Movimentos sociais do Vale do São Francisco entregam Carta à presidente Dilma em visita a Juazeiro

Irpaa

A presidente Dilma Rousseff esteve em Juazeiro (BA) na manhã da última sexta-feira (14). O motivo da vinda foi a entrega de 1.480 moradias a juazeirenses através do Programa de habitação do Governo Federal, o “Minha Casa, Minha Vida”. Recebida pelas famílias contempladas pelo Programa, movimentos sociais, lideranças políticas da região e militantes petistas, a presidente destacou em sua fala temas como a Convivência com o Semiárido e preservação do Rio São Francisco.

Após a solenidade de inauguração do Residencial Juazeiro I, localizado no bairro Itaberaba, representantes de movimentos sociais da região entregaram documento, cujo conteúdo reafirma o apoio a democracia e aponta algumas reivindicações relacionadas à agricultura familiar, juventude, educação, mulheres, negros e negras, LGBT, povos tradicionais. A Carta dos Movimentos Sociais do Vale do São Francisco (abaixo) foi assinada por 18 organizações sociais com atuação na região, dentre estas movimentos populares do campo e da cidade, federações, ONG’s, articulações, etc.

Ao iniciar seu pronunciamento, a presidente Dilma saudou a Articulação do Semiárido brasileiro – Asa, representada no palco por Cícero Félix, destacando o papel importante na construção de um milhão de cisternas no Semiárido brasileiro. Em outro momento do discurso, ela novamente fez referência a parceria do governo federal com a Asa para construção de tecnologias de captação de água da chuva, enfatizando que é necessário criar condições para que as pessoas não sofram com a estiagem prolongada. “Nós fizemos juntos um milhão de cisternas, levando água para a população rural que precisa da água para viver e pra plantar”, lembrou. Reafirmando que o governo compreende a seca como fenômeno natural, frisou: “a gente não combate a seca, a gente convive com a seca”.

Provocada pelo prefeito Isaac Carvalho sobre medidas de proteção ao Rio São Francisco, Dilma afirmou que é preciso cuidar do rio, apontando a relação da degradação da bacia com as mudanças climáticas. “A gente tem de olhar para o São Francisco, a primeira coisa que a gente tem de fazer no São Francisco é recuperar as margens, porque um dos fatores de agravamento da seca é falta de mata ciliar”, considerou.

Para os movimentos sociais, a ida de militantes ao evento, as representações presentes no palco e a entrega do documento constituem um conjunto de manifestações em defesa da democracia no país e sinalizam a abertura do governo para as reivindicações e críticas de um público que nas eleições de 2014 contribuiu significativamente para a reeleição da presidente Dilma.

Leia a carta:

Excelentíssima Senhora
DILMA ROUSSEFF
Presidenta da República

Desde 2014, uma ampla frente de esquerda compôs o apoio à reeleição de Vossa Excelência. Nacionalmente, agitamos e nos dedicamos a essa campanha por acreditar que o Brasil poderia continuar mudando. No Vale do São Francisco, os movimentos sociais fizeram um dos maiores atos em apoio à candidatura, mostrando que o Semiárido seguia com Dilma por mais direitos!

Já em 2015, vemos o Congresso mais conservador desde a ditadura militar aprovando pautas até então esquecidas, como a redução da maioridade penal, o projeto de terceirização e o financiamento empresarial de campanha. Vemos também a direita raivosa e inconformada com o resultado das eleições protagonizando pedidos de Impeachment e volta da ditadura, com o apoio da grande mídia.

