A crítica se deu durante seminário promovido pela FAO, em Brasília, sobre o fortalecimento da agroecologia na América Latina.
Por Iris Pacheco, da Página do MST
Entre os dias 24 a 26 de junho, diversos representantes da Via Campesina participam do Seminário Regional de Agroecologia na América Latina e Caribe, no Centro de Formação Israel Pinheiro, em Brasília.
Organizado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o evento é uma continuação do Simpósio Internacional sobre Agroecologia para a Segurança Alimentar e Nutrição, ocorrido em Roma em setembro de 2014.
O objetivo da atividade é aprofundar as discussões dos processos de integração regional e fortalecer a agroecologia a partir do diálogo entre os campos da sociedade civil, governos e academia.
Segundo Peter Rosset, da Via Campesina internacional, a questão agroecológica vive dois processos. Um deles se desencadeia a partir da institucionalidade, com os Simpósios da FAO, em que a aposta é consolidar uma agroecologia comercial.
Já o outro parte dos movimentos sociais, composto por uma série de saberes entre diferentes setores, como os camponeses, povos originários e trabalhadores rurais, que buscam alcançar o consenso de uma agroecologia transformadora, de resistência e de luta popular.
“Estamos num momento da disputa entre essas duas visões da agroecologia, e nossa participação aqui é para travar essa disputa”, disse Rosset.
Rosset lembrou que diversos ministérios de agricultura de muitos países estão se mobilizando para gerar políticas públicas agroecológicas, “o que é uma oportunidade, mas também uma ameaça, porque se os movimentos não se movem, tudo isso pode vir a apoiar a agroecologia comercial”, destaca.
Para ele, é preciso que as organizações se mobilizem para incidir sobre essas novas políticas para serem um respaldo da agroecologia popular camponesa.
Mudança de rumo
Nos últimos três anos a agroecologia têm passado por uma mudança na contexto internacional.
Nas décadas anteriores a proposta de construir um sistema alternativo de produção baseado na matriz agroecológica foi completamente ignorado pelos governos. No entanto, com essa perspectiva de uso técnico para os interesses do capital o cenário tem se alterado rapidamente.
Para Nury Martinez, da Federação Nacional Sindical Unitária de Agropecuária (FENSUAGRO) na Colômbia, é importante haja o interesse pela temática, porém é preocupante que a utilize para outros fins, como parte do desenvolvimento de uma agricultura comercial extensiva.
“Consideramos que é importante colocar nossa análise nestes espaços da FAO, para que se discuta com os governos, e que desse processo saia políticas públicas que ajudem a implementar técnicas que fortaleçam a agroecologia e o desenvolvimento da agricultura camponesa e familiar, e não o contrário”.
1° Fórum sobre agroecologia
Em fevereiro deste ano, mais de 200 representantes de organizações e movimentos sociais de camponeses, pescadores, indígenas, agricultores familiares, entre outros, se reuniram na capital do Mali, Bamako, para participar do primeiro Fórum Internacional sobre Agroecologia.
Deste fórum resultou uma declaração em que afirmaram o compromisso de promover uma produção agroecológica que defenda a troca de saberes, reconheça o papel da mulher, promova a economia local, proteja a biodiversidade do planeta e lute contra a apropriação corporativa e institucional da agroecologia pelo capital.
O sistema de produção de alimentos industrial está começando a exaurir seu potencial produtivo e lucrativo por causa das suas contradições internas e suas consequências negativas ao meio ambiente e à saúde pública. A agroecologia seria uma resposta a esse modelo.
Para Jaqueline Arriagada, da Associação Nacional de Mulheres Rurais e Indígenas (Anamuri) no Chile, é preciso que os governos avancem e compreendam o significado da agroecologia para a agricultura familiar e camponesa.
“A terra já não resiste e o Estado não reconhece que a agricultura industrial, em muitos lugares imposta a sangue e fogo, tem destruído nossos territórios, nossas terras, que são invadidas pelos monocultivos, pelas mineradoras com o apoio dos governos”, colocou.
Para ela, não se trata apenas de uma necessidade de resistência, “mas também alcançar avanços para que nossa agricultura seja reconhecida e visibilizada. Assim como deve ser com o papel das mulheres no cuidado das sementes e no fazer da agricultura”, destacou Jaqueline.
Na agenda do continente
Recentemente, a agroecologia foi incluída na agenda de integração regional. O Seminário Regional de Agroecologia integra o Plano de Ação de Agricultura Familiar da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC). A 20° REAF MERCOSUL, realizada em 2013 em Caracas, na Venezuela, incluiu o tema na agenda dos Grupos Temáticos para a Adaptação às Mudanças Climáticas e o Manejo de Risco Climático.
Além da FAO, o seminário também é promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário do Brasil (MDA), Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), Reunião Especializada Sobre Agricultura Familiar do Mercosul (REAF MERCOSUL) e Aliança pela Soberania Alimentar na América Latina e no Caribe (Aliança), com o apoio do Programa de Cooperação Brasil-FAO.
No final do evento, será elaborado um documento de referência com diretrizes para o desenvolvimento da agroecologia na América Latina e Caribe, com sugestões para futuras ações em outros espaços.
As próximas reuniões regionais acontecem ainda este ano entre os meses de setembro e outubro, em Senegal, na África. Seguindo para Ásia e o Pacífico, que será em Bangkok na Tailândia, de 21 a 23 de Novembro de 2015.
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Imagem: Reprodução da Página do MST