Projeto em regime de urgência simplifica pesquisa, exploração, consentimento e pagamento por uso da biodiversidade brasileira

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Açaí. Foto: Edwald Parker

[No caso dos povos indígenas e comunidades tradicionais,] “A proposta inova ao estabelecer em lei as formas de comprovação de consentimento prévio para o acesso aos conhecimentos que têm origem identificável: assinatura de termo; registro audiovisual do consentimento; parecer do órgão oficial competente; adesão na forma prevista em protocolo comunitário; ou laudo antropológico independente”. [destaque: TP]

Agência Câmara de Notícias

A Câmara dos Deputados analisa o Projeto de Lei 7735/14, do Poder Executivo, que revisa a legislação que trata de pesquisa científica e exploração do patrimônio genético de plantas e animais nativos; e dos conhecimentos indígenas ou tradicionais sobre propriedades e usos de plantas, extratos e outras substâncias. O projeto tramita em regime de urgência constitucional e tranca a pauta do Plenário desde 11 de agosto.

Entre as principais novidades estão a simplificação de procedimentos para pesquisa científica; e a alteração de regras sobre a repartição de benefícios dos produtos derivados da utilização de recursos genéticos, uma espécie de royalty pago pelas empresas sobre o uso de conhecimentos tradicionais ou de substâncias encontradas em plantas ou animais.

A proposta atualiza a Medida Provisória 2.186-16/01, que regulamenta a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), mas não traz regras para pesquisas ligadas à agricultura e produção de alimentos – que continuarão reguladas pela MP. O projeto ou a MP tampouco regulamentam as pesquisas sobre o patrimônio genético humano, que estão sujeitas a legislação específica.

O governo argumenta que a proposta tem o objetivo de substituir o modelo atual – voltado quase exclusivamente para o comando e o controle – por um sistema ancorado em mecanismos de estímulo à pesquisa, monitoramento e rastreabilidade.

Pesquisa
A proposta simplifica o trabalho de pesquisadores brasileiros, de instituições brasileiras e de empresas com sede no exterior vinculadas a entidades nacionais, que precisarão apenas de um cadastro declaratório para ter acesso ao patrimônio genético ou conhecimento tradicional, bem como para a remessa de amostra para o exterior. A remessa para dentro do País não necessitará de cadastro.

Atualmente, é necessária autorização prévia do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen) para o início das pesquisas, processo que leva tempo e exige grande documentação do pesquisador.

Segundo o governo, a legislação atual impõe ao pesquisador e às empresas uma série de restrições para o acesso às substâncias que se pretende pesquisar. “Há uma extensa lista de requisitos que precisam ser atendidos e documentos a serem apresentados, independentemente do resultado que aquele acesso possa ter”, diz o texto de justificativa da MP.

Diante da dificuldade, argumenta o governo, várias empresas desistem de incorporar produtos da biodiversidade brasileira em suas linhas de pesquisa ou substituem extratos e substâncias nativas por similares sintéticos ou plantas de outros países para fugir da necessidade de autorização por parte do Cgen. A demora prejudica principalmente a indústria de cosméticos, cujos produtos permanecem menos tempo no mercado.

O acesso e a remessa de substâncias locais por empresas sediadas no exterior não associadas a instituição nacional dependerão de autorização prévia do Ministério da Ciência e Tecnologia, para as pesquisas; ou do Cgen, para atividade de desenvolvimento tecnológico. Atualmente, essas empresas estrangeiras precisam necessariamente se associar a uma entidade nacional para acessar o patrimônio genético brasileiro.

O texto proíbe a pesquisa de pessoas físicas estrangeiras.

Venda de produtos
O governo terá de ser notificado antes do início da venda de produtos acabados ou intermediários originados de patrimônio genético nacional ou do conhecimento tradicional. Os produtos intermediários (aqueles que são insumos de outros produtos) só poderão ser explorados economicamente depois de notificação do Cgen.

