TRF-3 considera “ilegitimidade ativa” da Famasul para representar produtores rurais do MS e nega seguimento a agravo

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

O desembargador federal Hélio Nogueira, do Tribunal Reginal Federal da 3ª Região, negou seguimento a agravo de instrumento interposto pela Famasul contra decisão do Juízo da 2ª Vara Federal de Dourados, dando prazo de 30 dias à Funai e à União para demarcar as terras indígenas e pagar “arrendamento aos fazendeiros que possuem áreas ocupadas por índios, em toda a região centro-sul” do MS. A decisão da 2ª Vara havia sido tomada em resposta a ação do Ministério Público Federal, de execução judicial do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com a Funai em 2007, “pelo qual a Fundação se comprometeu a demarcar as terras indígenas em MS até junho de 2009”, o que não foi feito até agora.

No momento em que existe uma ‘mesa de negociação’ montada pelo Ministério da Justiça para teoricamente promover acordos de conciliação e demarcar as terras indígenas no estado, a Federação de Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul solicitou entrar na ação como “terceira prejudicada”, representando os produtores rurais. E alegou que “decisão agravada não pode prevalecer porque encerra insegurança jurídica e estimula mais invasões de terras em face do pagamento de arrendamento, razão pela qual requer(ia) a sua reforma”.

O desembargador Hélio Nogueira ponderou, entretanto, ser essencial antes de mais nada decidir quanto à legitimidade da Famasul para representar os produtores. E, baseando-se na legislação sindical existente, que reconhece as federações enquanto representantes das categorias exclusivamente “na ausência de sindicato representativo”, considerou “necessário reconhecer … ilegitimidade ativa”, no caso da Famasul. Em consequência, negou seguimento ao agravo por ela interposto.

Mais informações sobre a vitória do MPF na 2ª Vara Federal de Dourados, que estava sendo questionada, podem ser encontradas em União deve demarcar terras indígenas e indenizar fazendeiros por áreas ocupadas em MS. Já a íntegra da decisão do TRF3 segue abaixo:

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – TRF

Subsecretaria da 1ª Turma

Expediente Processual 34333/2015

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0001930-09.2015.4.03.0000/MS

2015.03.00.001930-7/MS
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
AGRAVANTE : FAMASUL FEDERACAO DA AGRICULTURA E PECUARIA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
ADVOGADO : MS007602 GUSTAVO PASSARELLI DA SILVA
AGRAVADO(A) : Fundacao Nacional do Indio FUNAI
PROCURADOR : CASSIO MOTA DE SABOIA
AGRAVADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : MARCO ANTONIO DELFINO DE ALMEIDA
PARTE RÉ : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE DOURADOS > 2ªSSJ > MS
No. ORIG. : 00035437620104036002 2 Vr DOURADOS/MS

DECISÃO

Este agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pela FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL – FAMASUL, na condição de terceira prejudicada, a teor do art. 499 do CPC, ataca decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Dourados/MS, vazada nos termos seguintes:

