Cerca de 200 famílias foram desalojadas do antigo Hotel Aquarius, no centro de São Paulo. Muitas crianças, desempregados, trabalhadores que não chegam a ganhar 800 reais por mês compartilhavam os 168 apartamentos distribuídos em 21 andares do edifício abandonado. Estavam ali havia seis meses, segundo o movimento Frente de Luta pela Moradia (FLM), apesar de alguns entrevistados afirmarem que estavam no local havia mais de um ano
Beatriz Borges – El País
A localização do prédio ocupado era privilegiada e próxima ao trabalho de muitos que ali viviam – ao invés de morar em uma favela na periferia, optaram pelo centro para economizar com o transporte. Muitos vinham de outras ocupações, outros participavam pela primeira vez do FLM, que age invadindo prédios abandonados para pressionar a prefeitura, em um intento de regularizar a ocupação e transformá-la em moradia popular. No entanto, a operação policial tentou desalojar o espaço e houve conflito.
O confronto com a Tropa de Choque começou, segundo informou o coronel deste corpo militar, a partir dos ataques realizados pela população flutuante que vive na zona central, e não necessariamente pelos sem-teto. A polícia recebeu pedras e paus e devolveram bombas de efeito moral. Barricadas foram formadas nas ruas adjacentes, alguns edifícios foram depredados e um ônibus, queimado. Os trabalhadores que não chegaram a bater o cartão na manhã de hoje gravavam o que viam com seus celulares. Já os afetados, dos quais muitos não tinham para onde ir, se amontoavam em esquinas com suas sacolas, desolados.
Com os pés negros de sujeira da rua, levando consigo apenas a roupa do corpo e um tênis na mão, José Vieira, de 43 anos, esperava um milagre. “Tudo o que eu tenho está lá dentro, não sei para onde vou ainda”, disse, com o olhar perdido. Vieira só estudou até a sexta série e vive de “bicos”. Ele e o filho, de 10 anos, estiveram em outra ocupação do FLM, no prédio da Polícia Federal, na rua paralela à Avenida Ipiranga, Antônio de Godoy, que também passou por uma reintegração de posse recentemente. “Como eu já sabia que aconteceria, eu comecei a empacotar minhas coisas ontem. Só que chegaram sem caminhão para a gente levar as coisas. Só veio a polícia, que chegou colocando todo mundo no chão como se fôssemos bandidos”, explica, entre lágrimas. “As pessoas não entendem que quem mora em prédio ocupado é porque não tem um salário compatível com o aluguel, não temos condição de pagar”, explica. O filho acabou indo embora com a mãe, que foi buscá-lo depois de ver as notícias na televisão, até que o pai tenha condições de recebê-lo em outro local, “com um pouco de dignidade, né?”, acrescenta Vieira.
O casal Erisvaldo Pereira da Silva e Célia Costa Rodrigues também não sabiam para onde ir. “Nossos documentos ficaram todos lá, jogaram bomba e tiraram todos para fora, não deu tempo de pegar nada”, explica Rodrigues. Conta que acabaram escapando através do telhado de um edifício vizinho, que está em obras. “Já estamos na terceira ocupação e não conseguimos nada. Entramos no movimento porque fomos despejados por não conseguir pagar o aluguel”, conta a camareira que ganha um salário mínimo por mês. “Sinto muito medo de ficar na rua, eu não tenho costume”, argumenta Rodrigues, que perdeu um dia de trabalho pela reintegração. Dos seis netos que ficaram no interior do Maranhão, de onde veio há cinco anos, sente saudade. Já dos filhos, apenas diz que não quer que saibam de sua situação. “Eles vão me encher, não quero que me vejam aqui”, diz, se esquivando da câmera fotográfica.
Cerca de 20 das 200 famílias eram bolivianas, segundo os desalojados que conversaram com este jornal. Edwin Malleaé o pai de uma delas. Veio morar com três filhos e a mulher na capital paulista há dois anos, com a esperança de uma vida melhor que a que tinham em La Paz. Em um quitinete no 15º andar, passaram os últimos sete meses. “Ficamos sabendo do FLM através das comunidades latinas e fomos porque não tivemos outra alternativa. E também porque tínhamos a esperança de um acordo para poder ficar”, garante o operador de telemarketing, que conta que no edifício havia “todos os serviços necessários”, como água, eletricidade e comida. Ainda assim, considera que sua decisão de mudar para São Paulo não foi a melhor. “Lá temos miséria, mas não tanta gente nas ruas como aqui”, disse, mas elogia o serviço de saúde gratuito, algo que não tem em seu país de origem. Seus filhos ficavam em uma creche durante o dia, enquanto ele e a esposa trabalhavam. Próximas a ele estavam outras bolivianas, cada uma com uma história de vida diferente. Uma delas, Beatriz Mamani, veio com a expectativa de mandar dinheiro para pagar o tratamento da filha, de 22 anos, com câncer terminal. “Mando o dinheiro porque não gasto com aluguel, mas não sobra para visitá-la”, lamenta, sem esconder o pesar de poder nunca mais vê-la com vida.
No 11º andar, quatro menores de idade dividiam um quarto há vinte dias, aproximadamente. Jefferson Leão, com passagem pela Fundação Casa, Henrique de Souza, Jonathan de Assunção e Thiago (que não sabe seu sobrenome) contaram que sempre viveram na rua, sem os pais, em barracos ou onde encontravam abrigo. Leão, de 11 anos, fuma um cigarro após o outro. Conta que conseguiram juntar entre os quatro 150 reais para ajudar na manutenção do prédio, onde pensavam em ficar mais um tempo. Com chinelos gastos, pés sujos e cabelos pintados como Neymar e Dani Alves na Copa, os meninos parecem sobreviver dia após dia, sem perspectiva alguma de futuro. “Agora a gente se vira, né tia?”, disse Souza, quando questionados sobre seus destinos, ao mesmo tempo que garantiram que já haviam passado por várias escolas, sem nunca permanecer em nenhuma delas.