No Maranhão, indígenas Ka’apor e Awá Guajá realizaram de 9 a 12 de fevereiro sua segunda Assembleia, para fortalecer a luta pela proteção territorial. O encontro teve a participação de cerca de 150 pessoas, entre pajés, lideranças, professores, Agentes Indígenas de Saúde (AIS), Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Maranhão, e entidades como a Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos e o Instituto Sociedade População e Natureza.
Os indígenas divulgaram documento (leia abaixo) onde reforçam a necessidade de valorizar a cultura e saberes Ka’apor como conteúdo das escolas, começando pelo ensino da língua Ka’apor e a luta pelo reconhecimento por parte do Estado do Projeto Pedagógico e Curricular para a Educacão Básica Ka’apor.
Os profissionais em saúde indígena foram avaliados no encontro, e apresentaram as dificuldades que têm enfrentado. Garantir atenção diferenciada e estrutura adequada e digna para o atendimento de saúde nas aldeias foi uma das prioridades. O fortalecimento da gestão Ka’apor, foi evidenciado como único e legítimo meio de reconhecimento desses espaços de poder e decisão. Leia o documento na integra:
Carta da 2ª Assembleia do Povo Ka’apor
Nós, no período de 09 a 12 de fevereiro de 2015 no Jumu’e ha renda Keruhũ (Centro de Formação Saberes Ka’apor) realizamos nossa segunda grande reunião ou Assembleia com a participação de aproximadamente 150 pessoas ou gestores Ka’apor e Awá Guajá: lideranças, professores, AIS, AISAN, Pajés, curadores, especialistas da cultura Ka’apor. Também estiveram com a gente o Cimi do Maranhão, a Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos e a Instituto Sociedade População e Natureza. Nenhum órgão do governo se fez presente, embora a gente convidasse.
Iniciamos a nossa conversa lembrando Mair Tamui, aquele que nasceu primeiro e criou tudo que existe na floresta. Ele é muito importante pra nós e deve ser sempre lembrado porque nos ajuda manter viva a luta em defesa de nossa vida na floresta. Neste dia conversamos sobre o que a cultura dos Kamara (branco) tem prejudicado e ameaçado a nossa e decidimos reafirmar um acordo de convivência que a gente já vem implantando em atividades realizadas com nosso povo atendendo todas as aldeias. Acordo que retira todo tipo de vícios, costumes, alimentação, maneiras de viver que só deixa nosso povo doente, destrói nossa cultura e vida. Avaliamos a relação com os órgãos do governo e os que não são governamental. Qual a relação deles com nosso povo, o que tem prejudicado e ajudado a manter nossa cultura e proteger nosso território.
No terceiro dia de conversa sobre a nossa educação e cultura ka’apor e sua relação com a cultura e educação dos Kamará, decidimos priorizar a cultura e costumes tradicionais, o jeito de saber e fazer Ka’apor. A família Ka’apor como primeira escola. A língua Ka’apor como primeira língua. Fortalecer a prática de nossos ritos e rituais Ka’apor. Respeitar e valorizar o calendário cultural ka’apor que respeita e protege nossa floresta. Na relação de nossa cultura com a cultura Kamará decidimos valorizar, reconhecer e apoiar os professores Ka’apor nas escolas indígenas com o ensino na/da língua no Ensino Fundamental inicial e ensino bilíngue no Ensino Fundamental final. Priorizar os saberes tradicionais e cultura Ka’apor como conteúdo de ensino de nossas escolas. Continuar lutando para garantir estrutura física de qualidade e equipamentos para as escolas das aldeias. Lutar pelo reconhecimento do Centro de Formação Saberes Ka’apor como instituição maior e principal de reafirmação de nossa cultura, nossa educação e relação com a cultura Kamara e educação escolar indígena. Continuar lutando para que o Estado reconheça nosso Projeto Pedagógico e Curricular para a Educacão Básica Ka’apor.
No quarto dia retomamos a conversa sobre o fortalecimento e cumprimento de nosso acordo de convivência nas aldeias para um Bem Viver entre nós e com nossa floresta. Conversamos sobre como está a nossa saúde e que o acordo de convivência tem ajudado o nosso povo a viver longe dos vícios e comportamentos que destrói a nossa cultura e vida. Isso tudo é saúde pra gente. Todos os AIS, AISAN e o Polo Base de Saúde Indígena apresentaram suas dificuldades, o que estão fazendo para melhorar a saúde e saneamento nas aldeias e como a comunidade pode continuar ajudando. A comunidade que estava presente avaliou o trabalho desses profissionais. Conversamos sobre o trabalho desenvolvido pelo nosso coordenador técnico local, que é indígena e, que mesmo sem apoio necessário da Funai desenvolveu seu trabalho em parceria com nossa associação indígena, Polo Base de Saúde de Zé Doca e nosso povo. Decidimos que vamos continuar lutando pelo respeito e valorização dos saberes e práticas tradicionais de cuidar da saúde indígena nas aldeias. Garantir uma atenção diferenciada ao nosso povo. Garantir estrutura adequada e digna para o atendimento de saúde nas aldeias (Postos e Poços). Exigimos do Estado formação permanente aos AIS e AISAN respeitando a nossa cultura. Ampliação na contratação de profissionais indígenas e não indígenas para a atenção integral à nossa saúde. Incluir as áreas de proteção criadas para a defesa de nosso território no cadastro do DSEI Maranhão para a atenção necessária.
Por fim, reafirmamos o fortalecimento de nossos espaços de gestão Ka’apor, como únicos e legítimos espaços de poder e decisão: Conselho das Aldeias (ampliação na participação, criação onde não existe e mudanças de conselheiros), o Jumu’e ha renda Keruhũ – Centro de Formação Saberes Ka’apor (referendar o Conselho Politico-pedagógico), os Ka’a usak ha ta – protetores e defensores da Floresta (ampliar e referendar perante nossas comunidades) e o Conselho de Gestão Ka’apor (espaço legítimo e maior de decisão a ser respeitado e reconhecido pelos Kamará).
No quinto dia, em respeito a Mair Tamui e orientados pela força de Tupán repassadas aos nossos guerreiros Ka’apor, cantamos:
“Wyrara Japuruwai! Wyrara Japuruwai! Japuruwai emuĩ nde ankã rehe Ka’apor!”
“Ka’a namõ ja jumu’e ha katu!”
“Tupán jande namõ ixo!”
Foto: Reprodução Cimi.