Infelizmente, é notório o distanciamento do governo em relação aos movimentos sociais. Isso se reflete diretamente no retrocesso em pautas como a reforma agrária, titulação de terras de povos tradicionais, educação, direitos trabalhistas, direitos humanos, enfrentamento ao racismo, LGBTfobia e violência contra a mulher. Isso também se reflete na escolha de ministros como Joaquim Levy e Kátia Abreu, que estão a serviço das empresas e subordinados ao poder econômico. Não acreditamos nem incentivaremos um golpe. Por isso, mais uma vez estamos unidos e nas ruas na luta pela Democracia e propondo que as seguintes pautas sejam adotadas pela gestão:

AGRICULTURA FAMILIAR

Solicitamos o imediato desbloqueio dos recursos do Projeto Cisternas no âmbito do Programa Água para Todos, lotados no Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), pois esses recursos financiam projetos de captação e armazenamento de água de chuvas que revolucionaram o Semiárido Brasileiro.

Reivindicamos a transformação dos Programas PNAE (Programa Nacional da Alimentação Escolar) e PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) em uma ampla Política Pública de Aquisição de Alimentos e Alimentação Escolar, adquirida da agricultura familiar agroecológica.

Pedimos o investimento no Monitoramento e combate ao desmatamento das Caatingas e a implantação da Política Nacional de Combate à Desertificação, uma vez que o Bioma Caatinga é o único exclusivamente brasileiro e são demasiadamente tímidas, quaisquer iniciativas de proteção por parte do Estado.

Por compreendermos que vivemos uma região de características próprias, que vão desde o clima e todo o meio ambiente aos demais aspectos sócio-econômicos-culturais, reivindicamos a criação da Política Nacional de Convivência com o Semiárido.

JUVENTUDE

Medidas mais enérgicas no enfrentamento à redução da maioridade penal, compreendendo que esse projeto serve somente para prender a juventude e privatizar os presídios, ao invés de investir na raiz do problema que é o acesso à educação. Mais escolas e menos prisão para a juventude!

Criação de políticas que coíbam o extermínio da juventude negra, reavaliando o plano Juventude Viva, fortalecendo e ampliando a rede sócio-assistencial, respeitado o ECA e o SINASE, compreendendo que as medidas socioeducativas previstas no ECA devem servir á ressocialização e não ao aprisionamento.

Defesa do modelo de partilha dos royalties do pré-sal, destinando 10% do seu fundo social para acesso à educação, lazer, esporte e fomento da produção artístico/cultural da população de jovens do campo e da cidade;

EDUCAÇÃO

Somos contra os cortes orçamentários na Educação, já que limita e/ou impossibilita o acesso à uma educação pública de qualidade. Exigimos a retomada de investimento na formação inicial de professores, mantendo programas como PIBID; a reavaliação das metodologias de construção do IDEB, tornando-o menos neoliberal.

Fortalecimento da SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) para o desenvolvimento de políticas educacionais que respeitem os territórios de pertencimento e as diversas identidades marginalizadas no campo do currículo escolar;

Elaboração de políticas que garantam a efetivação da lei 10.639/03 e a 11.645/08; assim como coibir o fechamento das escolas do campo, garantindo uma política pedagógica especifica, garantindo uma Educação Contextualizada ao Semiárido;

Valorização da carreira docente com aumento salarial e formação continuada em nível de pós-graduação e manutenção e ampliação de investimento em pesquisa, extensão e assistência estudantil do ensino público;

MULHERES

Reivindicamos que a Lei Maria da Penha e a Lei 13.104 (Lei do Feminicídio) saiam do papel e sejam efetivadas. Num país onde uma a cada cinco mulheres já foi agredida e a cada duas horas uma é morta, é emergente aumentarmos o enfrentamento à violência contra a mulher, em especial as do campo e da periferia das cidades.

Somos contra a sanção do PL 4330, o PL da Terceirização. Essa é uma luta das trabalhadoras e dos trabalhadores e sabemos que as mulheres, especialmente as negras serão as mais afetadas por esse projeto, já que cerca de 70% do número de funcionários terceirizados são mulheres. Além disso, são as que têm menor segurança no trabalho, salários menores, não acessam a direitos básicos como férias, creches e escolas para filhos das trabalhadoras e organização sindical. Terceirização é precarização do trabalho, especialmente o feminino.

