Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Curiosa, a Norte Energia! Certamente no intuito de garantir os legítimos direitos das pessoas atingidas pelo desastre socioambiental que está causando, ela decidiu agora exigir que todas consigam declarações de que existem e moram há tantos anos nas casas e/ou áreas das quais estão sendo expulsas! Mas não só: para isso ela criou um formulário que é um convite ao não preenchimento. Obviamente ciente de que na maioria dos casos estará lidando com pessoas mais humildes e, em boa parte das vezes, temerosas de coisas que não dominam, a gentil Nesa optou não por um texto acessível e de fácil preenchimento, mas, bem ao contrário, por algo que pode ter um efeito intimidatório.
Conforme pode ser visto na cópia ao final deste texto, o formulário da Declaração começa com os dados normais: nome, endereço, números de documentos etc. Logo em seguida, entretanto, vem, o aviso:
“Eu, acima qualificado, ciente de que posso ser processado criminal e civilmente por falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal[1]) e por causar danos patrimoniais, sendo obrigado a cumprir pena em estabelecimento prisional e ter de indenizar em dinheiro a Norte Energia S.A., em decorrência de informações inverídicas aqui prestadas, declaro, por livre e espontânea vontade, para fins de prova e concessão de benefício ou reconhecimento de direito em favor da(s) pessoa(s) abaixo(s) identificada(s): QUE sou plenamente capaz para atos da vida civil, não sendo acometido por qualquer doença mental; QUE conheço o(a) Sr(a).”…
Em seguida, novamente, há espaço para preenchimento do nome e do endereço no qual deve ser informado (sob pena dos crimes acima citados, claro!) há quantos anos a pessoa em questão mora no local. Mas antes é melhor olharmos o que a nota de rodapé (ora, é óbvio que ribeirinhos, pescadores, extrativistas, moradores de palafitas e outros tantos usam “notas de rodapé” desde pequeninhos, não?) que marcamos com o [1] diz. Vamos a ela:
“Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.
Parágrafo único – Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte”.
Ótimo, justo e democrático: agora a pessoa, que talvez estivesse meio em dúvida quanto ao significado do artigo 299 do Código Penal e até quanto a alguns termos usados no primeiro texto, sabe perfeitamente por quanto tempo se arrisca a ficar na prisão ao preencher o documento pedido pelo vizinho, pelo compadre, pela amiga…
Você pensa que já acabou? Tolinho… Tolinha… Tem mais: na lista dos possíveis crimes que podem ser perpetrados contra a Norte Energia tem ainda uma lista de declarações a serem feitas sob pena de alguma coisa dentre as já citadas acontecer. Delas, destaco uma que com certeza me impediria de assiná-lo até para a minha falecida mãe. Diz ela: “QUE não sou inimigo da Norte Energia S.A. e nada tenho contra o empreendimento ou sua responsável”. Não é bonitinho?
Para quem duvidar, aí vai uma foto do formulário. E, depois disso, bom fim de semana!
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Marquinho Mota.
Destaque: “Forte chuva na cidade de Altamira, na madrugada deste sábado provocou deslizamento de terras de uma área de construção de casas da Norte Energia, responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. O deslizamento atingiu um a vila com cerca de 60 moradores que aguardam ser realocados pelo consórcio, mas que até o momento, não lhes ofereceu outro abrigo. O Conselho Tutelar visitou a área e acionou o Ministério Público para fazer com que a Norte Energia tome alguma providência com as famílias da área atingida. Altamira/PA, Brasil. 19/10/2013. Foto: Anderson Barbosa / Fotoarena”.