinco horas, inicialmente dentro de um carro policial e depois em uma cela do distrito policial de New Haven, cidade onde fica a universidade. Sua liberação ocorreu apenas depois de sua autuação por “invasão de propriedade privada”.

O caso foi acompanhado pelo Itamaraty, em Brasília, e especialmente pela embaixada brasileira em Washington e pelo consulado em Hartford, Connecticut, que colocou à disposição da jornalista seu apoio jurídico. O ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, estava em Nova York e foi informado por assessores sobre o incidente. Claudia, pouco antes de ser presa, pudera informar um diplomata da embaixada brasileira por telefone.

Claudia Trevisan é correspondente do Estado em Washington desde o final de agosto. Nos últimos cinco anos, atuara em Pequim, na China, onde foi também diretora da Associação de Correspondentes Estrangeiros. Por outros meios de comunicação brasileiros, havia trabalhado como correspondente em Buenos Aires e em Pequim.

“Eu não invadi nenhum lugar”, declarou ela, ao mostrar-se indignada pela acusação policial e por sua prisão.”Passei cinco anos na China, viajei pela Coreia do Norte e por Mianmar e não me aconteceu nada remotamente parecido com o que passei na Universidade de Yale”, completou nesta quinta-feira, 26, ainda abalada.

A jornalista havia sido destacada para cobrir a visita do ministro Joaquim Barbosa à Universidade Yale, onde participaria do Seminário Constitucionalismo Global 2013. Ela trocara e-mails com a assessora de imprensa da Escola de Direito da universidade, Janet Conroy, que lhe informara ser o evento fechado à imprensa. Claudia aquiesceu, mas disse que, por dever de ofício, esperaria pelo ministro do lado de fora do Woolsey Hall, o auditório onde se daria o seminário.

Ela também havia conversado previamente, por telefone celular, com o próprio ministro Barbosa, a quem solicitou uma entrevista. Barbosa disse que não estava disposto a falar com a imprensa. Claudia, então, informou o presidente do STF que o aguardaria e o abordaria do lado de fora do prédio.

Portas abertas. O prédio é percorrido constantemente por estudantes e funcionários da universidade e por turistas. Suas portas estavam abertas às 14h30 de quinta-feira. Claudia ingressou e, na tentativa de confirmar se o evento se daria ali, dirigiu-se ao policial DeJesus, em guarda no primeiro andar. Ele pediu para Claudia acompanhá-lo. No piso térreo do prédio, a pedido do policial, Claudia forneceu seu endereço em Washington, telefone e passaporte. Ao alcançarem a calçada, do lado de fora do prédio, DeJesus recusou-se a devolver seu documento.

“Nós sabemos quem você é. Você é uma repórter, temos sua foto. Você foi avisada muitas vezes que não poderia vir aqui”, disse o policial, segundo relato de Claudia Trevisan, para em seguida agregar que ela seria presa.

Algemas. O processo de prisão teve uma sequência não usual nos EUA. Os argumentos de Claudia não foram considerados pelo policial. Na calçada, ele a algemou com as mãos nas costas e a prendeu dentro do carro policial sem a prévia leitura dos seus direitos. Ela foi mantida ali por uma hora, até que um funcionário do gabinete do reitor da Escola de Direito o autorizou a conduzi-la à delegacia da universidade, em outro carro, apropriado para o transporte de criminosos.

Na delegacia, Claudia foi revistada e somente teve garantido seu direito a um telefonema depois de quase quatro horas de prisão, às 21h20. O chefe de polícia, Ronnell A. Higgins, registrou a acusação de “transgressão criminosa”. Ela deverá se apresentar no próximo dia 4 diante de um juiz de New Haven.

Estado manifestou hoje sua indignação à Escola de Direito da Universidade Yale pela prisão arbitrária de sua correspondente em Washington. Solicitou também respostas a cinco perguntas pontuais sobre o episódio e seu acesso às imagens de câmeras de segurança do prédio de Woolsey Hall, para comprovar o fato de Claudia ter obedecido as instruções do policial. A resposta dessa instituição está sendo aguardada.

Confira as perguntas cujas respostas são aguardadas pelo ‘Estado’:

Em virtude dos infelizes fatos ocorridos, O Estado de S. Paulo gostaria de obter, nesta sexta-feira, de preferência, alguns esclarecimentos da Escola de Direito da Universidade Yale:

1. Quais foram – especificamente – as instruções recebidas pelo policial DeJesus antes do evento, com relação ao tratamento dado ao jornalistas?

2. Por que a jornalista Cláudia Trevisan foi presa por ‘invasão de propriedade privada’ se ela não estava no interior de um prédio privado naquele momento, não resistiu às instruções dadas pelo policial DeJesus e não foi agressiva?

3. Qual é o nome do oficial que deu ao policial DeJesus a permissão para conduzir a jornalista Cláudia Trevisan ao distrito policial e processá-la? Por que ele fez isso?

4. O ministro Joaquim Barbosa deu alguma instrução à faculdade de Direito ou para pessoas da organização do evento de como tratar a imprensa?

5. O mesmo procedimento foi usado antes pela Faculdade de Direito em outros episódios parecidos.

Estado gostaria de ter acesso à cópia do vídeo feito pelas câmeras de segurança, capturadas equipamentos instalados no ambiente interno e externo do prédio, com imagens dos movimentos da jornalista.

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