RJ – Justiça manda fechar presídio de PMs após agressão a juíza que fazia inspeção

“Em agosto, a magistrada determinou a retirada de geladeiras, camas de casal, televisores e aparelhos domésticos que foram encontrados durante uma vistoria no BEP. Também foram apreendidos R$ 3 mil em espécie e um celular, além de engradados de refrigerante e carnes que estavam sendo preparadas para um churrasco”

Por Chico Otávio, Elenilce Bottari e Marco Grillo*, no Globo

RIO — O juiz titular da Vara de Execuções Penais (VEP), Eduardo Oberg, determinou nesta quinta-feira a interdição do Batalhão Especial Prisional (BEP), em Benfica, e a transferência dos 221 detentos da unidade depois que a juíza Daniela Barbosa Assumpção de Souza e seus seguranças foram agredidos durante uma inspeção. Por volta das 14h30m, a magistrada foi cercada e ameaçada por presos quando tentava entrar na galeria E, no terceiro andar do BEP, que abriga policiais à espera de julgamento. Integrantes de sua escolta, que conta com cerca de 15 agentes, intervieram e foram golpeados, inclusive com pauladas, por pelo menos quatro internos. Daniela teve a blusa rasgada, perdeu os óculos e um sapato na confusão. O tumulto foi registrado por câmeras do circuito interno de segurança.

Acuada, ela foi embora e, pouco tempo depois, voltou ao BEP com o apoio de policiais dos batalhões de Choque e de Operações Especiais (Bope). A magistrada identificou cada um dos agressores — que foram levados para autuação na Delegacia Judiciária e, em seguida, para Bangu 1— e concluiu normalmente a inspeção. No início da noite, Oberg ordenou o fechamento do BEP e a transferência dos presos em até 72 horas. À noite, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, disse que a forma como será feita a transferência poderá ser “reavaliada”.

— Não se trata de retaliação (o fechamento). A unidade demonstrou não ter qualquer segurança para guardar aqueles presos. Por isso, estou determinando a interdição do BEP e a transferência dos internos a partir de amanhã (sexta-feira) para outras unidades da Secretaria de Administração Penitenciária, em Niterói e Bangu. O que aconteceu foi um absurdo — afirmou Oberg.

MILICIANO TERIA INICIADO TUMULTO

Segundo Daniela, a confusão começou quando um dos presos “perdeu o controle” e iniciou um quebra-quebra. Em seguida, um outro detento começou a insuflar os demais contra ela, que foi cercada e hostilizada por um grupo de 20 a 30 detentos. A juíza acredita que o responsável pelo início do tumulto é um miliciano.

A notícia da agressão chegou rapidamente ao Tribunal de Justiça, onde acontecia um seminário sobre violência e corrupção, e causou revolta entre magistrados. Depois de telefonar para a juíza, o presidente do órgão, desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, repudiou o episódio:

— Essa situação é absolutamente inadmissível. Uma juíza foi fazer uma inspeção dentro do Batalhão Especial Criminal, onde policiais militares estão ali custodiados, e sofreu uma tentativa de agressão (física). Ela só não foi agredida (fisicamente), porque sua escolta interveio, e seus seguranças foram atacados a pauladas. Ela mostrou muita firmeza e coragem. Mostrou que a magistratura do Estado do Rio de Janeiro não se curva a uma manifestação dessa. Eu tenho certeza que as autoridades do estado vão saber agir para pôr fim a esse tipo de tentativa de intimidação a um poder da República.

Dentro da unidade, logo após o início da confusão, a juíza afirmou que a situação estava “tensa”.

— Eles me cercaram e minha escolta me defendeu, mas estou com a blusa rasgada. Perdi meu sapato e meus óculos. Ainda estou muito nervosa. Não consigo nem falar sobre o que aconteceu — disse a magistrada, que deixou o BEP pouco antes das 20h.

Questionado sobre o episódio, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, disse que é antigo o pedido para que o BEP seja retirado de Benfica.

— Não chegou a ser uma rebelião, foi uma discussão entre uma juíza, seus seguranças e milicianos que estavam por ali. O Batalhão de Choque foi acionado imediatamente para evitar que maiores consequências acontecessem. Esse é um dos motivos pelo qual a gente, há tempos, pede a retirada do batalhão prisional dali e a inauguração de uma galeria específica dentro do Complexo Penitenciário de Gericinó. Agora, vamos ver se conseguimos transferir para um presídio que a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) nos proporcionou em Niterói — disse Beltrame.

