LAB: desde 1977, acompanhando as lutas da América Latina. Nayana Fernandez conta como e por quê

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Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

Nayana Fernandez (ou Naya Porâ, para a maioria das pessoas que a conhecem via redes sociais) vai lançar um filme sobre o Povo Munduruku no próximo dia 17 de novembro, uma segunda-feira. Esta entrevista não é sobre ele, entretanto. Nosso tema é o LAB – Latin American Bureau, organização sediada em Londres da qual ela é uma das editoras de conteúdo.

Criado em 1977 por um grupo de jornalistas, ativistas e acadêmicos que consideraram urgente a necessidade de denunciar a violência das ditaduras da América Latina na segunda metade da década de 1970, o LAB passou desde estão por mudanças. Das pesquisas e denúncias, passou para a edição de livros (mais de 200, sendo um dos dois último K, de Kucinski), mas não recuou do papel que se auto-atribuiu de acompanhar e apoiar as lutas de resistência, colaborando para dar a elas visibilidade internacional. Embora desde o início estivesse atento ao que se passava no Brasil, em muitos casos de forma presente, o LAB é ainda pouco conhecido entre nós.

Na entrevista a seguir, Nayana nos fala sobre a história e a atuação do Latin American Bureau, da “era pré-internet” à intensa movimentação atual nas redes sociais, nas quais ele está presente em diferentes campanhas, principalmente as que envolvem os povos indígenas. Como acontece em quase toda ‘conversa’ por e-mail, muitas respostas instigam a novas perguntas, que não puderam ser feitas. Embora a tentação fosse de reenviar o material, acrescentando-as, achei melhor deixá-las para uma outra ocasião, pois sei que, além de tudo, a “Naya Porã” está às voltas com o que merece uma outra entrevista: seu filme Índios Munduruku: Tecendo a Resistência. O trailer dele fica com uma surpresa final. Sawe!

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Combate – O Latin America Bureau é pouco conhecido no Brasil e, olhando rapidamente o site, parece que o trabalho de vocês se dá mais ligado aos países de língua castelhana. É verdade?

Nayana Fernandez – Até certo ponto sim, porque claro, a maioria dos países da America Latina é de língua castelhana. Então é natural que a maioria das notícias fale de questões tratadas em países de língua hispana. Mas, por outro lado, o LAB é particularmente próximo aos temas do Brasil pois grande parte da equipe de editores e membros conselheiros da organização tem um laço bastante estreito com o Brasil. Exemplo disso é a presença do David Treece, que foi diretor do Centro de Estudos da Cultura e Sociedade Brasileira na Inglaterra, de 1996 a 2010; da Fiona Watson, chefe de campanhas dos povos indígenas do Brasil na Survival International de Londres; e do Patrick Wilcken, pesquisador especialista no Brasil da Anistia Internacional, também em Londres.

Além dessas pessoas, tem outros membros ainda mais ativos no dia-a-dia do trabalho editorial, como a jornalista Sue Branford, que é uma das editoras chefes, e eu, que sou praticamente a mais nova do comitê editorial e única brasileira da equipe. A Sue tem uma extensa experiência em temas relacionados à Amazônia brasileira e movimentos sociais da região. Sua primeira visita ao Brasil foi nos tempos da ditadura, quando morou no Brasil para fazer sua pesquisa de doutorado, e hoje ela tem alguns livros publicados sobre sua vivência ao redor desses temas, entre eles Rompendo a Cerca, sobre a história do MST, trabalho desenvolvido com a Jan Rocha, também jornalista inglesa e colaboradora frequente do LAB.

NAYANA

Combate – Uma reunião de pessoas assim sugere um cenário de comprometimento político e ativismo. Como e por que foi criado o LAB?

Nayana – O LAB foi fundado em 1977, quando o Instituto Católico de Relações Internacionais (hoje conhecido como Progressio), juntamente com um grupo de jornalistas, ativistas e acadêmicos, reconheceu a necessidade iminente de relatar e denunciar a violência de Estado na América Latina. Em sua primeira década, o objetivo principal do LAB, na era pré-internet, era publicar em forma de livros as pesquisas sobre a repressão e a resistência. Suas investigações, muitas vezes realizadas em parceria e solidariedade com os latino-americanos em fuga ou exilados da região, aumentou a consciência sobre uma série de questões: as lutas sindicais, movimentos sociais e conflitos, governos autoritários, o papel dos EUA e dos organismos internacionais, como o Banco Mundial e o FMI.

