Por Elizabeth Harball – Scientific American Brasil
Produtos cotidianos como carne, soja e óleo de palma já são acusados por provocar imensas perdas nas florestas tropicais do mundo. Esses produtos também são frequentemente ligados à ocorrência de queimadas, apesar de existirem leis locais para proteger essas florestas.
Mas, pela primeira vez, um novo relatório da organização ambiental sem fins lucrativos Forest Trends tenta quantificar exatamente quanto do desmatamento ilegal do mundo ocorre para abrir caminho para o óleo de palma, abrigos para gado, cultivo de soja e outras commodities agrícolas.
A equipe de pesquisa concluiu que entre 63% e 75% do desmatamento global entre 2000 e 2012 ocorreu para abrir caminho para a agricultura comercial. Dessa porcentagem, de acordo com os autores, de 36% a 65% era ilegal – resultado de licenças fraudulentas, técnicas destrutivas de ocupação do espaço ou outras atividades proibidas formalmente – mas frequentemente ignoradas – por governos locais. A Forest Trends estima que o valor do comércio internacional desses produtos seja de US$61 bilhões anuais.
O presidente da Forest Trends, Michael Jenkins, declarou em uma entrevista que já sabia há muito tempo que a agricultura comercial tinha um papel no desmatamento ilegal, mas que “sua escala é muito maior do que esperávamos”.
O Paraguai, por exemplo, perdeu 2,4 milhões de hectares (5,9 milhões de acres) de suas florestas entre 2000 e 2012, e estima-se que 79% disso se deva à conversão das áreas a agronegócios, principalmente para plantações industriais de feijão de soja, afirma o relatório. Mais de 42% dessa conversão foi ilegal, alega a Forest Trends.
Na Indonésia, que há muito tempo luta para reduzir a destruição florestal provocada ao abrir caminho para plantações lucrativas de óleo de palma, a Forest Trends estima que 80% do desmatamento para agricultura comercial seja ilegal.
Grandes compromissos de “desmatamento zero” podem não funcionar
Para desacelerar essa tendência, o relatório inclui uma extensa lista de recomendações para empresas, órgãos de certificação de sustentabilidade e países que importam commodities ligadas ao desmatamento. Mas fortalecer o controle e a aplicação da lei nos países onde o desmatamento ilegal está ocorrendo é fundamental, afirma a Forest Trends.
Sem ações fortes por parte de nações que produzem óleo de palma, carne, soja e outras commodities, a proliferação de ambiciosos compromissos de desmatamento zero feitos por empresas como a Wilmar International Ltda. provavelmente não conseguirão salvar as florestas tropicais do mundo, comenta Sam Lawson, principal autor do relatório.
“O problema é que essas empresas, se decidirem ser sustentáveis e legalizadas, terão que competir com empresas que sequer são legalizadas”, comenta ele. “O diferencial de preço é imenso, então é mais difícil persuadir empresas a se tornarem legalizadas se elas tiverem problemas competindo com empresas ilegais”.
Glenn Hurowitz,, diretor da Forest Heroes e um dos articuladores do compromisso de desmatamento zero de Wilmar amplamente apoiado, declarou não estar convencido de que destruir florestas de fato cria vantagens econômicas para uma empresa. Ele concorda que um bom governo é muito importante para deter o desmatamento ilegal.
“Sou o primeiro a reconhecer que compromissos de desmatamento zero são uma solução de médio prazo, e que governos realmente precisam assumir a responsabilidade de proteger florestas no longo prazo”, adiciona Hurowitz.
É importante notar que o termo “ilegal” às vezes é complicado, especialmente em nações em desenvolvimento; o relatório afirma que as leis e regulamentações de muitos países geralmente são complexas, conflitantes, desatualizadas, ou cheias de buracos e palavras vagas, levando a reclamações comuns de que ‘tudo é ilegal’ e assim tornando impraticáveis os esforços para aumentar o cumprimento da lei.
Em 2012, por exemplo, o Brasil fez mudanças significativas em seu Código Florestal e concedeu anistia a alguns fazendeiros operando em áreas ilegalmente desmatadas.
Jenkins reconheceu que isso torna desafiador documentar precisamente a escala do problema.
“É quase impossível ser legalizado”
Apesar da complexidade do problema, o economista ambiental Jonah Busch, do Centro para o Desenvolvimento Global, acredita que as conclusões do relatório sejam sólidas.
A análise da Forest Trends usou uma revisão das melhores estimativas de cientistas para o desmatamento ilegal provocado pela agricultura, explica Busch por e-mail, ainda que essas estimativas fossem inegavelmente brutas em alguns casos. As conclusões do grupo se baseiam em uma combinação de análises científicas criteriosamente publicadas e nas melhores estimativas, tanto próprias estimativas quanto de outros pesquisadores, de acordo com Busch, que não se envolveu na produção do relatório.
Mas, adverte ele, “atualmente não existe maneira melhor de conseguir esses números. Esse é um trabalho muito impressionante dada a escassez de dados padronizados sobre o tópico”.
Lawson acredita que a complexidade de falhas em países em desenvolvimento não é desculpa para empresas se engajarem no desmatamento ilegal; o relatório até faz a ambiciosa recomendação ao setor privado que evite se engajar nesse tipo de projetos em países onde não é possível garantir sua legalidade.
As principais empresas envolvidas nessa conversão em locais como o Brasil ou a Indonésia são muito grandes, frequentemente são empresas listadas em bolsa de valores com centenas de milhões de dólares e equipes imensas de advogados”, alerta Lawson.
E, de acordo com Jenkins, a dificuldade de determinar se uma floresta foi ilegalmente derrubada em alguns casos é outra razão para nações melhorarem o controle sobre esse problema.
O desafio surge quando empresas estão operando em locais como a Indonésia ou partes do Brasil, onde a legalização é tão complicada que fica quase impossível, segundo Jenkins. “Nós precisamos simplificar esses sistemas para que seja possível criarmos ambientes reguladores que possam ser monitorados, onde negócios de bem possam de fato desenvolver atividades legalizadas”.