Um veículo do Bope deixa o presídio após a confusão: o batalhão foi chamado porque PMs presos no local atacaram juíza e sua escolta, que chegou a receber pauladas – Domingos Peixoto / Agência O Globo
Por meio de uma nota, a Polícia Militar informou que está negociando, há seis meses, a transferência dos presos com a Seap. A corporação destaca que o objetivo da mudança é “garantir melhores condições de trabalho para a administração e para o Judiciário’’. A PM abriu uma sindicância para apurar a confusão.

ADVOGADA E DEPUTADO ACUSAM MAGISTRADA

Na porta do BEP, uma advogada que se apresentou como Fabíola, que não quis revelar o sobrenome e disse representar os policiais presos na unidade, reconheceu que um grupo cercou a juíza por não concordar com os métodos usados durante suas inspeções. Ela afirmou que a magistrada “desrespeita” os presos e os chama de “vagabundos” e “milicianos”. O deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP) também esteve no local e repudiou as agressões, mas criticou a postura da juíza:

— É preciso saber por que sempre há alguma alteração quando ela vem ao BEP. Não é a forma correta de tratar as pessoas.

Em agosto, a magistrada determinou a retirada de geladeiras, camas de casal, televisores e aparelhos domésticos que foram encontrados durante uma vistoria no BEP. Também foram apreendidos R$ 3 mil em espécie e um celular, além de engradados de refrigerante e carnes que estavam sendo preparadas para um churrasco. Por causa das irregularidades, ela chegou a suspender, temporariamente, as visitas de parentes.

Mais cedo, antes da decisão sobre o fechamento do BEP, o presidente da Associação de Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, desembargador Rossidélio Lopes, defendeu o fechamento do presídio:

— Não existe razão para se manter uma unidade como esta, que está sempre tendo problemas, onde há regalias para presos. O que aconteceu prova o absurdo que é o BEP.

UMA UNIDADE COM MUITAS HISTÓRIAS DE MORDOMIAS

O BEP tem um longo histórico de regalias desfrutadas por seus detentos — policiais militares, civis, federais e rodoviários, além de agentes penitenciários, acusados de vários tipos de crimes e à espera de julgamento. Já foram investigados casos de uso indiscriminado de celulares, visitas de garotas de programa e churrascos regados a cerveja, assim como ameaças a testemunhas e até assassinatos que teriam sido praticados por presos com permissão ilegal para cruzar os portões da unidade.

Em 2012, um relatório da VEP revelou que detentos tinham 109 geladeiras, 52 micro-ondas, 102 televisores, 63 cafeteiras e uma máquina de fazer frango assado, e também panelas elétricas, aparelhos de som e máquinas de lavar roupa. No fim daquele ano, teve início uma reforma, determinada pela Justiça, para tentar coibir as mordomias, mas vistorias comandadas pela juíza Daniela Barbosa Assumpção de Souza comprovaram que o panorama não havia mudado.

Em abril, a Secretaria estadual de Administração Penitenciária (Seap) e o comando da PM determinaram o fechamento do BEP. A previsão era que, até agosto, os detentos fossem levados para o prédio onde funcionou a antiga Penitenciária Vieira Ferreira Neto, no Fonseca, em Niterói. No entanto, as péssimas condições do imóvel forçaram um adiamento de planos. O edifício precisou passar por uma ampla reforma, que segue em andamento, sem previsão de conclusão.

De acordo com a Seap, o atual prédio do BEP será transformado em um presídio feminino de regime semiaberto, com capacidade para cerca de 300 vagas. A administração da unidade ficará a cargo da própria secretaria. Já o novo batalhão prisional em Niterói será administrado pela PM. Em agosto, o governador Luiz Fernando Pezão ordenou, por decreto, a criação do novo BEP, que passará a ser chamado de Unidade Prisional da Polícia Militar.

*Colaborou Guilherme Ramalho.

Destaque: A juíza Daniela Barbosa: agredida por presos quando fazia inspeção no BEP, Foto de Roberto Moreyra / Agência O Globo.

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