“Ministério Público Federal-MPF ajuizou a presente EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL, com base no art. 632 do CPC, para compelir a Fundação Nacional do Índio-FUNAI a cumprir a obrigação de fazer consubstanciada no Termo de Ajustamento de Conduta n. 1.21.001.000065/2007-44, que consubstancia os trabalhos de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios na região centro-sul de Mato Grosso do Sul. A executada se comprometeu no referido TAC a proceder à demarcação administrativa de terras indígenas, nos termos do Decreto n. 1.775/96 e na Portaria MJ n. 14/96, que regulamentam o art. 231 da Constituição de 1988 c/c com art. 67 do ADCT, ART. 19 DO Estatuto do Índio. Na cláusula segunda do TAC a FUNAI se comprometeu a “compor os respectivos GTs nos termos do art. 2º, caput, e paragrafo 1º. Do Decreto n. 1775/96, até 30 de março de 2008, devendo promover caso inexistisse quadros, a contratação de antropólogos de qualificação reconhecida e dos demais profissionais”. Segundo relata a petição inicial da presente execução, a FUNAI descumpriu a obrigação assumida no TAC. Na presente Execução foi proferida, em 10 de setembro de 2010, a decisão de fls.92/96, determinando à FUNAI o cumprimento da obrigação em um cronograma que se iniciava em janeiro de 2011 e findava em janeiro de 2012. No dispositivo da decisão, foi fixada multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) por dia de descumprimento. Na petição de fls. 108/170, o MPF noticiou o descumprimento da decisão, informando que a multa cominada já totalizava R$ 579.000,00 (quinhentos e setenta e nove mil reais). Na mesma petição, o MPF informou a relação dos profissionais necessários para a realização dos trabalhos. Instada a se manifestar sobre o descumprimento (fl.119), a FUNAI peticionou às fls. 123/138, prestando esclarecimentos e na mesma oportunidade apresentou um cronograma de cumprimento. O MPF, às fls. 141/145, pleiteou a cominação de multa pessoal ao representante da FUNAI, bem como a intimação dos antropólogos para que entregassem os relatórios em atraso. Diante da inércia da FUNAI, este juízo em decisão de fl. 202, determinou a intimação para a presidente da FUNAI informar o motivo do descumprimento, e ainda cominou-lhe multa pessoal. Em 21 de agosto de 2014, este juízo designou audiência de conciliação, entretanto não obteve êxito. Em 10 de dezembro de 2014, o Ministério Público Federal apresentou uma petição ressaltando que decorridos 04 (quatro) anos do ajuizamento da presente execução e 07 (sete) anos da ratificação do Termo de Ajustamento de Conduta, a Executada não cumpriu integralmente a obrigação. Assim, sustenta o MPF que se mostra imprescindível que seja garantido o direito fundamental à tutela executiva por intermédio da concessão do resultado prático equivalente, a ser prestado pela FUNAI ou por terceiros, sem prejuízo da multa diária. A referida petição veio instruída com vários documentos que demonstra a grave situação de vulnerabilidade das populações indígenas nesta região. Nessa linha, pleiteou ao juízo a aplicação do parágrafo quinto do art. 461 c/c 598 e 634 todos do CPC, para que a Executada se desincumba de cumprir a sua obrigação. É o Relatório. Decido: 1. CRITÉRIO METODOLÓGICO ADOTADO POR ESTA MAGISTRADA PARA O JULGAMENTO DESTE CASO Como sabemos a palavra método tem raiz etimológica no vocábulo grego méthodos e significa “caminho para se chegar a um fim” , de modo que considero essencial o esclarecimento do método de hermenêutica que adoto para o julgamento das lides, cujo objeto diz respeito ao direito originário dos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas. Consigno seguir o entendimento de Tércio Sampaio Ferraz Jr. no que concerne à natureza do direito originário dos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas. Vejamos: “Tais direitos são originários”. Não se trata de direitos adquiridos, pois não pressupõem uma incorporação ao patrimônio (econômico e moral), embora, ressalvadas as peculiaridades constitucionais, devam ser tratados em harmonia com esses. Cabe aqui a noção de indigenato, entendido por Mendes Junior (p.49) como título distinto da ocupação e que tem por base a noção de habitat, equilíbrio ecológico entre o homem e o meio. Desse modo, não é fato dependente de legitimação, ao passo que a ocupação, como fato posterior, depende de requisitos que o legitimem. Note-se, porém, que o indigenato é título, capaz de explicar o caráter originário dos direitos, mas estes não se reduzem àquele. Como a Constituição fala em direitos, não há como deixar de explicitá-los conforme a técnica jurídica. Da estrutura do direito subjetivo fazem parte o sujeito, o conteúdo, o objeto e a proteção (Ferraz Jr., p.151). O Sujeito é o titular do direito, aquele a quem se atribui um título capaz de legitimar o seu exercício. O conteúdo tem a ver com a faculdade (de dispor, exigir, constranger etc.). O objeto diz com o bem protegido. E a proteção aponta para a possibilidade de fazer valer a faculdade diante do objeto, em especial, para a ação processual. Ora, o Indigenato é título de legitimidade, caracterizador do sujeito como titular. Legitima, assim, no caso, a faculdade (faculdade de usufruir, usufruto) e o objeto – terras que tradicionalmente ocupam -, mas não os define. Como título tem, pois, a ver com jus possessionis, mas, sobretudo, com jus possidendi, ou seja, é reconhecido e preliminarmente legitimante da posse. Mas não lhe explica o objeto, razão pela qual a Constituição cuidou de defini-lo no 1º do art. 231. É dizer, a noção de habitat, base do indigenato, serve para legitimar a posse (das terras que os índios tradicionalmente ocupam), mas não para definir-lhe o limite e a extensão. “(grifos nossos). O mesmo se passa com a propriedade, cujo título legitimador está no reconhecimento constitucional, mas cuja extensão e cujos limites (faculdade de usar, dispor, fruir, e determinação do bem protegido) dependem de comprovações com base em fatos objetivos e relações intersubjetivas. Direitos originários, portanto, são direitos cuja fonte está no habitat natural do índio, ligação ecologicamente harmoniosa do homem com a terra, mas, como logo perceberam a doutrina e a jurisprudência, nada têm a ver com a posse imemorial, anterior ao descobrimento. Ou seja, não revelam uma relação temporal, não se referindo a terras imemorialmente ocupadas, terras ocupadas desde épocas remotas (usucapião imemorial), pois apontam apenas para circunstância de que não se reconhece nenhum título anterior a eles (Silva, 1999, p.827) (grifos nossos).Quanto ao seu objeto, passível de comprovação, fala a Constituição em terras que tradicionalmente ocupam (art. 231). Terras são o bem protegido. O complemento restritivo as delimita: que tradicionalmente ocupam. “Expressão tradicionalmente tem sentido de modo tradicional, ou ocupação de modo tradicional, vale dizer, conforme sua própria tradição. “Na sequência, o Autor pondera “Ademais, a demarcação não engendra nenhum direito às terras, pois tal direito é declarado originário (antecede à demarcação). Mas tem o sentido de conferir certeza e segurança ao exercício do direito, no que se refere ao seu conteúdo (faculdades) e objeto (terras ocupadas tradicionalmente).” (grifos nossos).