Não basta ter voto, queremos ter voz

Claudelice Santos (Foto: Acervo pessoal Claudelice Santos)
Claudelice Santos (Foto: Acervo pessoal Claudelice Santos)

A extração ilegal de madeira é responsável por ganhos ilícitos de aproximadamente 10 a 15 bilhões de dólares por ano no mundo, afirma o Greenpeace Brasil

Luciana Gaffrée – Rel-UITA

Hoje, dia 3 de setembro, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) fará uma Audiência Pública para tratar da escalada de violência contra ativistas de movimentos sociais de caráter socioambiental, relacionada à exploração ilegal de madeira na Região Amazônica.

O problema foi exposto nos meios de comunicação nacionais através de uma investigação conduzida pelo Greenpeace Brasil, como informa o Regimento Interno do Senado Federal. Entre os palestrantes convidados, está Claudelice Silva dos Santos, irmã do extrativista José Cláudio Ribeiro da Silva, assassinado junto com sua esposa, Maria do Espírito Santos Silva, que dialogou com A Rel, buscando gerar uma maior conscientização internacional para esta luta contra as “mortes anunciadas”.

A justificativa para esta Audiência Pública é o fato de o Brasil, em 2014, ter se consolidado como o país mais perigoso para a defesa do direito à terra e ao meio ambiente, com cerca de 50% das mortes no planeta. Em todo o mundo, apenas 10% dos casos chegam aos tribunais, sendo que somente 1% resulta em condenação. Esse percentual é um símbolo da “cultura endêmica da impunidade” conduzida pelos governos.

Sobre isto, Claudelice Silva dos Santos afirma que em época de eleições todos prometem mundos e fundos, entretanto a realidade é bem diferente. Em suas palavras: “Nesta atividade o que buscamos é voz. Não temos voz, mas temos voto, e por isso queremos contar o que acontece lá na Amazônia”.

Claudelice considera fundamental continuar “batendo na mesma tecla”, pois os fatos mostram que a floresta não está protegida, e nem que houve redução do desmatamento. “A Amazônia vem sofrendo uma enorme pressão pela exploração da madeira e pelos grandes fazendeiros que plantam seu capim para o gado, expulsando as famílias e grilando terras, na maioria das vezes, através de bala”, diz Claudelice.

Com relação ao agronegócio, ela informa também que foram feitas inúmeras denúncias sobre uma nova modalidade para expulsar os pequenos trabalhadores. Jogam capim do avião e, com isso, as famílias não conseguem produzir nada, porque o capim inutiliza a terra.

O Documento de Referência, Requerimento N°67, de 2014, para a solicitação desta audiência, informa que o setor madeireiro opera em elevado nível de ilegalidade, sendo a extração ilegal de madeira a responsável por ganhos ilícitos de aproximadamente 10 a 15 bilhões de dólares por ano no mundo, com recolhimento menor de royalties e impostos, sobre o registro legalmente sancionado, no valor adicional de  5 bilhões de dólares.

Assassinato dos líderes ambientais e sindicais: Crucial estratégia para destruir os defensores da floresta

O documento ainda alerta que, com um sistema de controle florestal falho somado a uma justiça onde prima a impunidade, não são só as árvores as ameaçadas, mas também os líderes ambientais e sindicais.

Intensificam-se a violência, o medo e os assassinatos dos “marcados para morrer”, justamente os líderes de grupos “mais organizados” que dependem da floresta em pé para seu sustento e perpetuação como assentados, as comunidades indígenas, as populações tradicionais, os extrativistas, entre outros.

Claudelice, também ameaçada de morte, revela: “Desde o assassinato de Zé Claudio e Maria, a família clama por justiça, para que justiça seja feita. Porém, no Pará todo mundo acaba se calando com medo, porque o destino é a morte. Só que nós não vamos nos calar e essa audiência é isso, queremos ter voz. E, sim, continuaremos denunciando sempre. Só que por lutarmos, é que recebemos as mais diversas ameaças: nossa casa vigiada, recados diretos, e só contamos com a nossa própria proteção. Sempre que um de nós sai tem que avisar, sair à noite, jamais. Ou seja, é uma prisão domiciliar”.

Esta audiência também tratará da questão das testemunhas que estão correndo risco de vida, que são obrigadas a deixar suas casas e, muitas vezes, a serem sustentadas pelo governo. Ao entrarem no programa, ficam sem nenhum contato com seus amigos ou parentes. Além disso, a troca de identidade pode gerar problemas de reconhecimento de paternidade ou para resgatar a sua aposentadoria.

Claudelice alerta: “As pessoas continuam ameaçadas de morte e a violência só aumenta, só piora, as pessoas estão sendo assassinadas impunemente apenas por defenderem os seus direitos, de viver em uma terra sustentável, de viver na floresta e de quererem a floresta em pé. Essas pessoas e as organizações fazem denúncias, mas sem haver uma eficácia no processo de justiça. Na verdade, esse processo atual de justiça, para nós, é como se o governo desse autorização para matar”.

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