Por Miguel Ángel Noceda e Javier Ayuso, em El País
O empresariado espanhol vive com inquietude o crescimento do partido político Podemos. A forte presença desta formação, que provocou uma agitação descomunal no panorama político da Espanha, gera ansiedade e incerteza. “É preciso levar Podemos muito a sério, já se tornou algo mais do que a experiência que foi testada nas eleições europeias. É uma realidade e também diria que é uma ameaça “. A citação é de um empresário que, como é habitual neste grupo ao falar de questões políticas, prefere o anonimato. E foi o que aconteceu com quase todos os entrevistados para essa reportagem, que colocaram isso como condição para dar sua opinião.
“O problema de Podemos”, explica um famoso empresário de Ibex, “é que não conhecemos o seu projeto; nem nós nem ninguém. Até agora, eles simplesmente colocaram um espelho que reflete a crise política, econômica e institucional, e aproveitaram o desencanto“. Diz isso com certo desânimo, mas, em seguida, acrescenta com energia: “A única solução é agir sobre o que reflete esse espelho. É urgente realizar a regeneração política e institucional da Espanha a partir de dentro, porque ou nós regeneramos ou nos regeneram. Os empresários e a sociedade civil devem contribuir para recuperar a confiança nas instituições; sem confiança estamos expostos a que apareçam partidos populistas, como de fato estão crescendo em toda a Europa, que se aproveitam da insatisfação dos cidadãos para colher os frutos do desencanto.”
Quem não fez nenhuma objeção ao expressar seus sentimentos em público recentemente foi o presidente da Pikolín, Alfonso Soláns, que teve seu minuto de glória diante dos 500 empresários (grandes, médios e pequenos) que lotaram o auditório de Alicante durante o XVII Congresso da Empresa Familiar. No ato de encerramento, em que falou antes de Mariano Rajoy, com vários ex-presidentes do Instituto da Empresa Familiar (IEF), Soláns proferiu uma frase desconexa, com contundência: “Virgem Santa, quero ficar como estou… que venham os nossos; é uma frase que me dá horror; mas agora parece que aqueles que vêm são os de Estraguemos.” Para o proprietário dos colchões Pikolín, que em privado empregou outro verbo mais coloquial e menos educado começando com F, este problema está tirando seu sono.
Podemos foi o tema principal, talvez a obsessão, nos grupinhos de empresários que participaram congresso, mais do que a questão catalã, os casos de corrupção ou as propostas sobre mudanças fiscais anunciadas no mesmo palco pelo líder socialista, Pedro Sánchez. A preocupação era palpável. Os empresários estão muito perturbados pelas mensagens “intervencionistas” que a formação encabeçada por Pablo Iglesias lançou em todas as frentes (energia, bancos, indústria, serviços…) e dizem que a culpa disso, precisamente, são os sucessivos casos de corrupção que salpicam os principais partidos políticos, as promessas não cumpridas do Governo e a falta de liderança que, como sublinha o historiador Santos Juliá, levou a uma crise institucional não por culpa do sistema político, mas pela política do sistema.
A prova é que na pesquisa anual feita nos congressos da Empresa Familiar (que representa nada menos do que 27% do PIB e mais de 25% do emprego), os participantes concederam uma retumbante reprovação à situação política com uma nota 1,08 no total de 9, a mais baixa desde 2008 e significativamente inferior aos 2,25 do ano passado. Uma queda profunda que o chefe de Governo escutou sentado no palco, sem qualquer gesto antes de seu discurso.
Há apenas cinco anos, no Congresso da Empresa Familiar de Zaragoza, quando estava na oposição, Rajoy disse: “A corrupção é inaceitável, devemos ser contundentes contra quem não faz o que deve fazer. Vou escolher os melhores para não sucumbir.” Agora é prisioneiro de suas palavras. Então, todo mundo em Alicante queria saber sua opinião. Mas ele só ofereceu uma cascata de dados que cansaram as pessoas e não dedicou nem uma palavra à crise política nem, claro, aos casos de corrupção. Sobre Podemos pelo menos fez uma alusão sem citar expressamente: “Na Alemanha apareceu um partido que quer acabar com o euro; na Itália, um comediante conseguiu 25%; na Espanha há algo parecido. O melhor é ter dois grandes partidos. Nos países em que os grandes partidos sofreram uma grande queda – há exemplos em outros continentes –, estes países não conseguir levantar a cabeça.”