Para os produtos acabados (remédios, cosméticos, entre outros), além da notificação, é necessária a apresentação prévia do acordo de repartição de benefícios, que prevê o pagamento de royalties ou outra compensação não monetária.

Segundo o projeto, a empresa terá 365 dias a partir da notificação do produto acabado para apresentar o acordo de repartição de benefícios. Já a legislação atual obriga a formalização de contrato de repartição de benefícios a partir do momento em que se identifica o potencial de uso econômico ou a perspectiva de uso comercial – o que pode ocorrer antes mesmo do início da pesquisa.

Comunidades indígenas e tradicionais
O projeto mantém a proteção aos conhecimentos tradicionais e indígenas sobre técnicas e propriedades associadas ao patrimônio genético brasileiro. As comunidades e os povos tradicionais terão o direito de participar da tomada de decisões sobre o uso de seus conhecimentos, de receber pagamento pela exploração de suas técnicas e ter indicada a origem do acesso ao conhecimento em todas as publicações.

A proposta inova ao estabelecer em lei as formas de comprovação de consentimento prévio para o acesso aos conhecimentos que têm origem identificável: assinatura de termo; registro audiovisual do consentimento; parecer do órgão oficial competente; adesão na forma prevista em protocolo comunitário; ou laudo antropológico independente. Os conhecimentos tradicionais cuja origem não pode ser identificada prescindirão de qualquer consentimento prévio.

O texto também garante a participação de indígenas e comunidades tradicionais na tomada de decisões sobre assuntos relacionados ao acesso a conhecimento tradicional associado e repartição dos benefícios decorrentes desse acesso.

Tramitação
O projeto será analisado por uma comissão especial e pelo Plenário.

Íntegra da proposta:

Reportagem – Carol Siqueira
Edição – Pierre Triboli

Projeto obriga fabricante a pagar compensação por uso de biodiversidade

O Projeto de Lei 7735/14 desloca para o fabricante de produto final produzido com acesso a substâncias de fauna e flora nacionais ou a partir de conhecimento tradicional a responsabilidade pelo pagamento da compensação pelo uso do patrimônio, chamada repartição de benefícios.

Essa repartição poderá ser monetária, com o pagamento de royalties; ou não monetária, com transferência de tecnologia, projetos de conservação, quebra de patentes ou distribuição gratuita de produtos.

Se o fabricante optar pela compensação em dinheiro, deverá pagar 1% da receita líquida anual obtida com a exploração econômica. Esse valor poderá ser reduzido para até 0,1% por acordos setoriais com o governo, para não comprometer a competitividade.

Parte dos recursos será aplicado no Fundo Nacional para Repartição de Benefícios, que também será composto de recursos orçamentários, doações e multas. Esse dinheiro vai financiar um programa de conservação da diversidade biológica e proteção dos conhecimentos tradicionais.

Regras de compensação
O fabricante do produto final será obrigado a pagar compensação mesmo que não tenha sido responsável pelas pesquisas ou pelo acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional.

Se o produto for importado, a responsabilidade será dividida entre o fabricante e o importador. Pela legislação em vigor (MP 2.186-16/01), o contrato de repartição de benefícios é estabelecido no início da cadeia, quando há potencial de uso econômico da pesquisa.

A proposta isenta de repartição de benefícios os produtos intermediários (insumos); e as operações de licenciamento, transferência ou permissão de uso de patente sobre produto acabado ou processo; e os microempresários.

A cobrança terá como referência a Lista de Classificação de Repartição de Benefícios, definida por regulamento.

O projeto permite a regularização de pesquisadores e empresas que descumpriram a norma, com a possibilidade de extinção das multas no caso de total regularização.

Tramitação
O projeto, de autoria do Poder Executivo, será analisado por uma comissão especial e pelo Plenário. O texto tramita em regime de urgência e tranca a pauta desde 11 de agosto.

Íntegra da proposta:

Reportagem – Carol Siqueira
Edição – Pierre Triboli

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