A segunda função estratégica do LAB foi seu papel como um centro de documentação. Foram recebidos e armazenados muitos materiais de imprensa original que detalhavam a repressão do Estado e as atividades dos movimentos sociais e políticos. Essa biblioteca crescente do LAB, organizado por Raquel Caravia, tornou-se um recurso para estudantes e pesquisadores que visitavam Londres, o que acabou ajudando a publicar mais livros que muitas vezes expuseram questões pela primeira vez em inglês, como no caso de El Salvador sob regime do general Romero (1979).

Já na sua segunda década, o LAB foi se tornando mais do que uma editora de livros e passou a organizar conferências, não só sobre política e economia, mas também sobre questões da memória e verdade, mudanças culturais e questões enfrentadas pelos novos movimentos sociais. Na sequência, também começou a cooperar com outras organizações, tanto na região como no Reino Unido, e assim levar autores, ativistas e jornalistas para falar em lançamentos de livros e participar de conferências, palestras, eventos para discussões de temas e trabalho educativo.

O trabalho colaborativo de escritores do LAB e os trabalhos de pesquisa especialmente selecionados estabeleceram a reputação da organização como uma editora líder sobre a América Latina no Reino Unido. Desde a sua criação, o LAB já publicou mais de 200 livros. O seu objetivo nunca foi a publicação de materiais de “pesquisa por pesquisar”, mas sim como uma contribuição para a ação e mudança, com base em um entendimento respeitoso de 600 milhões de habitantes da região, cujas nações são diversas tanto geográfica e historicamente, quanto cultural e politicamente. Assim, o LAB sempre se preocupou em levar em consideração como os Latino-Americanos estão em termos de política de classe, étnica, racial e de gênero.

No final dos anos 2000, o LAB enfrentou uma brusca mudança em sua forma de trabalhar. Com a chegada da grande crise da economia mundial em 2008, e depois de três décadas sendo apoiado por grandes agências de desenvolvimento da Inglaterra e também pela União Europeia, não apenas o LAB, mas uma série de organizações com esse perfil perderam a maior parte do apoio financeiro. A America Latina passou a ser oficialmente vista como um continente ‘bastante desenvolvido’ e ‘sem grandes problemas de pobreza’, e exemplo disso é a falta de cobertura das notícias do continente na mídia em inglês, ou o fechamento dos escritórios de agências como Oxfam ou CAFOD em vários países Latino Americanos, fora o Brasil.

Então, embora que com recursos limitados, o LAB, com sua equipe de jornalistas, escritores e pesquisadores especialistas na região, decidiu transformar a maior parte da abrangência do seu trabalho para o âmbito digital. Isso se deu não somente por razões financeiras, mas também pela necessidade de se adequar à nova era da informação, e principalmente porque acreditamos que o nosso trabalho tem um papel importante na sociedade ocidental e deve continuar a ser desenvolvido.

Hoje o LAB é maioritariamente um portal de notícias e análises para as últimas questões em destaque dos assuntos que tradicionalmente foram observados dentro da organização. Também continua publicando livros, mas já não com a mesma frequência de antes. Os últimos volumes foram dois temas relacionados com o Brasil: o K, do Bernardo Kucinski, uma ficção baseada em uma historia real sobre o desaparecimento de uma mulher durante a ditadura militar, e Brazil Inside Out – People, Politics and Culture, da Jan Rocha e Francis McDonagh, um guia diferenciado do Brasil, escrito principalmente para atingir o publico que foi ao Brasil durante a Copa do Mundo e o que irá para as Olimpíadas.

Já de maneira mais espontânea, a equipe do LAB apoia diferentes projetos, como por exemplo o meu documentário sobre o povo Munduruku da região do rio Tapajós, no estado do Pará. Através do LAB, a Sue e eu levantamos fundos da Lipman-Miliband Trust para nossas pesquisas na Amazônia, e também obtive ampla ajuda dos membros da organização para a produção e assessoria na pós-produção do projeto.

