Por CPP Nacional
Fundada em 2005, a Articulação Nacional das Pescadoras do Brasil (ANP) representa uma vertente dos movimentos sociais na qual as mulheres começam a inserir junto às questões de seus grupos pontos no âmbito do gênero. Indo de encontro à lógica patriarcal vigente na sociedade, as pescadoras do Brasil perceberam a necessidade em se organizarem coletivamente a fim de garantir diretos que sempre lhes foram negados. Antes vistas só como “ajudantes” de seus maridos, as mulheres do mundo da pesca querem não só o reconhecimento como atoras importantes para a produção pesqueira nacional, mas também como agentes essenciais para a luta das comunidades pesqueiras.
No Dia Internacional da Mulher, 08 de março, trazemos essa entrevista com duas integrantes da ANP, a pescadora de Itapissuma/Pernambuco, Joana Mousinho, e Maria Eliene (Maninha), pescadora de Fortim/Ceará.
CPP: Como foi o início da luta das mulheres pescadoras no Brasil?
Joana: A organização para a nossa luta começou em Itapissuma/PE, nos anos 70, com o apoio da Irma Maria Nilza, A irmã veio da Paraíba, e quando chegou por aqui, começou a reunir as mulheres para discutir o evangelho e questões de direitos e deveres. As primeiras mulheres a tirarem a carteira de pescadora foram de Itapissuma graças à mobilização feita por nós. Depois de Itapissuma, esse direito foi chegando em outras cidades, expandindo nossa luta. Com o apoio do CPP, a luta das mulheres conseguiu chegar a mais comunidades espalhadas pelo Brasil.
CPP: Em 2005 surgia a ANP, como foi o processo de fundação e quais as principais dificuldades que vocês encontraram?
Joana: A ANP surgiu quando o governo federal convidou as mulheres pescadoras do Brasil a participarem de um Congresso em Brasília para fazer discussões sobre a realidade das mulheres da pesca. Nós fizemos diversas propostas e nenhuma saiu do papel, por isso, resolvemos fundar a ANP, para que nossas pautas se fortalecessem e fossem conquistadas.
Maninha: Vimos a necessidade de formar um grupo e nos fortalecer pela dificuldade de sempre estar indo de encontro em encontro. Formamos a ANP porque nada do que a gente falava era considerado por ninguém que não fôssemos nós mesmas. A dificuldade que sentimos foi porque eram poucas mulheres, pois seus companheiros não as deixavam sair para passar vários dias fora de casa. E ainda porque muitas não conheciam seus direitos.
CPP: Quais mudanças para as mulheres podem ser exaltadas desde a fundação da ANP?
Joana:Desde o apoio da Irmã Nilza que vemos que o avanço foi muito grande. Antes, a gente como mulher nem conseguia chegar numa colônia. Hoje, muitas de nós somos até presidentes de colônias. Antes, as mulheres não podiam se aposentar, a gente tinha que esperar o marido morrer pra ter acesso à sua aposentadoria. Só em 1993 é que as mulheres casadas passaram a ter direito a se aposentar. Não tínhamos direito ao salário maternidade, e hoje já temos. Só em ver o número de mulheres cadastradas nas colônias, as mulheres aposentadas e a união de grande parte das mulheres para defender os direitos, percebemos como são muitos os avanços. Com a ANP, conseguimos o contato com o Ministério da Saúde, com quem estamos debatendo as nossas doenças ocupacionais. Ainda podemos ver mulheres da pesca saindo para outros países para falar de nossas questões. A ANP ainda está inserida em outras articulações, como a Articulação de Trabalhadoras Rurais, o que esta dando uma visibilidade muito grande para nossa luta.
Maninha: Com a ANP, muitas agora saem para os encontros e possuem mais conhecimento. E hoje também não temos vergonha de dizer que somos pescadoras ou marisqueiras.
CPP: Como você percebe o papel das pescadoras na luta das comunidades pesqueiras atualmente? Qual o papel delas na luta em defesa do território tradicional pesqueiro?
Joana: Eu acho que na luta em defesa dos territórios pesqueiros, as mulheres são muito atuantes. Vemos mais mulheres nas ocupações, nos manifestos. E isso porque é a gente quem mais sofre, nós é que estamos ali na beira da praia todo dia, enquanto os homens estão no mar. Quando expulsam nossas comunidades, somos nós que estamos lá. Os homens também sofrem, mas a carga maior recai na gente.
CPP: Em relação às doenças, há também uma maior incidência entre as mulheres?
Joana: A gente adoece mais rápido porque temos várias jornadas de trabalho: tomamos conta da casa, maridos, filho; pescamos, cuidamos do produto pescado, vamos às feiras comercializá-los.