No entanto, a maioria dos empresários não tem a sensação de que o fenômeno Podemos seja temporário. Além disso, estão convencidos de que são os grandes partidos que estão fazendo a campanha da formação, desnecessariamente. “Ficar só parado na porta olhando os casos de corrupção vai somando simpatias”, disse um dos entrevistados.
“Os políticos estão mais preocupados com as eleições e pesquisas do que com a sociedade e o empresariado, e só reagem quando a água está chegando ao pescoço, e a água pode ser o Podemos”, disse um empresário com forte presença no exterior que insiste em discutir a crise do bipartidarismo. “Vamos ver se vão conseguir recuperar a ilusão do país, para crescer e traçar uma saída”, acrescenta um outro, que completa: “O pior de tudo isso é que depois o chefe de Governo vai [ao congresso de Alicante] e fala como se fôssemos o melhor país do mundo”, referindo-se ao dilúvio de dados lançado em seu discurso.
Um bom efeito, apontado por um de muitos empresários consultados, é que pelo menos essa crise está obrigando os grandes partidos a reagir, já que até agora não tinham se preocupado em ter uma terceira formação para fazer sombra. “A partir de agora vão se voltar contra eles; é importante que percebam que fizeram coisas erradas e que eles mesmos fabricaram o fenômeno Podemos com casos de corrupção e afins que decepcionaram a população”, sublinha, para depois reconhecer que os empresários também têm sua parcela de culpa porque “embora sejam poucos, também participaram nos esquemas de corrupção que conhecemos.” Uma questão espinhosa que lembra Gerardo Díaz Ferrán, ex-presidente da associação patronal, e outros homens de negócios.
“Junto a um corrupto sempre há um corruptor”, explica um empresário de Madri, que diz sentir vergonha tanto dos políticos quanto de alguns de seus colegas quando são conhecidos casos de corrupção,“como nas operações Gürtel ou Púnica”. E concorda com outro colega que “é vital atuar sobre o fundo da questão, que não é outro senão a falta de credibilidade dos políticos e das instituições”. Esta falta de credibilidade está levando, de acordo com vários empresários, “a que todos se esqueçam que a Transição trouxe para a Espanha a maior etapa de liberdade, democracia e prosperidade de nossa história moderna”. “É preciso defender as instituições contra as pessoas”, acrescenta ele, “livrar-se dos corruptos, onde quer que estejam, e reivindicar a política e as instituições”.
E Podemos colocou o empresariado em uma encruzilhada. Embora, por enquanto, não tenha muita ou nenhuma credibilidade (“porque não conhecemos o programa”), todos temem seu crescimento. “Ainda precisamos ver, porque até agora não foram muito explícitos e suas propostas não são conhecidas; mas a realidade é que eles criaram um nicho no sentimento da sociedade e também estão muito fortes”, disse uma voz autorizada. “Demonstraram que são pessoas inteligentes e ambiciosas que vão fazer o que for para colocar as boas intenções em um programa.”
Um banqueiro importante reflete sobre isso: “O discurso é cheio de ideias utópicas e, portanto, irrealizáveis; mas há muitas pessoas de boa fé que compraram. Então, devemos [os empresários] estar preparados para explicar por que são utópicas”. Dito isso, acrescenta: “Não é uma formação para ganhar eleições, embora possa se tornar um elemento de mudança, e isso é muito importante para o futuro da governança deste país. Mas ainda falta um ano, e isso é muito tempo na política“. Por outro lado, acrescenta que o discurso de Podemos não se encaixa nos hábitos de consumo e de comportamento do país sendo até mesmo contraditório.
