A afirmação “RACISMO FAZ MAL À SAÚDE MENTAL” tem como premissa o notório e indesejável efeito do racismo, que pode se configurar como sofrimento psíquico. Reconhecer as expressões manifestas ou tácitas do racismo e seus efeitos em indivíduos e na coletividade é um primeiro passo para dimensionar suas implicações na conformação do sofrimento psíquico. É imprescindível que reflexões dessa ordem permeiem as relações sociais e comunitárias. É importante que as implicações do racismo estejam presentes, também, como parte do saber e fazer dos serviços de saúde e, sobretudo, nas práticas relacionadas mais diretamente à saúde mental. Propósito disso é o aprimoramento da atenção e do cuidado oferecido pela Rede de Atenção Psicossocial do SUS – RAPS, de modo a envolver em suas práticas, um olhar sobre os efeitos do preconceito e da segregação, referencialmente imbricados nas questões étnico raciais em nossa cultura. A questão racial é uma construção social e de coletivos. Entre outros aspectos, envolve questões éticas, políticas e culturais e está intrinsecamente associada aos determinantes de saúde. Essas considerações refletem um pouco daquilo de que se ocupa o Grupo de Trabalho sobre Racismo e Saúde Mental do Ministério da Saúde.
O Grupo de Trabalho sobre Racismo e Saúde Mental foi composto pela Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas – CGMAD/SAS, em parceria com o Departamento de Apoio à Gestão Participativa – DAGEP/SGEP, com a Politica Nacional de Humanização/SAS, o Departamento de Gestão da Educação na Saúde – DEGES/SGTES e o Departamento de Atenção Básica – DAB/SAS. Vem se reunindo mensalmente, desde abril de 2014, para discutir o tema Racismo e Saude Mental. Além de representantes do Ministério da Saúde é composto também por representantes da academia e representantes da sociedade civil organizada vinculada ao tema da questão racial e saúde mental. Entre os propósitos mais diretos desse grupo está o de delinear estratégias que culminem na consolidação do cuidado em saúde junto à RAPS, visando aprimorar a escuta e acolhimento aos usuários de seus serviços, bem como adotar práticas de promoção da saúde que compreendam negros e não negros por meio de práticas intersetoriais.
Nos debates desenvolvidos no Grupo de Trabalho sobre Racismo e Saúde Mental é reconhecida a necessidade de propiciar ao profissional de saúde, subsídios para que aguce seu olhar sobre as questões raciais e seus efeitos na conformação do sofrimento psíquico. Entende-se que as ações em saúde, por seu conjunto, devem ser dirigidas para todos os usuários e profissionais de saúde ou da rede intersetorial, e não exclusivamente à população negra. Há de se considerar o negro, que se angustia por sua condição, do mesmo modo que o não negro, que se angustia por não saber lidar com a questão racial e seus próprios valores. A logica de qualquer ação nesse campo é promover a quebra da repetição de condutas excludentes e do preconceito. Nesse sentido, a ampliação do preenchimento do quesito raça-cor é primordial para a formulação das políticas públicas de saúde, inclusive em saúde mental. A questão racial também não aparece de modo significativo no Projeto Terapêutico Singular, o que sugere que as estratégias de cuidado, usualmente, não consideram o pertencimento étnico e identitário do usuário.
Especificamente no que diz respeito ao tratamento em drogas, é imprescindível que o profissional de saúde esteja atento à equivocada vinculação racial aos problemas de dependência e homicídios. O racismo é uma violência que deve ser tratada em seu aspecto estrutural social. A criação, difusão e apropriação das tecnologias para lidar com a temática racial também é uma necessidade da Rede de Atenção Psicossocial. Para isso, é preciso fomentar ações de pesquisa e campanhas publicitárias de ampla divulgação à população, para além dos processos de sensibilização e envolvimento de profissionais de saúde.
