Zelinda Barros¹, no População Negra e Saúde
O impacto provocado pela série Sexo e as negas é sintomático. Na TV, assim como ocorre em outros espaços sociais, ocupamos muito menos espaço do que deveríamos e, nas poucas vezes em que lá estamos, somos quase que exclusivamente representadas/os por autores/as brancos/as, que falam sobre nós e nossas experiências partindo de um olhar enviesado. Nesse caso específico, o autor branco recorre a estereótipos sobre mulheres negras para representar as nossas experiências.
Uma feminista negra estadunidense, bell hooks*, ao analisar a forma como o feminismo liberal considerava a mulheres negras nos EUA, refletiu sobre alguns elementos que podem ser úteis à reflexão sobre o que ocorre aqui no Brasil, uma vez que trata de questões referidas à população negra na diáspora, não apenas ao contexto estadunidense.
Na tentativa de reverter a repercussão negativa da série em segmentos representativos da população negra, alguns vídeos em solidariedade ao autor da série O sexo e as negas vêm sendo produzidos e divulgados em redes sociais por artistas e outras profissionais negras de segmentos ligados à arte, como Camila Pitanga, Rita Batista, Preta Gil e Margareth Menezes. Isso também é sintomático. A diversidade de formas de manifestação do racismo e a sofisticação com que ele opera em nossa sociedade expõe a diversidade existente entre nós, negras/os, especialmente na forma como contribuímos para o seu fortalecimento supondo reagir a ele.
O uso de expressões como “O sexo e as negas me representa” ou a “ignorância” imputada a quem critica essa produção mostra como, tal como hooks afirma, “a ausência de restrições extremas leva muitas mulheres a ignorar as esferas onde elas são exploradas ou discriminadas ou mesmo pensar que as mulheres não são oprimidas”**. Ela argumentava em referência a mulheres brancas de classe média, mas também podemos utilizar esse argumento para as reações ao racismo expressas por mulheres negras de classe média, pois é nítida a desconsideração da situação de opressão que nós sofremos por conta do véu interposto pela classe. A falta de representatividade na TV, para muitas/os, pode ser resolvida com a inclusão de atores e atrizes negros/as em produções em que atuem como protagonistas, independentemente das representações que sejam reforçadas nessas produções. Como sua inserção de classe lhes permite acessar espaços vedados à maioria da população negra, a inclusão numérica de indivíduos negros é suficiente.
É preciso não apenas ampliar o número de produções que incluam artistas negras/os e contemplem as nossas experiências, como também diversificar as representações por elas veiculadas, rompendo com a estereotipia. Formas mais produtivas de reação ao racismo devem ser incentivadas, especialmente as que evidenciem que os privilégios que algumas mulheres negras supõem gozar são relativos e limitados pelo racismo e sexismo, que operam como forças que impedem a efetiva transformação da nossa sociedade num contexto verdadeiramente igualitário.
* hooks, que escolheu esse pseudônimo em homenagem a seu avô, Bell Blair Hooks, optou por grafar seu nome dessa forma para destacar sua obra, não a sua pessoa.
** hooks, bell. Feminist theory: from margin to center, 1984, p. 5.
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¹Antropóloga feminista negra, ciberativista.