Outra fonte do mesmo setor afirma que não há referências históricas para comparar e analisar, mas que Podemos canaliza um descontentamento que não tem antecedentes. “A pergunta é se a expectativa vai se consolidar. Então temos que ver se as suas propostas são sérias ou se causam rechaço “. E, mudando o rumo da conversa, amplia: “É engraçado que falem de castas. Se existe alguma casta, é a universitária, porque é endogâmica, excludente e não está sujeita à concorrência. Além disso, o sistema que atacam, e que dizem que é preciso mudar, porque está velho, é o que lhes permite aparecer como uma força política para enfrentar os dois grandes partidos; não deve ser tão perverso como dizem.”
“No índice das minhas preocupações, Podemos não ocupa o primeiro ou o segundo lugar. Eu me preocupo muito mais com [Oriol] Junqueras, por exemplo”, diz um empresário catalão, mais voltado para os problemas de sua terra. “Mas é lógico que isso aconteça; quando aparece uma pessoa ilustrada, com um forte carisma, atrai as pessoas, que também estão ávidas por escutar críticas bem construídas contra o poder estabelecido que fez coisas erradas”, acrescenta, referindo-se a Iglesias.
Vários querem minimizar o problema. Entre eles, um dos que mais sucesso colheu nos últimos anos e não costuma ter papas na língua: “Eu acho que estão exagerando um pouco esse assunto. Os empresários passaram muito mais incerteza durante a Transição que agora. O que acontece é que há momentos nos quais temos que repensar muitas coisas, e como todas as indústrias tiveram que se reinventar, agora é a vez da indústria política.”
Outro destacado empresário é contundente: “Não quero nem ouvir falar deles.” E se fecha. Nem mais uma palavra. “Não vou colaborar fazendo campanha de suas opiniões quando ainda nem se conhecem suas propostas”, assegura categórico um empresário médio. E outro, depois de atacar os partidos e os meios de comunicação “por fazer a campanha para eles”, lançou um dardo envenenado contra um colega: “Uma rede de televisão, especialmente de alguém que se senta no Conselho Empresarial para a Competitividade (CEC), está dando muito espaço a eles”, diz referindo-se a José Manuel Lara, presidente da Planeta, Antena 3 e La Sexta.
O que todos pedem é que Podemos esclareça seus planos, colocando em um programa suas propostas em termos de políticas econômica, energética, social, internacional… Consideram que, até este momento, é um conjunto de boas intenções que as pessoas compraram. Apesar de que vários empresários, entre os que mais viajam ao exterior, explicam que fora são mais questionados sobre o que pode acontecer com Podemos do que sobre outras questões como a segurança jurídica. No que quase todos concordam é que não têm a intenção de sentar-se com a formação, pelo menos por enquanto.
Mais condescendente foi a presidenta do Banco Santander, Ana Patricia Botín, cujo pai, Emilio Botín, achava o fenômeno Podemos um pesadelo e sempre pedia opinião de todos em seus habituais encontros off the record. Sua filha, que não fica atrás, no entanto, quis acalmar o assunto em um encontro sobre a união bancária em Bruxelas, talvez porque considerou que seria o politicamente correto: “O objetivo de todos os partidos políticos, dos bancos e de cada indivíduo deve ser conseguir juntos a reativação do crescimento. Acho que todos temos um interesse comum em que isso ocorra, independentemente da óptica e do lugar em que cada um esteja trabalhando.”
O diretor-executivo da empresa, Javier Marín respondeu, frente a uma pergunta sobre o assunto durante a apresentação dos resultados, que o banco se reuniria com Podemos “se for convidado”, como fazem com qualquer outro partido. Provavelmente tinha em mente a atitude do avô de Ana Patricia, Emilio López Botín, que foi o primeiro empresário que se sentou com Santiago Carrillo logo depois de legalizado o Partido Comunista da Espanha.
