“Cerrado em pé: do Berço das Águas, um Clamor pela Vida!”
Uma porção de terra, que guarda água, plantas e animais inúmeros, medicina e alimentos diversos, que sustenta milhões de pessoas e pode sustentar futuras gerações, devia ser, mas não é prioridade nacional. Este sentimento, assim expresso por um geraiseiro de Minas Gerais, motivou os movimentos sociais, sindicais e eclesiais, povos e comunidades rurais e urbanas do Oeste da Bahia e do Norte de Minas Gerais a celebrar a Semana do Cerrado em torno do dia 11 de setembro, Dia do Cerrado. Várias atividades foram realizadas, entre 08 e 13 de setembro, com o tema “Cerrado em pé: Do Berço das Águas, um Clamor pela Vida!”. Nós, os participantes, partilhamos através desta carta o que vimos, ouvimos e sentimos e nos leva à denúncia e à luta ainda mais urgentes pelo Cerrado que resta.
Bioma mais antigo do Brasil, com 65 milhões de anos, 24% do território nacional, decisivo para os demais biomas nacionais, “cumeeira da América do Sul” porquanto produz as águas das principais bacias hidrográficas do continente, fonte de vida de mais de 12 milhões de pessoas, o Cerrado já foi degradado em 57% e, se não mudar o modo de lidar com ele, deve ser extinto nos próximos 30 anos. Questão tão grave, infelizmente, não consta nos espalhafatos da atual campanha eleitoral!
As atividades desta Semana dedicaram-se a conhecer para preservar o Cerrado ainda em pé e bem vivo: Seminário na Câmara Municipal de Correntina-BA, com cerca de 50 pessoas; Intercâmbio de Comunidades Geraiseiras no Fecho de Pasto da Praia, também no município de Correntina-BA, com cerca de 60 pessoas; e Mutirão de militantes dos movimentos sociais, sindicais e eclesiais que visitaram 38 comunidades de cinco municípios baianos e sete mineiros, envolvendo diretamente mais de 1.100 pessoas. O encerramento da Semana se deu com a 1ª Romaria do Cerrado, na cidade de Cocos-BA, com cerca de 500 romeiros e romeiras de toda a região.
Os diversos povos e comunidades do Cerrado destas regiões tiveram nessa semana a oportunidade de parar por um momento para refletir, interagir, trocar e celebrar suas diversificadas formas de vida, de luta, de resistência e de conquista do território. E também de denunciar as mazelas e desatinos que o Capital semeia e planta por toda a região, ferindo de morte a terra, as águas, as matas, os animais, os grupos humanos – a Comunidade da Vida que é feliz nesta parte do planeta.
O Mutirão do Cerrado encontrou sinais de vida em meio à morte: uma grande variedade de formas de uso sustentado dos bens naturais do Cerrado, que envolvem mulheres, homens, jovens, idosos e crianças, indígenas (Xakriabás de São João das Missões – MG e Cocos – BA), quilombolas, vazanteiros, chapadeiros, veredeiros, quebradeiras de coco, agricultores e criadores familiares, pescadores, ameaçados ou atingidos por barragens. Organizados em comunidades, associações, cooperativas, sindicatos, produzem alimentos diversificados e saudáveis com fartura, aderem crescentemente à agroecologia, preservam sementes crioulas e uma riquíssima agrobiodiversidade, protegem nascentes e matas ciliares, retomam e defendem seus territórios tradicionais contra as ameaças do agronegócio, das barragens e Pequenas Centrais Hidrelétricas, das mineradoras e das grandes obras de infraestrutura, como a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL). Encontram nas tradições culturais e religiosas, nas festas, a força maior para esta luta antiga, grandiosa, que se torna esperança para o que ainda resta do Cerrado.
A lei garante a proteção dos recursos naturais (art. 225 da Constituição Federal) e o direito ao autorreconhecimento de povos e comunidades tradicionais e a importância de seus territórios (Decreto no 6040/2007). Porém, a ausência do Estado de Direito e a violação dos Direitos Humanos vêm sendo cada vez mais recorrentes nestas regiões. Por isso, denunciamos os conflitos sociais e a usurpação dos direitos dos povos e comunidades e solicitamos a intervenção do Ministério Público Federal e dos órgãos competentes, estaduais e federais, para investigar e sustar a liberação de grandes projetos do agronegócio, a exemplo da Fazenda Santa Colomba, no município de Cocos-BA, cujos pivôs centrais supõem a transposição dos rios Carinhanha e Itaguari; do projeto Mizote que prevê o desmatamento de mais de 30 mil hectares em área de preservação, no município de Correntina-BA; dos monocultivos de capim e soja no município de Chapada Gaúcha – MG, cujo uso intensivo do solo e o desmatamento das chapadas provocam frequentes desbarrancamentos, assoreando o rio Pardo e matando veredas do Vão dos Buracos; do Projeto Jaíba, em Minas Gerais, que provocou um dos maiores desastres no meio-ambiente e na vida da população das barrancas dos rios Verde Grande e São Francisco; dos 165 projetos de barragens no Oeste Baiano, dentre outros.
Ao final desta Semana do Cerrado, diante deste quadro, uma certeza: as maneiras da vida são diversas, plurais, solidárias e profundas. As da morte são poucas, simplificadas e letais, nas formas de degradar, destruir e devastar, para disso extrair nada mais que uma coisa única, solitária e sem futuro: capital. Urge, portanto, transformar o Cerrado e a Caatinga em Patrimônios Nacionais (Propostas de Emenda Constitucional – PECs 504/10 e 115/95).
Conclamamos as forças da vida, em todos os cantos da região e do país, a convergirem num esforço maior pela vida do Cerrado e nossa!
Cocos-BA, 13 de setembro de 2014.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.