(…omissis…)”Quanto aos objetivos, assinale-se sua função de estabelecer certeza e segurança. Assim, demarcação da terra não pode ser indefinida no tempo. Por isso, a Constituição lhe atribuiu um prazo”. A lição de Tércio Sampaio Jr. é precisa quando pontua que o indigenato, apesar de ser a base da legitimação a posse (das terras que os índios tradicionalmente ocupam) não é suficiente para definir-lhe o limite e a extensão e que o mesmo ocorre em relação à propriedade, em que o título legitimador está no reconhecimento constitucional, mas cuja extensão e cujos limites “dependem de comprovações com base em fatos objetivos e relações intersubjetivas.” Essa compreensão, esposada por Tércio Sampaio Ferraz Jr. sobre a natureza jurídica do direito originário das terras tradicionalmente ocupadas é uma decorrência da própria incidência da norma constitucional geral e abstrata prevista no 1º, do art. 231, que prevê os critérios conotativos do direito originário das populações indígenas as terras tradicionalmente ocupadas. Entanto, para que essa norma possa incidir na realidade social, necessária se faz, dentro do percurso da incidência, outra norma concreta, isto é, o procedimento administrativo da demarcação. É por intermédio do procedimento administrativo da demarcação, com base na linguagem das provas, consubstanciadas nos laudos antropológicos, que serão definidos os limites, a extensão do direito originário ao habitat, base do indigenato. Nessa perspectiva, temos que a demarcação é a norma individual e concreta que constitui, em seu antecedente, o fato jurídico da posse originária. Na doutrina nacional a compreensão do percurso de incidência da norma jurídica segue duas vertentes, que merecem análise para a construção de uma hermenêutica adequada ao correto julgamento das demandas de demarcação de terras indígenas. Temos a teoria jurídica tradicional, de base filosófica ontológica, seguida por Pontes de Miranda e Miguel Reale, que defende a incidência infalível e automática da norma jurídica geral e abstrata no plano factual. Essa corrente, como ressalta Aurora Tomazini de Carvalho em sua obra Curso de Teoria Geral do Direito, se “amolda aos sistemas teóricos que não fazem distinção entre os planos do direito positivo (linguagem jurídica) e a realidade social (linguagem social), considerando-os como uma unidade na existencialidade do fenômeno jurídico.” Para essa corrente, a incidência da norma no plano social seria por conta própria, sem a interferência da ação humana. Todavia, tal corrente tornou-se obsoleta, tendo em vista o advento da teoria da linguagem, por Wittigenstein em seu Tratactus logico-philosophicus, e da teoria dos sistemas de Humberto Maturana e Francisco Varela, que foi transposta para o campo das ciências humanas por Niklas Luhmann.Com efeito, nessa quadra da história, em que a semiótica já permeia todos os ramos da ciência e, inevitavelmente, a teoria geral do direito, consideramos impossível a concepção da incidência normativa sem levar em conta o papel fundamental da linguagem. Na esteira metodológica do construtivismo lógico semântico, que aqui adotamos como método, consideramos o direito como um corpo de linguagem própria, ou seja, a linguagem prescritiva das normas, que compõem o sistema jurídico, um subsistema do sistema social. Nessa ótica, demonstra-se mais adequada a teoria da incidência da norma defendida pelo professor Paulo de Barros Carvalho, que reconhece o sistema jurídico como um subsistema do sistema social; todavia o sistema jurídico opera sintaticamente (funcionalmente) fechado em relação aos demais sistemas. Isso significa dizer que os fatos sociais só ingressam no sistema jurídico por intermédio da linguagem competente, isto é, por intermédio da linguagem jurídica. Um fato social só pertencerá ao mundo jurídico quando, pela linguagem jurídica competente, for constituído em fato jurídico. A constituição do fato social em fato jurídico ocorre no percurso da incidência da norma geral e abstrata, por intermédio da norma concreta. São normas concretas, por exemplo, o lançamento tributário, o contrato na esfera do direito privado, a sentença judicial e, bem assim, a demarcação de terras. A linguagem jurídica adequada que constitui o fato social em fato jurídico, no iter de incidência da norma abstrata, é a linguagem das provas, a esse respeito, veja-se a precisa lição de Fabiana Del Padre Tomé: “A diferença substancial entre fato jurídico, fato social – ou simplesmente, fato-, fato econômico e fato político decorrem da circunstância de que o primeiro é constituído pela linguagem do direito, ao passo que os demais são relatados em linguagem social, econômica e política, respectivamente. Fato jurídico define Paulo de Barros Carvalho, é “enunciado protocolar, denotativo, posto na posição sintática de antecedente de uma norma individual e concreta, emitido, portanto, com função prescritiva, num determinado ponto do processo de positivação do direito.” (… omissis…). Para que se tenha um fato jurídico, ou seja, uma nova realidade no âmbito do direito, é imprescindível que haja produção linguística específica, prescrita pelo próprio ordenamento, a exemplo do que acontece com a linguagem das provas: estas se reportam ao fato social para, em conformidade com as regras do direito, constituir um fato jurídico, apto para desencadear os efeitos prescritivos que lhes são peculiares. ” Nessa vertente, a incidência da norma jurídica não opera de forma automática e