Maninha: Sim, há uma maior incidência ente as mulheres. A mulher quando vai pescar e está menstruada, por exemplo, fica mais vulnerável. Também pelo trabalho que estamos inseridas: por estarmos quase sempre em contato com a água, pelo nosso tipo de coleta, estamos mais expostas. Nós estamos mais nos mangues, em contato com as águas, e ficamos mais expostas a pegarmos doenças, pois muitas dessas águas estão poluídas.
CPP: A luta das pescadoras possui linhas específicas. Quais as principais questões pautadas pela ANP hoje?
Joana: As doenças ocupacionais, o próprio território pesqueiro, a briga por causa da pensão por morte (marido) e a incidência no MPA que não está fazendo a carteira de pesca, e com isso estamos perdendo os direitos previdenciários. Ainda tem a nossa luta por causa da água que está sendo privatizada.
Maninha: O reconhecimento das doenças ocupacionais; nossos direitos previdenciários; o acesso à terra e à água; a ampliação da ANP com mais pescadoras e a ampliação das políticas específicas para a mulher da pesca.
CPP: De quase 10 anos para cá, foram realizados quatro encontro Nacionais da ANP. Qual o balanço que você faz desses encontros e quando teremos o próximo?
Maninha: Eu vejo as mulheres bem preparadas para buscar nossos direitos, além disso, aconteceu um crescimento da mulher no seu papel e a gente vê a presença do MPP e da ANP em encontros internacionais. Ainda temos o engajamento com outros movimentos e redes. Nosso próximo encontra acontecerá no Maranhão em 2016.
CPP: Como está a relação junto ao governo? Agora em abril vocês terão reuniões em Brasília, poderia nos adiantar quais as prioridades para essa agenda?
Maninha: De 06 a 10 de abril, vamos ter reunião com o Ministério da Saúde para tratar sobre as doenças ocupacionais e também com o Ministério da Pesca e a Superintendência Geral da União (SPU) para tratar de outras pautas.
CPP: Cerca de 70% do pescado nacional vem da pesca artesanal, mas o governo desconsidera esse número negando a importância das comunidades pesqueiras para o país. Sabemos que a questão é ainda mais profunda quando falamos do trabalho das mulheres. Como as pescadoras se inserem na produção pesqueira e por que podemos considerar que esse processo de invisibilidade é ainda mais forte para elas?
Joana: Acho que nós contribuímos até mais do que os pescadores, porque a gente ainda beneficia os nossos produtos. Fazemos caldinhos, arte para vender nas praias, por exemplo. O Sururu, o marisco, o aratu, e peixes (muitas pescam também) surgem do nosso trabalho, muitos desses frutos os homens não pescam, só nós.
Maninha: Nós nos inserimos pelo nosso trabalho porque sem ele a produção pesqueira não seria de 70%, e nós MULHERES também colocamos o pescado na mesa do Brasileiro. E as mulheres são mais invisibilizadas porque o homem já leva a fama de pescador, e a mulher não, e isso porque eu acho que o machismo esta na própria sociedade e também no MPA que não nos considera.
CPP: O protagonismo das mulheres é evidente no Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP), mas isso reflete dentro das comunidades? Como o machismo pode frear os avanços conquistados?
Joana: Tem mulheres que pagam a colônia dela e dos maridos, pois possuem já as condições e querem os incluir. Mas existem lugares em que o machismo é tão forte que as mulheres tem medo de serem prejudicas, de serem ameaçadas. Homem que é presidente e não quer que as mulheres participem das decisões…
Maninha: Hoje as mulheres se sentem encorajadas para a luta junto com seus companheiros. Porém, apesar de antes ser mais forte, muitos maridos ainda não deixam as mulheres participarem dos processos.
CPP: A ANP é sem dúvida uma importante articulação para a luta das pescadoras e exemplo para a luta das mulheres de todo Brasil e de diversos segmentos. Quais conquistas você espera para a ANP nos próximos anos?
Joana: Espero que a gente fortaleça o discurso da água, que se resolva esse caso das nossas carteiras, que também é uma causa dos pescadores. Quando brigamos, brigamos pelos homens também. Que a gente consiga as assinaturas em defesa do nosso território pesqueiro.
Maninha: Esperamos ter mais visibilidade e empoderamento das mulheres pescadoras; queremos o reconhecimento das doenças ocupacionais pelo SUS e INSS; esperamos mais companheiras na luta e também fortalecer a base através de nossos conhecimentos. Ainda: espero o sucesso da nossa Campanha pelo Território Pesqueiro.
Foto: Joana e Maninha, pescadoras e integrantes da Articulação Nacional das Pescadoras (ANP)