Realizada em Túnis (Tunísia), atividade da Via Campesina debateu a necessidade do direito de resgate, conservar e produzir sementes crioulas
Por Simone Freire
Especial à Página do MST
As sementes têm um lugar especial na luta pela soberania alimentar no mundo e, nesta quinta-feira (26), foram tema de mais uma das atividades autogestionadas da Via Campesina, no Fórum Social Mundial 2015 (FSM), em Túnis (Tunísia).
A defesa do direito de resgatar, conservar e produzir as sementes campesinas e a pressão das multinacionais contra a agroecologia permeou o debate.
A presidente da Associação de Mulheres Rurais e Indígenas (ANAMURI), Miriam Talavera Ilanes, discorreu sobre a atuação do governo chileno no setor agrícola e sobre a ofensiva das multinacionais para dominar a produção de sementes.
Recentemente, o país sofreu uma pressão para a aprovação do Projeto de Lei de Proteção de Direitos de Obtentores Vegetais, que ficou amplamente conhecido como ‘Lei Monsanto’.
Proposto pela presidente Michele Bachelet, em 2009, o PL seria usado para sustentar e implementar o UPOV 91 – do qual o Chile é signatário – que entregou nas mãos das grandes empresas um conjunto de privilégios na produção de sementes, limitando de forma severa os direitos dos camponeses e dos povos originários de guardar e reproduzir as suas sementes. No ano passado, após forte pressão social, a presidenta retirou o projeto do Congresso chileno prometendo um amplo processo de consulta.
A notícia foi comemorada pelos movimentos do campo, mas com cautela. Contra as pressões dos tratados de livre comércio, “continuamos resistindo através de todos os meios de informação e mobilização. Nas sementes e nos cultivos não há apenas diversidade. Há conhecimento, tecnologia, cultura e resistência. As campesinas, os campesinos e os povos originários ainda gritam com muita força ‘resistência e rebeldia, as sementes pela vida’”, enfatizou Miriam.
Desafios e experiências
Os desafios e experiências acerca das sementes campesinas no mundo também foram partilhados por Muhammad Faraj, da União Geral dos Camponeses do Egito; por Jean Luc Juthier, da Confederação Camponesa (Confederation Paysanne, França); pelo professor Boaventura Sousa Santos, do Centro de Estudos Sociais (CES, Portugal) e por Leomárcio Silva, da coordenação do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA, Brasil).
Ao enfatizar o entendimento de que a ameaça às sementes que ocorre hoje é uma ameaça à vida como um todo, ao expor a realidade brasileira, Leomárcio Silva falou sobre os desafios comuns da luta camponesa, entre eles, os limites impostos pelas legislações, que tratam os camponeses como criminosos e não como guardiões da terra.
Segundo o coordenador do MPA, o Brasil tem um processo de articulação que tem enfrentado de modo direto e com ações práticas de questionamento as empresas do agronegócio.
“Porém as empresas, de modo paralelo, tem feito um processo de pressão e cooptação por dentro do Legislativo e Judiciário brasileiro que, na prática, tem somado uma força desigual à força popular de reação ao projeto do agronegócio”, avaliou.
Entre os exemplos citados por ele está a articulação dentro do judiciário para que se aprove jurisprudência sob a contaminação das sementes crioulas a partir do uso das transgênicas.
Embora nos últimos doze anos tenham acontecidos alguns avanços com o governo brasileiro, na avaliação de Silva, na última eleição, um grande passo para trás foi dado com a representação simbólica do agronegócio, a ex-senadora Kátia Abreu, nomeada para ocupar o Ministério da Agricultura do governo brasileiro.
“Temos dado alguns passos, como por exemplo, a construção da Comissão Nacional da Agricultura Agroecológica e Produção Orgânica. Porém, se colocarmos em uma escala de comparação, ainda é muito desigual para o lado camponês”, avalia.
Ultrapassar os entraves judiciários e legislativos que buscam criminalizar e legislar sob a prática tradicional de cuidar, produzir e partilhar as sementes é crucial. Para o professor Boaventura Sousa Santos, este tema é, provavelmente, o mais importante. “Este pode ser um tema que poder unificar o movimento. Não é uma questão de agricultura apenas, mas se trata de um tema de saúde, justiça e igualdade. É um tema real que afeta a todos”, avalia.