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Combate – Você vem desempenhando um importante papel de divulgação do LAB e de interligação do Bureau com organizações, projetos e ativistas aqui no Brasil, no face e no nível pessoal. O próprio Combate Racismo Ambiental foi por você contatado, e através de você nos ligamos ao LAB. Qual é exatamente o teu papel nisso tudo?

Nayana – Faço parte do LAB desde 2009, quando o que era editora de livros se transformou em portal de notícias e análises. Eu estava terminando de me graduar em comunicação audiovisual e de forma voluntária ofereci assistência geral com edição de imagens para o site. Logo, junto com a produtora e diretora Nina Simões (também colaboradora na época), começamos a pensar em outras possibilidades para a página, e com o tempo acabei me envolvendo cada vez mais com o conteúdo. De lá para cá contribui com entrevistas em vídeo com os autores de livros, escrevi artigos, fiz entrevistas via internet com diversas lideranças latino-americanas, até chegar a ser uma das editoras de conteúdo. Nesses anos li extensamente sobre diversos problemas e soluções encontrados na America Latina. Entre eles, a situação social e ambiental na Amazônia, incluindo conflitos ao redor dos rios e projetos hidrelétricos, quando em 2010 cursei um mestrado em Antropologia e Políticas Culturais na Goldsmiths College, com acadêmicos como Stephen Nugent e David Graeber.

Em 2010, criei a página no facebook para o LAB e por bastante tempo fui a principal responsável pela parte de redes sociais. Nesse caminho fiz muitos contatos pelo continente e na Europa, me familiarizando com os fenômenos da vida social-virtual. Foi dessa maneira que cheguei a vocês e a inúmeras organizações no Brasil e outros países da América Latina que hoje têm algum vínculo com o LAB.

Combate – Que perspectivas você vê para o crescimento e aprofundamento das parcerias que o Bureau vem criando no Brasil?

Nayana – A ideia principal por trás da parceria entre o LAB e grupos ou organizações na América Latina é a de criar uma rede fora do círculo das redes sociais corporativas, e assim estabelecer um elo entre as duas partes que pudesse ter um caráter menos volátil e impessoal que as grandes redes. Por outro lado, para o LAB e seus colaboradores é interessante ter uma lista onde possamos acessar rapidamente grupos que estejam perto dos conflitos e imersos na realidade da região. Vemos essa como uma aliança potencialmente positiva para todos, tanto para os leitores de língua inglesa, que passam a receber notícias e análises muito mais frescas e fiéis ao que realmente está ocorrendo, tanto quanto para os grupos que nos enviam informações ou nos cedem entrevistas, já que muitos dos casos de exposição internacional faz com que governos locais se intimidem por receio de tornar certos assuntos um problema diplomático, ou como uma maneira de aumentar o número de pessoas que possam se solidarizar com suas lutas.

Combate – O que podemos fazer, em conjunto, para potencializar as nossas respectivas ações – o LAB e as organizações brasileiras?

Nayana – O primeiro passo seria fazer a inscrição de parceria com o LAB, entrando em contato com um de nós: o Mike Gatehouse, a Sue Branford ou eu. Isso pode ser feito através do site do LAB ou em nossas páginas do facebook ou Twitter. Os passos seguintes dependem muito do perfil da organização e de como se deseja colaborar. Se é uma denúncia ou o envio de um relatório, um evento, um vídeo, uma campanha de financiamento coletivo etc. Em geral somos bastante abertos a todo o conteúdo que se alinhe à nossa proposta de comunicação. Ao mesmo tempo, ainda que não haja colaboração frequente e direta, todos os parceiros LAB têm uma página no site dedicada a eles com um perfil onde nossos leitores podem acessar. Muitos de nossos leitores são pesquisadores, jornalistas ou diretores de vídeos independentes, e esperamos que com a nossa plataforma o canal fique aberto para outras colaborações além das que nós buscamos diretamente com esses parceiros.

* Nayana Fernandez é documentarista e pesquisadora de conflitos e de ações de resistências na América Latina. Está presente no Facebook e no Twitter. O trailer de seu filme sobre o Povo Munduruku pode ser visto a seguir.

Índios Munduruku: Tecendo a Resistência from MiráPorã on Vimeo.

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