Sobre Kátia Abreu e malabarismos no semáforo

A motosserra de ouro seguiu Katia Abreu até Cancún em 2010. Foto: Ivan Castaneira/Greenpeace.
A motosserra de ouro seguiu Katia Abreu até Cancún em 2010. Foto: Ivan Castaneira/Greenpeace.

Alceu Castilho

Você que se empolgou tanto pela candidatura de Dilma Rousseff, e não por motivo justo (como o medo de algo pior), me poupe de seu cinismo ao comentar a virtual nomeação da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) para o Ministério da Agricultura.

Em algum momento é preciso lembrar que os nossos séculos de história são séculos de violência. Contra camponeses, indígenas, quilombolas. Eles foram e são mortos, expulsos. Somos o país de Chico Mendes e Padre Josimo, de Irmã Dorothy e do casal Zé Cláudio e Maria, de milhares de lideranças assassinadas, de famílias humilhadas.

Somos o país do trabalho escravo, do trabalho infantil, do desmatamento, da grilagem, da destruição do modo de vida de populações tradicionais. Nosso êxodo rural foi também movido a bala. Com o patrocínio do Estado, com dedos policiais.

E a nomeação de Kátia Abreu compactua com todo esse cenário. Não há exercício retórico que possa anular o grau de simbolismo dessa medida. A nomeação da presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) faz um movimento incrível à direita do espectro político, rumo à desconsideração da demanda de movimentos sociais.

Sim, me dirão que o ministério era do PMDB e que já tinha defensores desse modelo. Concordo. De fato, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento vem sendo o Ministério do Agronegócio. (Negócio, e não cultura.) Ocorre que Kátia Abreu entra como uma ministra forte. Não é um deputado obscuro, do baixo clero. Tem força política. E é amiga da presidente.

A família de Kátia Abreu já esteve envolvida em denúncias de trabalho escravo, de grilagem. Ela já disse que pobre tem mesmo é de ingerir agrotóxicos. Ou seja: não se trata somente de algo simbólico. E sim de algo extremamente concreto. A nomeação dela será um tapa na cara, um escárnio. E um anúncio de que a lógica no campo continuará sendo a da violência, da destruição de biomas.

É preciso registrar o repúdio. Sem tergiversar, sem inventar cenários inexistentes, uma senadora inexistente, uma presidente imaginária, um governo de esquerda. Eu prefiro ver malabarismo no semáforo.

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