infalível, mas depende da produção de linguagem competente, ou seja, linguagem jurídica, obedecendo aos procedimentos previamente estabelecidos . No percurso da incidência da norma geral e abstrata veiculada na Constituição da República ou nas leis, demonstra-se indispensável à construção de uma norma concreta, por intermédio da linguagem das provas, sendo que essa norma concreta tem o condão de constituir o fato jurídico. A análise das demarcações das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas sobre a ótica do construtivismo lógico semântico permite-nos concluir que a incidência da norma geral e abstrata do 1º, do art. 231 da CR88, que assegura a posse originária aos indígenas nas terras de ocupação tradicional, não ocorre de forma automática, pois depende de norma concreta, isto é, da demarcação que tem por escopo constituir o fato jurídico da posse originária. A demarcação, como ressalta Tércio Sampaio Ferraz Jr., tem o fim de definir o limite e a extensão das terras tradicionalmente ocupadas. Como ensina o festejado mestre, a expressão direito originário não tem conotação temporal, não significa posse imemorial, anterior a descobrimento, mas apenas diz que este direito tem por fonte o habitat natural do índio. Assim, é procedimento de demarcação, que definirá limite e extensão das áreas, permitindo a incidência da norma geral e abstrata prevista na constituição. Seguindo essa metodologia, enquanto o Poder Executivo, a quem compete produzir a norma concreta, nos termos do art. 67, do ADCT, não se desincumbir deste dever fundamental, realizando o procedimento de demarcação, que constituirá o fato jurídico da posse originária, ainda não se tem a incidência no fato social da norma do 1º, do art. 231, da CR88. Dessa interpretação decorrem várias implicações, a primeira delas diz respeito aos efeitos da norma individual e concreta da demarcação, que constitui o fato jurídico da posse originária. Ora, em se tratando de norma constitutiva seus efeitos são ex nunc, de modo que não podem ser ignoradas as relações jurídicas constituídas anteriormente, uma vez que são também fatos jurídicos, que foram constituídos por normas individuais e concretas válidas, ou seja, contratos de compra e venda registro imobiliário. É sob essa perspectiva, que deve ser interpretada a regra do 6º, do art. 231 da CR88, ou seja, as sanções de nulidade e de extinção ali prevista sobre as terras tradicionalmente ocupadas só devem incidir após a constituição do fato jurídico da posse tradicional e da propriedade das terras pela União e isso ocorre, como já ressaltado, como a produção da norma individual e concreta da demarcação, que é imprescindível dentro do iter de incidência da norma geral e abstrata prevista na Constituição da República no art. 231 e seus parágrafos. Neste viés hermenêutico, não existe óbice à indenização dos proprietários das terras abrangidas pela demarcação das áreas tradicionalmente ocupadas pelos indígenas. A vedação à indenização prevista no final da regra do 6º, do art. 231 só incidirá para eventuais atos de ocupação, domínio e posse posteriores à incidência da norma constitucional, após a constituição do fato jurídico da posse originária pelo procedimento de demarcação. 2. ANÁLISE DA SITUAÇÃO FÁTICA APRESENTADA: É sabido que o Poder Constituinte Originário determinou no art. 67 do ADCT que a União deveria concluir a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos, a partir da promulgação da Constituição da República de 1988. Como já ressaltado no tópico anterior, o procedimento de demarcação consubstancia a norma individual e concreta necessária ao percurso de incidência da norma geral e abstrata prevista no art. 231 e incisa da CR88, por isso o Poder Constituinte Originário deu tamanho relevo ao procedimento de demarcação, fixando no art. 67 do ADCT o prazo de cinco anos para a União concluir as demarcações. Ocorre, contudo, que nossa Constituição já completou mais de 25 anos e a União não se desincumbiu de seu dever fundamental de proceder às demarcações. Diante da gravidade dessa situação, o Ministério Público Federal, há sete anos firmou um Termo de Ajustamento de Conduta com a FUNAI para que as demarcações fossem efetivadas nesta região centro-sul de Mato Grosso do Sul, todavia, a FUNAI não cumpriu o ajustado, o que gerou esta execução. Nesta execução, foi proferida decisão em 2010, determinando o cumprimento da obrigação de fazer e, da mesma forma, a FUNAI, fundação vinculada ao Ministério da Justiça, continua inerte, alegando inexistência de orçamento. A postura da União e da FUNAI no presente caso demonstra desrespeito à Constituição da República, ao Ministério Público Federal, ao Poder Judiciário; mas, sobretudo, as populações indígenas do Brasil. Como verificamos dos documentos que instruem a petição de fls. 231/235, a situação de vulnerabilidade, de clandestinidade a que está submetida os indígenas desta região tem ocasionado prejuízos incalculáveis, com a perda não só de aspectos culturais dos povos indígenas, como da própria vida de índios. São altos os níveis estatísticos de suicídio, homicídios, atropelamentos de indígenas nesta região de Mato Grosso do Sul.De outro lado, os proprietários de terras que podem vir a ser consideradas de ocupação tradicional, vivem em uma situação de grave insegurança jurídica, pois têm suas propriedades, legitimamente adquiridas, invadidas por grupos de indígenas revoltados, que abatem gado, danificam benfeitorias. A situação de incerteza, por óbvio, gera uma desvalorização da propriedade e a dificuldade de desenvolver atividades econômicas, que em alguns casos é para garantir a subsistência. Dentro da área onde se encontra as terras de possível ocupação tradicional, localizam-se não só grandes propriedades, mas também pequenas propriedades, nas quais se pratica agricultura de subsistência. A inércia da União em fazer as demarcações também fere o art. 170 caput e incisos II e III da CR88, pois instabilidade e a insegurança jurídica sobre o direito de propriedade estão prejudicando a ordem econômica, não só no aspecto de mitigar a livre iniciativa dos proprietários, que estão impedidos de fruírem e gozarem plenamente de seus direitos de proprietários, como também compromete gravemente a existência digna dos indígenas, que estão relegados à situação de clandestinos. Foi justamente para evitar esse