É fácil escrever o que o senso comum deglute com facilidade e que está guardado nos instintos mais animais que não abandonamos nem com milhares de anos de convivência.
Coisas do tipo: “Mata a vadia, mata!”
Difícil mesmo é redigir algo com a certeza absoluta de que apenas uma minoria vai ler até o final, embutindo uma provocação que gere uma reflexão ao final.
Em um assunto considerado polêmico, boa parte das pessoas passa o olho de forma transversal em um texto, capta algumas palavras como “direitos humanos”/ “traficantes”/ “Estado” / “maioridade penal” / “aborto” / “evangélico” / “casamento gay” / “Palmeiras” e sem nenhuma intenção de expor ideias ou debater, pinça um capítulo de sua Cartilha Pessoal de Asneiras e posta como comentário.
É a vitória da limitada experiência individual sobre a necessidade coletiva, da emoção do momento sobre a racionalização necessária para que não nos devoremos a cada instante.
Não existe observador independente e imparcial. Isso até pode e deve ser almejado, mas não será obtido. Quem te falar o contrário, tá de zoeira.
Você vai influenciar uma realidade e ser influenciado por ela. E vai tomar partido, consciente ou inconscientemente. Se for honesto e/ou corajoso, deixará isso claro ao leitor.
Pois mais vale a transparência de dizer quem você é e o que pensa do que a arrogância de se afirmar acima de qualquer suspeita.
Sei que há colegas de profissão que discordam, que dizem que é necessário garantir a pretensa imparcialidade. É necessário, sim, ouvir todos os lados com honestidade para entender e explicar o assunto, mas a sua tradução já sofrerá influência de quem você é e onde você está – socialmente, profissionalmente, politicamente, culturalmente.
Zerar essa influência só seria possível se nos despíssemos de toda a humanidade. Há quem tente ferozmente e ache bonito. Sinceramente, o resultado fica muito ruim.
Tomar posição se reflete na escolha da pauta que você vai fazer, sob a ótica de quem.
Concordo com Robert Fisk, o lendário correspondente para o Oriente Médio do jornal inglês Independent, que diz que em situações de confronto, de limite, deve-se tomar opção pelos mais fracos, ou seja, os empobrecidos e marginalizados, no que se refere à realidade política, econômica, social, cultural e ambiental.
Tomar partido não significa distorcer os fatos, pelo contrário, é trazer o que historicamente é jogado para baixo do tapete, agindo conscientemente no sentido de contrabalançar, junto à opinião pública, o peso dos lados envolvidos na questão.
Distorcer é má fé, preguiça ou incompetência – coisa que muito jornalista que se diz imparcial faz aos montes, aplaudido por quem manda. Aqui ou lá fora.
Toda a informação é grávida. E informação, ela mesma, é canal de alienação, sim. Depende como é selecionada, empacotada e entregue. Mesmo sob o rótulo de “produto 100% imparcial”.
Mais importante: tomar partido não significa apoiar partido. Mas pedir para alguns leitores entenderem isso é tarefa ingrata e hercúlea em meio às matrizes de interpretação da realidade do tipo “vovó viu a uva” que seguem por aí.
Tem muito jornalista à venda. Mas sabe o que assusta muitos leitores (principalmente os comentaristas de blog na internet)? É que existam aqueles que não estão. Neste mundo louco é difícil explicar que ainda há alguns nortes que valem a pena ser seguidos. Não grandes discursos de Verdade, pois isso não existe. Mas noções éticas básicas que, construídas e compartilhadas, melhoram a nossa existência.
Para quem acredita que a vida não é um grande “cada um por si e Deus por todos”, esse chega-pra-lá no cinismo é quase que condição mínima necessária para levantar da cama de manhã.