Exigimos uma maior participação e representatividade feminina na política. Somos mais da metade da população e menos de 8% no Congresso. Como avançar nas pautas referentes às mulheres sem representatividade? Justamente por isso uma série de projetos e emendas que representam avanços na vida das mulheres vem sendo barradas, por não serem pensadas e discutidas por mulheres, mães, camponesas, negras e trabalhadoras.

NEGROS E NEGRAS

Fortalecimento e ampliação do SUS como um sistema universal e gratuito, especialmente de programas de atendimento da população negra, potencializando o atendimento básico e especializado;

Manutenção e ampliação das políticas de valorização e fortalecimento das culturas e identidades negras e fomento da produção cultural negra no campo e na cidade, destinando recursos especialmente a grupos culturais periféricos.

Ampliação de acesso e permanência das populações negras nas universidades e programas de redistribuição de renda como o Bolsa Família, considerando que esses programas tiraram milhões de famílias da pobreza e mudaram o horizonte de muitos jovens. Ainda assim, é preciso fortalecer iniciativas como a política de cotas, tornando a universidade um espaço menos elitizado.

LGBT

Criação de centro de atendimento e acolhimento da população LGBT e criação de programas de atendimento da população LGBT no SUS e SUAS, compreendendo as especificidades deste segmento da população.

Retomada dos debates do Plano Nacional de Educação no que se referem as questões de gênero e sexualidade e retomada dos kits contra LGBTfobia na escola, compreendendo a escola como um dos principais espaços de formação social dos indivíduos, fazendo que essa se debruce no combate a este tipo de preconceito.

Criação de leis que criminalizem violências LGBTfóbicas. A LGBTfobia não só ameaça nossas vidas, mas também a possibilidade de inserção nos espaços públicos, seja no âmbito educacional ou profissional. Diante da ofensiva conservadora, tem sido cada vez mais difícil viver enquanto LGBT quando não há leis que resguardam a segurança e a integridade física dessas pessoas.

POVOS TRADICIONAIS

Demarcação de terras dos povos quilombolas, indígenas, fundos de pastos e pesqueiros, visualizando que a maioria dessa população já vive nessas terras há anos e vem sendo ameaçadas diante da grilagem de terras para mineração e agronegócio.

Fortalecimento de programas como Pacto Brasil Quilombola e criação de políticas de preservação e fortalecimento dos diversos saberes tradicionais, além do desenvolvimento de políticas de combate a intolerância religiosa contra povos de terreiros e para as comunidades atingidas pela transposição do rio São Francisco;

Diante deste cenário, acreditamos na importância de ouvir os diversos segmentos sociais para continuarmos avançando. A crise de representatividade nos espaços governamentais destes segmentos aqui citados e da sociedade revela o abismo que existe entre a sociedade civil e os espaços de poder. Assim, compreendemos a centralidade da luta por uma reforma política democrática e popular, a exemplo das iniciativas da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Plebiscito Constituinte. Acreditamos que desta forma asseguraremos uma agenda progressista e popular para os próximos períodos.

Assinam esta carta:

Levante Popular da Juventude

Marcha das Mulheres Negras

Associação de Defesa a Liberdade de Gênero

ASA – Articulação Semiárido Brasileiro

STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Juazeiro – BA

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens

Federação Municipal das Associações de Moradores e Entidades Afins de Juazeiro

CACOS – Centro Acadêmico de Comunicação Social / UNEB / Juazeiro – BA

IRPAA – Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada

NAENDA – Núcleo de Arte Educação Nego D’Água

UJS – União da Juventude Socialista

UBM – União Brasileira de Mulheres

GAU – Grupo de Agroecologia Umbuzeiro

Consulta Popular

SAJUC – Serviço de Assistência Socioambiental no Campo e Cidade

Comitê de Desenvolvimento das Associações Rurais da Região de Angico

UAVS – União das Associações do Vale do Salitre

Imagem: Reprodução do Blog do Carlos Britto

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