quadro de grave insegurança jurídica e instabilidade social, que o artigo 67 do ADCT determinou que a União fizesse as demarcações no prazo de cinco anos a partir da promulgação da CR88. Neste contexto, temos em jogo de um lado o direito fundamental e originário dos indígenas à posse das terras consideradas de ocupação tradicional, necessárias para sua existência digna plena; do outro lado, os direitos, também fundamentais referentes à propriedade e segurança jurídica, dos proprietários de terras da região (art. 5º caput, da CR88). Ambos os lados são credores da União, que está em mora infundada, há mais de 25 anos, no dever fundamental de proceder às demarcações. Como já ressaltado, no tópico anterior, a da norma geral e abstrata prevista no art. 231, da Constituição da República de 1988 não tem o condão de incidir de forma automática e infalível no tecido social, de modo que a demarcação administrativa é a norma individual e concreta necessária para a incidência da norma abstrata, que constituirá o fato jurídico da posse originária das populações indígenas, pois o termo “originário”, como preleciona Tércio Sampaio Jr., não faz uma referência temporal a tempos imemoriais; mas, sim, à relação de origem do Índio com seu habitat natural. Nessa ordem de ideias, enquanto não houver a demarcação, as relações jurídicas decorrentes do direito de propriedade dos proprietários da região onde se fará o estudo antropológico, devem ser respeitadas e preservadas. O fato jurídico da posse originária constituído pela demarcação só tem efeitos para o futuro, é ex nunc; assim, todas as relações jurídicas decorrentes de outras normas individuais e concretas produzidas anteriormente devem ser preservadas, em nome da segurança jurídica, que também é um direito fundamental previsto de forma inequívoca no caput do art. 5º. Da CR88. Com efeito, quando o parágrafo sexto do art. 231 da CR88 previu que “são nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo (…)”, o fez para o futuro. Essa sanção de nulidade só incidirá posteriormente ao fato jurídico da posse originária constituído pela norma individual e concreta da demarcação. Interpretação diversa conduziria ao absurdo de se desconsiderar todas as normas jurídicas individuais e concretas que foram produzidas legitimamente, sob a égide das constituições anteriores, inclusive, aquelas que foram produzidas pelos agentes do Estado ao emitir títulos de propriedade no registro imobiliário. Ora, se no controle concentrado de constitucionalidade, o legislador entendeu ser adequado preservar as relações jurídicas constituídas pela norma inconstitucional, ao permitir, no art. 27 da Lei n. 9.882, de 03 de dezembro de 1999, a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, atribuindo-lhe efeitos e nunc, justamente para resguardar a segurança jurídica, por que não se preservaria as relações decorrentes de normas individuais e concretas produzidas validamente, sob a égide das Cartas Políticas anteriores? Destarte, até que não seja constituído o fato jurídico da posse originária pela norma individual e concreta da demarcação, os detentores de títulos, legitimamente outorgados, têm o direito fundamental de ver assegurada a sua posse e propriedade plenas. De outro lado, os indígenas também não podem continuar nessa situação de permanente insegurança jurídica, social, na posição de clandestinos, no papel de esbulhadores perante os proprietários da área onde se aponta a possível existência de ocupação tradicional, pois são titulares do direito subjetivo, originário e fundamental à demarcação de suas terras. Diante desse quadro e da resistência da União em cumprir seu dever fundamental de proceder à demarcação, entendo ser imperativo que o Poder Judiciário se valha da regra do art. 461, 5º c/c art.598, ambos do CPC, para determinar medidas sancionatórias a fim de que a União cumpra a obrigação de fazer. Considero razoável aplicar como medida de apoio para o cumprimento da obrigação, o dever de a União, enquanto não realizadas as demarcações, pagar aos proprietários das terras invadidas pelas comunidades indígenas o valor de arrendamento praticado pelo mercado, para a plantação de cana-de-açúcar e soja, nesta região. A referida medida ameniza os prejuízos causados aos proprietários, e retira os indígenas da situação de clandestinidade, violência e precariedade social em que vivem nos acampamentos. O pagamento do arrendamento é uma decorrência natural do exercício do direito de propriedade e por isso me parece mais adequada que a simples cominação de multa. Tendo em vista que a Fundação Nacional do Índio-FUNAI é subordinada ao Ministério da Justiça e que alega não proceder às demarcações por falta de orçamento, entendo que a União deverá arcar com o pagamento dos arrendamentos de todas as áreas já ocupadas pelos indígenas, bem como daquelas que vierem a ser ocupadas, até que se ultime o procedimento de demarcação. 3. DISPOSITIVO DO EXPOSTO: Defiro, em parte, a medida pleiteada, determinando à Fundação Nacional do Índio-FUNAI e a União que procedam, no prazo de 30 trinta dias, aos atos administrativos necessários para as demarcações previstas no Termo de Ajustamento de Conduta de que trata a presente execução de obrigação de fazer por título extrajudicial. Com base no art. 461, 5º c/c art. 598 ambos do CPC, imponho a União o dever de pagar o arrendamento, pelo valor de mercado, aos proprietários das terras ainda não demarcadas e ocupadas pelos indígenas de forma irregular, bem como das terras que vierem a ser ocupadas por comunidades indígenas após esta decisão, na região centro-sul do estado de Mato Grosso do Sul. Os pagamentos dos valores dos arrendamentos passam a incidir desde a intimação da FUNAI e da União sobre o teor desta decisão, e perdurarão até a completa realização das demarcações. Cientes a União e a FUNAI que o não pagamento dos valores referentes aos arrendamentos ensejará o bloqueio orçamentário de valores necessários a este fim. Determino a intimação do Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça para o cumprimento desta decisão no prazo de (30) trinta dias. Na hipótese de descumprimento, desde já, determino a expedição de ofício ao Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República para apuração do crime de responsabilidade previsto no art. no art. 12, inciso 2, da Lei 1.079, de 10 de abril de 1950″.

