Prezados/as Ministros/as do Supremo Tribunal Federal, o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais, que congrega várias comunidades remanescentes de quilombos, vem através desta carta manifestar profunda preocupação e solicitar respeitosamente bom senso desta casa em relação ao processo de julgamento da ADIN 3239 movida em 2004 pelo partido DEM (antigo PFL) contra o decreto 4887/2003 que regulamenta os procedimentos para a titulação dos territórios das comunidades remanescentes de quilombo no Brasil.
Bem sabemos que existe uma grande dívida social e econômica do Estado brasileiro para com as comunidades remanescentes de quilombo espalhadas por todo território nacional. Sem sombra de dúvida, as forças de trabalho, das manifestações culturais e das expressões religiosas de matriz africana do povo negro se constituiu como um forte pilar nos processos de construção da sociedade brasileira.
Lamentamos que em mais de três séculos de escravismo no Brasil, onde o sangue e o suor desse povo serviram de base na edificação da riqueza nacional, pouquíssimos foram os avanços legislativos que fossem capazes de reconhecer a importância desta contribuição para o conjunto da sociedade e mais que isso, viabilizar as condições necessárias para que essa riqueza fosse distribuída para assegurar o desenvolvimento justo e sustentável da população negra.
Contraditoriamente, a forte concentração de terra e das riquezas produzidas pelas mãos negras se constituiu como elementos de reprodução do empobrecimento e exclusão social das comunidades negras.
Por outro lado, senhores e senhoras ministros/as, essas comunidades conseguiram resistir e sobreviver frente a escravidão e suas consequências, bem como, a ausência histórica de ações positivas e reparatórias por parte do Estado brasileiro. Essas comunidades continuam forjando suas lutas para garantir, por sua própria conta, seus processos de reprodução física e cultural. Essas comunidades continuam vivendo em seus territórios tradicionais onde desenvolvem seus meios de vida, suas redes de economia e suas manifestações culturais. Essas comunidades são patrimônios vivos da sociedade brasileira, produzem alimentos, asseguram a soberania alimentar e desenvolvem uma profunda e sustentável relação com os recursos naturais. Assim, necessitam que o Estado brasileiro cumpra seu dever constitucional de assegurar-lhes a efetivação dos seus direitos conforme estabelecido no artigo 68 da ADCT/Constituição Federal de 1988 e assegurada pela Convenção 169 da OIT.
Neste sentido, o julgamento desta ADIN não pode retroagir direitos conquistados sob duras penas. A força da bancada ruralista e dos partidos políticos associados a ela não pode reproduzir injustiças históricas contra as comunidades quilombolas. O Estado brasileiro não pode ser conivente com esses interesses que traz em suas entrelinhas a reprodução dos efeitos da escravidão e da violação do direito de existir, sobreviver e se reproduzir dessas comunidades. É nesta perspectiva que solicitamos humildemente bom senso de justiça deste tribunal.
Brasília – DF, 19 de Março de 2015
Uma acao que deve ser urgenete!