Também o presidente da associação patronal CEOE, Juan Rosell, tentou diminuir o dramatismo: “Não devemos ficar alarmados, em qualquer país europeu esses projetos não triunfam. Estamos em uma situação patética na qual é exigido muito das pessoas, por isso apresentar uma proposta de que tudo é de graça faz que as pessoas comprem a ideia. O problema surge quando se considera como fazer isso. Podemos conseguiu se enfiar habilmente nas cabeças e nos bolsos dos cidadãos. Acho que é impossível que Podemos governe. Não haverá maioria para governar; embora a melhor receita seria que governassem por dois meses para que as pessoas vissem o que pode acontecer.” E finaliza irônico: “Mas apenas por dois meses, hein”.
Seu concorrente nas eleições para presidente da CEOE e presidente da CEPYME, Antonio Garamendi, também aborda a questão: “O diagnóstico pode ser válido; mas as soluções não parecem boas. Acho que todos os empresários pensam o mesmo.” Em seguida, diz: “Há dois grandes partidos que deram estabilidade, com o apoio do PNV e do CiU, e esta situação precisa ser reconstruída.”
Mais explícito, um dos empresários mais emblemáticos do país enfatiza: “Gostaria de sentar com ele [Pablo Iglesias]; mas com ele mesmo, não com todo o grupo, e com o compromisso de não divulgar ao público.” “Essa é a melhor forma como podemos conhecer o Podemos”, diz brincando com as palavras. O que não deixa claro é quem deveria chamar quem.
Realmente, algumas fontes próximas a Podemos disseram às organizações empresariais que estão surpresos de que as empresas não os chamem para consultar e conhecer seu programa. Sentem-se um pouco ofendidos. E é verdade que não existe nada ativado por parte das organizações empresariais para vê-los, pelo menos até o momento. O Conselho Empresarial para a Competitividade, que inclui 18 das empresas mais importantes do país, e o próprio IEF, que sempre estiveram muito interessados em conhecer a posição das forças políticas, não tem nada em sua agenda e nem espera um contato.
Se havia muito interesse no mundo empresarial por conhecer Pedro Sánchez, quando ele chegou à cúpula do PSOE, não parece existir tanto por Pablo Iglesias. Em qualquer caso, se as coisas continuarem assim e não mudar a tradição, pode ser que o IEF tenha que convidar Podemos como líder da oposição e até mesmo como Governo. Seria, no entanto, em 2016, caso as próximas eleições sejam realizadas em novembro de 2015 e não adiantadas.
Prudência e discrição entre os grandes sindicatos
Por Manuel V. Gómez
O fenômeno Podemos está prestes a chegar ao campo sindical. Somos, a central formada pelos simpatizantes do partido recém-criado, ainda não teve seus estatutos aprovados pelo Ministério do Trabalho e não concorreu em nenhuma eleição em algum centro de trabalho. Então, até agora, o fenômeno é apenas político. E por isso os sindicatos majoritários, CCOO e UGT optam, por enquanto, pela prudência e a discrição. Preferem não fazer avaliações globais e menos ainda oficialmente.
Apesar da discrição, os sindicatos estão conscientes da importância do fenômeno. “Tenho certeza de que isso será em breve estudado em faculdades de Ciência Política”, explica um dirigente sindical, em referência ao sucesso da formação.
Outro prefere olhar com “normalidade democrática” e pedir paciência para avaliar a importância. “Temos que ver como se comporta na eleição geral com 52 circunscrições. Até agora, vimos que eles conseguiram cinco deputados nas eleições europeias, com distrito único. É importante. Também não se deve esquecer que, neste país, na mesma eleição, um empresário condenado e expropriado [José María Ruiz Mateos] ganhou duas cadeiras”.
Uma análise superficial de uma parte do discurso de Podemos pode levar a pensar que os sindicatos podem estar próximos deles. Outra parte, claro, não. A que tem a ver com o regime de 78.
E até agora a proximidade ficou mais nos gestos. Por exemplo, no sábado anterior, Alexis Tsipras, o líder do partido grego de esquerda Syriza, foi o padrinho de Pablo Iglesias que assumiu como secretário-geral. O político grego foi visto em algumas ocasiões pelos líderes sindicais espanhóis como um ponto de esperança na UE. Mas, por enquanto, a falta de concretização das propostas do novo partido tampouco permite que a UGT e a CCOO se aproximem.
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