A recorrente alega, inicialmente, legitimidade para ingressar na lide como terceira prejudicada, em virtude do fato de representar os produtores rurais situados nos municípios objeto dos estudos demarcatórios. Aduz, em síntese, que a decisão agravada não pode prevalecer porque encerra insegurança jurídica e estimula mais invasões de terras em face do pagamento de arrendamento, razão pela qual requer a sua reforma.

O preparo recursal encontra-se às fls. 907/908.

É, no essencial, o relatório.

DECIDO

Antes de adentrar ao mérito, cumpre analisar a legitimidade da Federação de Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul – FAMASUL, para ingressar na lide na condição de terceira prejudicada.

No âmbito E. Superior Tribunal de Justiça, a questão relativa à legitimidade para a defesa dos filiados/associados a uma entidade sindical, reconhecendo caber aos sindicatos a representação da categoria dentro da sua base territorial e às federações legitimidade apenas subsidiária, na ausência do sindicato representativo da categoria, caso em que lhes garantirá alguma forma de proteção associativa. A propósito, confira-se:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. GREVE DOS SERVIDORES DA JUSTIÇA DO TRABALHO. FEDERAÇÃO SINDICAL. ACÓRDÃO EMBARGADO QUE RECONHECEU A ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA FENAJUFE E A INCOMPETÊNCIA DO STJ PARA JULGAR A CAUSA EM RELAÇÃO AO RÉU REMANESCENTE (SINDJUS-DF), DETERMINANDO A REMESSA DOS AUTOS AO TRF DA 1ª REGIÃO. MANUTENÇÃO. PODER GERAL DE CAUTELA. ARTS. 798 E 799 DO CPC. MANUTENÇÃO DA LIMINAR ATÉ ULTERIOR MANIFESTAÇÃO DO JUÍZO COMPETENTE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. EMBARGOS PARCIALMENTE ACOLHIDOS.

1. A questão envolvendo os limites da competência do Superior Tribunal de Justiça para o julgamento de ações originárias em que se discutem questões relacionadas à greve nacional de servidores públicos federais se mostra tormentosa, diante da ausência de regramento expresso sobre o tema na Constituição da República ou na legislação infraconstitucional.

(…)

5. Nos termos da legislação de regência, cabe aos sindicatos a representação da categoria dentro da sua base territorial. A legitimidade das federações é subsidiária, ou seja, somente representam os interesses da categoria na ausência do respectivo sindicato.

