Em um vídeo filmado pelos Munduruku em setembro deste ano durante uma reunião na Funai em Brasilia, a presidente do órgão, Maria Augusta Assirati, afirma ter sido pressionada durante sua gestão por setores do Governo Federal para não assinar o relatório de demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, localizada na região de Itaituba, Pará. Ela chega a chorar e diz que ainda não publicou os estudos e o mapa com as coordenadas da TI porque outros órgãos do governo federal passaram a discutir a demarcação, que, se aprovada, inviabilizaria legalmente a construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no rio Tapajós. Além de indígenas, ribeirinhos e representantes da Fundação, também estavam presentes Nilton Tubino, da Secretaria Geral da Presidência da República e Celso Kjinic, do Ministério de Planejamento.
Maria Augusta teria se comprometido em oficializar o relatório circunstanciado de identificação e delimitação da Terra Indígena Sawré Muybu em abril deste ano, mas não cumpriu a promessa. Após meses de espera, os Munduruku foram até Brasília cobrar a publicação do Diário Oficial. Arissati confirma que estudos estão prontos e que estavam na mesa dela, mas que após a conclusão, em setembro de 2013, “órgãos do governo passaram a também discutir a proposta do relatório, discutir a situação fundiária na região”. Ela expõe os motivos:
“Vocês sabem, né?! Que ali tem uma proposta de se realizar um empreendimento hidrelétrico, uma hidrelétrica ali naquela região que vai contar com uma barragem pra geração de energia e essa barragem tá muito próxima da terra de vocês (…) Quando a gente concluiu o relatório surgiram dúvidas se essa área da barragem, se esse lago que essa barragem da hidrelétrica vai formar, vai ter uma interferência na terra indígena de vocês, na área de vocês, na vida de vocês”.
Maria Augusta diz ainda que aguardava os dados do Componente Indígena dos Estudos de Impactos Ambientais para dar o aval em relação ao território e que a Funai estaria buscando formas de conciliar a demarcação com a construção de hidrelétricas no Tapajós: “A gente não conseguiu até hoje publicar, porque a gente aguarda esses elementos técnicos para poder realizar essa compatibilização: permitir que o setor elétrico faça o seu empreendimento, a barragem, e com isso beneficie um conjunto grande de pessoas no país, e permitir que a terra de vocês seja reconhecida e que vocês tenha o direito de vocês assegurado”.
Na reunião, os indígenas questionaram a representatividade do órgão e disseram que a Funai tem que defender os interesses dos indígenas e não das empreiteiras interessadas nos projetos hidrelétricos: “Se você tá na Funai você tem que defender o interesse nosso. O povo lá tá sofrendo. A gente veio aqui pra tratar de terra, pra tratar sobre a demarcação (…) se você não quer trabalhar na Funai, eu entregaria o cargo. Você não tem interesse em defender a nossa causa”, contrapõe Roseninho Saw, presidente da Associação Pahyhyp.
Ao fim da pauta sobre a TI, Maria Augusta se compromete em dar um retorno sobre a demarcação no final de outubro, mas deixa o cargo nove dias depois. “Ela saiu sem assinar o nosso relatório. Estamos muito chateados e por isso decidimos começar a autodemarcação do nosso território, porque a gente viu que só o que avança é a hidrelétrica e a nossa terra não. A gente viu que se depender da Funai a nossa demarcação não vai sair”, afirmou Juarez Saw, cacique da aldeia Sawré Muybu, durante abertura das primeiras picadas.
Em 29/10, a Justiça Federal de Itaituba deferiu uma ação do Ministério Público Federal contra à União e Funai. O juiz federal Rafael Leite Paulo deu um prazo de 15 dias para a Funai publicar o relatório sob multa de 10 mil por dia de atraso. Dias depois, a Justiça Federal de Brasília derrubou a decisão do juiz local, alegando não haver urgência na publicação.
Demarcação segue com ameaças às lideranças
Durante a reunião, Maria Augusta reconheceu que a falta de demarcação gera incontáveis conflitos locais: “A gente acha fundamental que o território de vocês esteja garantido. Principalmente porque, como vocês colocaram, aquela região já está tendo pressão madeireira, garimpeira, de uma série de outros elementos que estão em volta da onde vocês moram”.
O que a ex-presidente diz se comprova na prática durante a autodemarcação. Nas últimas semanas, os indígenas passaram a abrir pontos próximo a ramais madeireiros, o que está gerando uma série de intimidações ao cacique da aldeia Sawré Muybu, Juarez Saw. Um madeireiro chamado Vilmar foi até o acampamento montado no meio da mata pelos indígenas e disse a Juarez que teria comprado a terra de três posseiros. Vilmar, em tom ameaçador, disse aos indígenas que se eles queriam a terra, que pagassem por ela.
Juarez já fora ameaçado por madeireiros em outros momentos. Em março deste ano foi protocolado no MPF uma denúncia. O cacique diz que há cerca de dois meses, durante uma apreensão de madeira ilegal, o ICMBIo teria colocado fogo em embarcações dos madeireiros, que atribuíram a ação aos indígenas.