A noite caíra, e Helga seguia espiando pela janela. Esperava ver o homem que havia dias a espreitava desde o mato, poucos metros adiante. A mãe advertira para que denunciasse qualquer movimento suspeito. Mas como dizer suspeito àquele olhar de doce surpresa? Nunca vira ninguém assim, nem sentira esse sentimento oceânico, que lhe enchia o corpo e a alma. “São bugres, perigosos”, dizia o pai, que já mandara seus homens pelo mato para caçá-los. Mas, para Helga, aquele que lhe tomara o coração, era quase um deus.
Foi no princípio do inverno que eles se encontraram. Ela saíra com um cobertor e depositara no lugar onde ele sempre estava. Não imaginava que ele aparecesse. Enganou-se. Devagar, ele saiu do meio das árvores. Ela estacou, sem palavras. Ele sorriu, ela também. E ficaram olhando um para o outro, no encantamento. Ele pegou a coberta e se foi. Ela correu. Desde aí se viam todas as noites. Ela pulava a janela e seguia para o mato, onde ele a esperava. Conheciam um ao outro sob o luar, no toque suave de mãos. Ela amava sua cor de cuia, ele amava a tez branquinha. Ela não sabia o significado das palavras xokleng, ele tampouco entendia as dela. Mas, sorriam e tudo estava compreendido.
Até que um dia, ele não veio mais. Ela temeu. Sabia dos “bugreiros”, matadores de índios. Já vira, inclusive, o tal de Eduardo Hoerhann, chamado de “pacificador”. Ouvira que ele andava convencendo os índios a se integrar ao mundo branco. Parecia-lhe tarefa impossível, tendo eles uma existência tão livre e pura. O pai dizia que eram selvagens, mas a ela parecia que os selvagens eram os brancos. Ouvia e cismava, olhando pela janela, buscando na mata.
Soube, era outubro, que Hoerhann havia atraído uns 400 índios para um posto em Ibirama, mas que ainda havia alguns espalhados pela região de Blumenau. Os “bugreiros” seguiam atuando, caçando os “hostis”. Pensou no homem que amava e soube que ele jamais seguiria para o posto. Era certo que estava morto. Não sabia seu nome, não sabia nada além da doçura de seu olhar e do toque suave de suas mãos. Mas, era o suficiente para uma vida. Quando o pai lhe apresentou o futuro marido, nem piscou. Faria o que era devido. Casaria, teria filhos. Sempre fora assim. A diferença é que ela tivera aquelas noites de puro amor. (mais…)