6. No caso, a parte autora não comprovou a existência de localidade em que os servidores da Justiça do Trabalho não possuam sindicato organizado, pelo que a Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União – FENAJUFE não possui legitimidade para figurar no polo passivo.

7. O reconhecimento de que as federações sindicais podem ingressar em juízo em nome dos sindicatos que a integram, em defesa de interesses da categoria profissional destes, não autoriza que, em sentido contrário, possam ser diretamente responsabilizadas por prejuízos eventualmente causados por movimentos grevistas cuja deflagração foi determinada pelos sindicatos, no exercício do direito previsto no art. 4º, caput, da Lei 7.783/89, in verbis: “Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços”.

(…)

10. Embargos de declaração parcialmente acolhidos a fim de, na forma dos arts. 798 e 799 do CPC, determinar a manutenção da liminar anteriormente concedida até ulterior deliberação do Juízo competente para julgamento do presente feito.

(STJ; 1ª Seção;EDcl na Pet 7939/DF; Relator Minstro Arnaldo Esteves Lima; DJe 18/04/2013)

ADMINISTRATIVO. GREVE DOS SERVIDORES DA JUSTIÇA DO TRABALHO. FEDERAÇÃO SINDICAL. LEGITIMIDADE SUBSIDIÁRIA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA FENAJUFE. INCOMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA DECIDIR ORIGINARIAMENTE QUESTÕES RELACIONADAS À GREVE DE SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS LOTADOS APENAS NO DISTRITO FEDERAL. REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO PARA QUE DÊ REGULAR PROSSEGUIMENTO AO FEITO.

(…)

2. Nos termos da legislação de regência, cabe aos sindicatos a representação da categoria dentro da sua base territorial. A legitimidade das federações é subsidiária, ou seja, somente representam os interesses da categoria na ausência do respectivo sindicato.

3. No caso, a parte autora não comprovou a existência de localidade em que os servidores da Justiça do Trabalho não possuam sindicato organizado, pelo que a Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União – FENAJUFE não possui legitimidade para figurar no polo passivo.

4. Com a exclusão da FENAJUFE da lide, remanesce apenas a discussão da legalidade da greve dos servidores da Justiça do Trabalho lotados no Distrito Federal, representados pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal – SINDJUS/DF, o que afasta a competência do Superior Tribunal de Justiça para o julgamento da ação.

5. Ação julgada extinta, com relação à FENAJUFE, sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva. Declarada a incompetência do Superior Tribunal de Justiça para o julgamento da lide e determinada a remessa dos autos ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, para que dê regular prosseguimento ao feito.
(STJ; 1ª Seção; PET 201000884068; Relator Ministro Castro Meira; DJE de 21/06/2011)

E ainda:

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. FEDERAÇÃO SINDICAL. LEGITIMIDADE SUBSIDIÁRIA. TRABALHADORES INORGANIZADOS EM SINDICATOS. ART. 8º, III, CF C/C ART. 611, § 2º, CLT. AUSÊNCIA DE ADEQUAÇÃO À LEI. NÃO PROVIMENTO.

I – Hipótese em que a FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS METALÚRGICAS MECÂNICAS E DE MATERIAL ELÉTRICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, constituída pelos Sindicatos: “dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico, de São Gonçalo”; “dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico, de Niterói”; “dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Barra Mansa”; “dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Petrópolis” e “dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Campos”, como associação sindical de segundo grau, coordenadora das categorias profissionais compreendidas no 14º grupo do plano da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria, previsto no quadro a que se refere o artigo 577 da Consolidação das Leis do Trabalho, com base territorial no Estado do Rio de Janeiro, pretende pleitear, em nome próprio, suposto direito de trabalhadores inorganizados em sindicatos, com base no art. 8º, III, da CF e no art. 611, § 2º, da CLT.

II – O art. 611, § 2º, da CLT autoriza que as federações e confederações representativas de categorias econômicas ou profissionais possam “celebrar convenções coletivas de trabalho para reger as relações das categorias a elas vinculadas, inorganizadas em Sindicatos, no âmbito de suas representações.

III – “Nos termos da legislação de regência, cabe aos sindicatos a representação da categoria dentro da sua base territorial. A legitimidade das federações é subsidiária, ou seja, somente representam os interesses da categoria na ausência do respectivo sindicato. 6. No caso, a parte autora não comprovou a existência de localidade em que os servidores da Justiça do Trabalho não possuam sindicatoorganizado, pelo que a Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União – FENAJUFE não possui legitimidade para figurar no polo passivo.” (EDcl na Pet 7.939/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 18/04/2013)

IV – Nos termos do art. 533 da CLT, as federações são concebidas como associações sindicais de grau superior, provenientes de reunião de sindicatos, em número não inferior a cinco, “desde que representem a maioria absoluta de um grupo de atividades ou profissões idênticas, similares ou conexas,” devendo ser reconhecida a sua legitimidade ativa para a defesa dos interesses e direitos dos seus associados, ou seja, dos sindicatos que a constituem.