Estabelece-se como perspectiva a realização de “campanha” para profissionais de saúde visando um conjunto de estratégias a ser desenvolvidas junto à RAPS, além de ampliar o debate sobre o tema. A formação profissional individualizada induz a pensar o sujeito como produtor da própria doença, daí a dificuldade em discutir temas que envolvem aspectos sócio históricos. Há um esforço da saúde mental de superar essa perspectiva individualizante da atenção. É preciso despertar para a dimensão social, para além da questão da doença. O que se pensa quando se pensa em “linha de cuidado”? É preciso olhar o sujeito na sua integralidade. Não é de doença que se trata, mas de tudo que provoca sofrimento. Olhar efetivamente para o sujeito é enxergar o que está por trás da queixa.
Ainda que se ressalte a sensibilidade humanística dos trabalhadores de saúde mental, há pouco acúmulo e reflexão que tangencie o tema étnico-racial na RAPS. Para além da saúde mental, é possível dizer que as produções que tratam com profundidade as relações entre racismo e sofrimento psíquico são escassas e pouco difundidas. É preciso recuperar a própria história da reforma psiquiátrica vinculada à questão racial.
Todas essas impressões produzidas no Grupo de Trabalho sobre Racismo e Saúde Mental estão em muitos lugares e precisam ser estimuladas para que se desdobrem em práticas melhores de saúde.
Aqui estão as primeiras conclusões do Grupo de Trabalho sobre Racismo e Saúde Mental. Esta exposição na Rede HumanizaSUS visa fomentar o debate, inaugurando um espaço para difundir e ampliar conceitos e estratégias sociais e de saúde que favoreçam a discussão acerca do Racismo e da Saúde Mental. É nessa perspectiva que criamos este perfil na RHS; compartilhar e trocar pontos de vista e reflexões que propiciem fundamentação às praticas do cuidado em saúde mental para atenção qualificada em saúde.
Grupo de Trabalho sobre Racismo e Saúde Mental
P.S.: Na imagem acima, homenagem a Arthur Bispo do Rosário, o “Bispo”. Homem Negro sergipano que vestia o “Manto da Anunciação” à espera do apocalipse, data na qual ele teria a missão de entregar o mundo para Deus. Sua arte foi construída a partir de materiais coletados ao longo de sua pesquisa-mobilidade urbana, conhecida como mendicância. Sua produção consistia em categorizar e ornar em “mantos”: pertences, palavras, nomes, costuras, criações e tudo mais que registrasse uma memória coletiva que não deveria ser esquecida, e sim protegida!
Adendo: Ele circundava as mediações do que hoje é o Hotel da Loucura, continuidade do trabalho de Nise da Silveira no Rio de Janeiro – Ocupa Nise!
Prezadxs colegas,
Quero ressaltar a importância de um espaço, largamente esperado, para uma discussão sistemática sobre o tema do racismo e seus efeitos na saúde mental. Sabemos da existência de um desconforto e resistência na RAPs para a reflexão, o que dirá na incorporação do tema no cotidiano de trabalho.
Sabemos que o desconforto e resistência não é um privilégio da Rede, situação essa materializada em todos os setores da sociedade brasileira, diretamente vinculada por um lado à negação da existência do racismo e, por outro, à dificuldade de reconhecer que a existência do racismo proporciona e garante privilégios a uma grande parcela da sociedade brasileira. Reconhecer o racismo é também reconhecer o lugar social que ocupamos.
Entretanto, não podemos mais fechar os olhos para sofrimento provocado pelo racismo em milhares de usuários do SUS; pois o sofrimento psíquico é o objeto de trabalho da RAPs que, por si só, deveria nos convocar a olhar para essa temática, pensando na organização dos serviços, na formação/sensibilização dos profissionais, assim como nas estratégias para superar/amenizar os efeitos desse mal.
Que juntxs possamos construir estratégias para superação. Vida longa ao grupo!
Fonte: Rede Humaniza SUS