Territórios de Povos e Comunidades Tradicionais e as Unidades de Conservação de Proteção Integral é tema do importante Manual de Atuação lançado pela 6ª Câmara do MPF (para baixar)

Manual de Atuação MPF

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

Territórios de Povos e Comunidades Tradicionais e as Unidades de Conservação de Proteção Integral: Alternativas para o Asseguramento de Direitos Socioambientais é o título do Manual de Atuação 1, lançado pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. O trabalho foi desenvolvido por Eliane Simões e Deborah Stucchi, junto à Procuradora Maria Luiza Grabner, coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Quilombos.

A iniciativa é da maior importância, uma vez que não é apenas com ruralistas, mineradoras e megaprojetos que povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais têm que lutar para garantir seus direitos ao território. A miopia conservacionista presente em parte dos órgãos públicos que lidam com o meio ambiente muitas vezes transforma-os em problemas equivalentes. Brasil afora, são inúmeros os conflitos que têm como origem a demarcação de áreas de proteção integral sem levar em conta que elas só mereceram essa atenção exatamente porque os povos e comunidades que nelas vivem e com elas têm relação visceral as preservaram. E, em lugar de criar condições para que eles continuem a fazê-lo, o que vemos muitas vezes é a pressa de expulsá-los, sob a falácia da intocabilidade da natureza. 

Se isso já é absurdo do ponto de vista da lógica, é também ilegal do ponto de vista jurídico, nacional e internacionalmente. Da Constituição de 1988 à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, passando por vários outros documentos legais, os direitos desses povos e comunidades ao seu território devem e têm que ser respeitado. Como lamentavelmente isso cada vez menos acontece, o que vemos é a elogiável presença do Ministério Público Federal às voltas com repetidas ações e processos na defesa dessas populações, por todo o País. E ainda bem que o MPF existe, e o da 6ª Câmara em particular.

Este primeiro Manual de Atuação tem por propósito, como está dito na Apresentação, “contribuir com os Membros do Ministério Público Federal (MPF) no esforço de sistematização de informações e na aplicação de sugestões práticas, baseadas na perspectiva da conciliação de interesses, visando apoiar a condução de procedimentos em que se verifique o enfrentamento do desafio da compatibilização de direitos”. E mais:

Pretende-se que seja útil aos Membros do MPF que enfrentam no cotidiano institucional a demanda por manejo de disputas por direitos decorrentes da afetação de territórios tradicionais ocupados por povos indígenas, quilombolas, outros povos e comunidades tradicionais, pelas Unidades de Conservação federais de proteção integral, especialmente relativos às alternativas de negociação e mediação de conflitos.

As reações potencialmente críticas de órgãos ambientais, relatadas pelos Membros do MPF em grande parte dos estados brasileiros, a repelir ou a dificultar a presença desses povos tradicionais em áreas protegidas e a relevância dessas mesmas áreas para a perspectiva de futuro dessas comunidades incentivaram a equipe, sob a abordagem abrangente da biologia, da ecologia, da sociologia (leituras interpretativas dos conflitos de uso da terra e dos recursos naturais), da antropologia e do direito, a sistematizar algumas alternativas de enfrentamento”.

Se é inegável o valor do trabalho das autoras do Manual, sistematizando leis e informações para apoiar os trabalhos dos Procuradores da República na defesa dessas populações,  é também fundamental esclarecer a importância do Preâmbulo que o precede. Dos quatro tópicos que o compõem, três preparam objetivamente o leitor para o material que seguirá. São eles o Resumo das Premissas; os Princípios Jurídicos e Marcos Regulatórios; e um Glossário Mínimo. Antes, entretanto, temos um primeiro texto que alicerça o mirante a partir do qual o trabalho será desenvolvido – “Reflexões Visando à Solução Jurídica Conciliatória em caso de Conflito de Direitos”.

O que ele nos oferece (e digo nós pois considero que ele é de interesse de todas as pessoas ligadas à defesa dos direitos dessas populações) são, mais que reflexões, instigações à luz do direito, com destaque especial para a Convenção 169, cujo espaço na nossa ordenação jurídica é questionado en passant. A partir delas o que se descortina é o desrespeito às leis por órgãos públicos, no caso específico do Manual restritos ao nível federal. Se o ICMBio é obrigatoriamente um dos protagonistas deste cenário, impossível esquecer a Advocacia-Geral da União, com a sua famigerada Portaria 303. E o texto é direto e esclarecedor na sua análise, denunciando a “impropriedade” de portarias e decretos, assinados em total confronto com leis maiores – a Convenção 169 e, até, a própria Constituição.

Finalmente, a visão de mundo que rege as convida os leitores a irem além da discussão jurídica, transformando as relações a serem estabelecida com essas populações “de conflitos em oportunidades no cenário de implantação e gestão de Unidades de Conservação com presença de povos e comunidades tradicionais”. Resisto à tentação de ir mais longe, pois muito mais importante é disponibilizar o endereço de onde Territórios de Povos e Comunidades Tradicionais e as Unidades de Conservação de Proteção Integral: Alternativas para o Asseguramento de Direitos Socioambientais pode ser baixado: AQUI.

Parabéns às autoras e à 6ª Câmara do MPF; que venham outros Manuais como este. Para @s demais, boa leitura!

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