V – “As associações e organizações sindicais podem atuar como substitutos processuais, tendo legitimidade para impetrar mandado de segurança coletivo em nome próprio, defendendo direitos dos seus associados, conforme prevê o art. 8º, III, da Constituição Federal. 2. Sendo filiados da entidade federativa os sindicatos de Delegados de Polícia Federal, e não estes, não está ela legitimada para intentar ação, de natureza coletiva, com propósito de ver reconhecido direito à recomposição de estipêndios dos mesmos.” (TRF 1ª Região, 2ª Turma, AC 2000.34.00.029678-6/DF, Rel. Desembargador Federal Carlos Moreira Alves, DJ 10.11.2005, p. 25.)

VI – “2. Nos termos da legislação de regência, cabe aos sindicatos a representação da categoria dentro da sua base territorial. A legitimidade das federações é subsidiária, ou seja, somente representam os interesses da categoria na ausência do respectivo sindicato. 3. No caso, a parte autora não comprovou a existência de localidade em que os servidores da Justiça do Trabalho não possuam sindicatoorganizado, pelo que a Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União – FENAJUFE não possui legitimidade para figurar no polo passivo.” (PET 201000884068, CASTRO MEIRA, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:21/06/2011 ..DTPB:.)

VII – Apelação da autora a que se nega provimento.
(TRF 1ª Região; 6ª Turma; AC 292971820134013400; Relatora Juíza Federal Convocada Hind Ghassan Kayath;e-DJF1 de 04/02/2014)

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. FEDERAÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. SINDICATO REPRESENTATIVO DA CATEGORIA. INOCORRÊNCIA DE LITISPENDÊNCIA.

1. Por fundamentos diversos dos expostos na r. sentença, carece de razão a apelante.
2. A presente demanda não comporta seguimento, ante o reconhecimento da ilegitimidade ativa ad causam da Federação de Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul – FAMASUL. Lições de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery.
3. Inicialmente, cumpre assinalar que as questões referentes às condições da ação – dentre as quais a legitimidade das partes – constituem matéria de ordem pública, que podem ser alegadas a qualquer tempo e grau de jurisdição e devem ser examinadas de ofício pelo juiz ou tribunal, pois a matéria é insuscetível de preclusão (CPC, art. 267, §3º e art. 301, §4º).
4. É necessário salientar que resta superada no E. STJ a questão relativa à legitimidade para a defesa dos filiados/associados a uma entidade sindical, reconhecendo caber aos sindicatos a representação da categoria dentro da sua base territorial e às federações legitimidade apenas subsidiária, na ausência do sindicato representativo da categoria, caso em que lhes garantirá alguma forma de proteção associativa. Precedentes.
5. No caso dos autos, como se vê na relação de fls. 117/123, a autora possui sindicatos afiliados nas localidades abrangidas pelas áreas demarcadas, aos quais compete a defesa direta dos interesses dos produtores rurais do Mato Grosso do Sul filiados na esfera judicial, o que em nada contraria o comando do art. 8º, III, do texto constitucional. Diante disso, como a FAMASUL, ora apelante, é entidade sindical de segundo grau e há sindicato representativo da categoria, necessário reconhecer sua ilegitimidade ativa. Manifestação do Parquet.
6. Reconhecida a ilegitimidade ativa da apelante, necessário manter a extinção do processo, sem resolução de mérito, mas nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil e não com fundamento no art. 267, V do CPC (litispendência).
7. (…)
9. Apelação conhecida e parcialmente provida para declarar a inexistência de litispendência entre o presente feito e o MS 2008.60.00.008320-1, mantida, porém, a extinção do feito sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil, em vista do reconhecimento da ilegitimidade ativa da apelante.
(TRF 3ª Região; 11ª Turma; AC nº 2013.60.00.000628-7/MS; Relator Des. Fed. José Lunardelli; DJe de 22/08/2014).

No caso dos autos, a agravante não logrou comprovar a inexistência de sindicatos afiliados nas localidades abrangidas pelas áreas demarcadas, aos quais compete a defesa direta dos interesses dos produtores rurais do Mato Grosso do Sul filiados na esfera judicial, o que em nada contraria o comando do art. 8º, III, do texto constitucional, razão pela qual a FAMASUL é entidade sindical de segundo grau, necessário reconhecer sua ilegitimidade ativa.

Ante o exposto, com base no artigo 527 do Código de Processo Civil, NEGO SEGUIMENTO ao agravo ora interposto.

Publique-se. Intime-se. Comunique-se ao Juízo agravado.

Decorrido o prazo recursal, o que a Secretaria da Turma certificará, dê-se baixa na distribuição e remetam-se os autos à Vara de origem para apensamento.

São Paulo, 06 de fevereiro de 2015.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


Informação enviada para Combate Racismo Ambiental por Luiz Henrique Eloy.

Foto: Marcelo Christovão.

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