Mesmo temendo uma possível contaminação, alguns alegam que não têm alternativa
Ana Cláudia Barros, do R7
É em uma mina d’água cercada de lixo e de mato alto que a dona de casa Claudete Aparecida Nicolleti, 46 anos, vai para abastecer o imóvel onde vive com a família, nos momentos em que o fornecimento de água encanada falha. Moradora do bairro Jardim Novo Mundo há 19 anos, na região do Pirapitingui, em Itu, interior de São Paulo, ela se revolta ao falar das vezes em que abriu a torneira e encontrou apenas ar. E a situação tende a se agravar.
O município de 165.511 habitantes, segundo estimativa do IBGE, sofre grave crise hídrica e, desde fevereiro, adota racionamento. Nesta quinta-feira (18), diante do baixo índice dos reservatórios que atendem à cidade e da falta de previsão de chuva para os próximos dias, a concessionária Águas de Itu anunciou que a medida seria ampliada. De acordo com comunicado da empresa, a região do Pirapitingui, que estava fora do rodízio, agora passou a receber água em dias alternados, das 18h às 6h.
Na prática, a deficiência no abastecimento já vem acontecendo há muito tempo no Jardim Novo Mundo, conforme denunciam moradores. O R7 esteve no local na última terça-feira (16) e ouviu relatos de pessoas que afirmaram sofrer com o problema há mais de seis meses. Algumas contaram que estavam sem água há seis dias consecutivos. Claudete era uma delas.
Mesmo com a suspeita de contaminação da água da mina, ela diz que precisa recorrer à alternativa por falta de dinheiro.
— Eu cozinho, lavo roupa, uso no banheiro, tomo banho. Não tenho condição de comprar água. Morro de medo de ficar doente. Estou cheia de coceira.
A operadora de máquina Maria Ferreira da Silva, 35, engrossa a lista de reclamações.
— A situação aqui está muito crítica. A gente já ficou cinco dias sem água e, depois, começou a chegar água de novo. Agora, estamos cinco dias sem água.
Ela conta que busca água represada a partir da mina de cinco a seis vezes por dia e que usa o líquido para lavar o quintal e jogar no vaso sanitário.
— Contaminada eu sei que é. Medo dá [de contrair doença], mas não tem outra solução.
Cem dias a seco
Na zona leste da cidade, no Bairro Brasil, local de construções de bom padrão, o problema da falta d’água também atormenta os moradores. Na rua Piauí, uma das mais afetadas, algumas casas estariam há cerca de cem dias sem receber uma gota do líquido. O imóvel da aposentada Márcia Leite, 53, é um deles.
Desde junho, ela começou a observar com mais atenção o hidrômetro e notou que, de julho a setembro, o marcador não sofreu alteração.
— A leitura da própria concessionária de 16 de julho, 16 de agosto e 16 de setembro é a mesma. Ou seja, não entrou nada de água na minha casa […] A gente está querendo água. Não estou querendo, porque faz uma semana que não tem. Estou porque faz meses que não tenho. É um descaso até.
Como a deficiência no abastecimento de água em Itu não é uma questão recente, há cinco anos, o marido de Márcia colocou uma caixa d’água no nível da torneira que chega da rua e instalou uma bomba para encher os reservatórios da parte superior da casa. Basta circular pelo bairro para notar que o recurso tem sido adotado como alternativa por muitos moradores. É comum encontrar caixas d’água na frente dos imóveis.
Márcia diz que já fez inúmeros protocolos junto à concessionária Àguas de Itu. De acordo com ela, os dados são anotados pelos atendentes, que passam as informações “para o setor responsável”, que tem a função de “analisar a prioridade”.
— Não conheço realmente um lugar onde as pessoas falem: “Vem [água] um dia sim e um dia não”. Aqui [na rua dela] é dia não e dia não […] É um caso de desrespeito. Entendo que todo o Estado de São Paulo está com problema de falta de chuva, mas, particularmente, Itu, começou a ter essa dificuldade muito antes. Agora, especificamente na minha rua, passou da fase de racionamento. Está na falta total.
Também residente na rua Piauí, a dona de casa Andréa Araújo, 44, diz que liga todos os dias para a concessionária. Ela se emociona ao se lembrar de um pedido feito pela filha de 14 anos.
— Já passei da revolta. Agora, estou dando risada. Já chorei, já gritei. Sabe o que minha filha pediu de aniversário? Banho de chuveiro.
O imóvel dela um dia foi conhecido como a “casa dos vasinhos” em razão dos gerânios e das flores popularmente chamadas de onze-horas pregadas em uma das paredes do quintal, que hoje também uma caixa d’água. Ao olhar para as plantas secas, ela lamenta.
— As pessoas paravam para tirar foto do meu jardim. Foi tudo embora.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.