Em clima de denúncia, Povo Tenharim escolhe nova diretoria da APITEN: “cada cabeça das lideranças custa meio milhão de reais”

reunião dentro e fora da casa
Dentro ou fora da sala tradicional de reunião, o povo Tenharin participa. Fotos de Márcia Mura, Lucas e Tanan Maciel Mura

Por Iremar Antonio Ferreira, em Sem fronteiras no Madeira

Nós não seremos intimidados por ameaças…lutamos por nossos direitos! “

Com essas palavras o Cacique Léo Tenharin encerra o discurso de prestação de contas da diretoria que repassa o cargo para a nova, encabeçada por Antônio Enésio Tenharin, em assembléia da APITEN, realizada entre os dias 13 a 15 de junho de 2014 na Aldeia Bela Vista, Rodovia Transamazônica, Amazonas.

Porém antes disso, Rosinho Tenharin, ex-coordenador da APITEN – Associação do Povo Indígena Tenharin, fez uso da palavra e muito emocionado (com óculos escuros para cobrir os olhos vermelhos de emoção), discursa cumprimentando os poucos não-indígenas presentes e todo seu povo:

para mim é um momento muito triste… estou sentindo muito a falta de meu sobrinho (Gilvan – tesoureiro) aqui nesse momento… (lágrimas)…  não é fácil, é diferente quando todo mundo está aqui presente… não sei se nesse momento ele foi informado que ia acontecer a mudança da diretoria…(lágrimas)… porque fui eu que escolhi ele pra trabalhar junto comigo na diretoria da APITEN, o Gilvan… Tenho dois sobrinhos  presos em Porto Velho e ao mesmo tempo ele perdeu o pai dele também (cacique Ivan Tenharin) e por isso mais a minha ausência na associação… vocês podem perceber isso… eu não tive essa energia, porque quando eu dou passos na associação eu vejo ele sempre a minha frente, entendeu… Mas, eu quero dizer aqui pra meu irmão que tá assumindo outra vez (Antônio Enésio Tenharin) que cuide bem da associação… está tudo em dia… não executei projetos… o que está mais me chamando a atenção é o meus parentes presos em Porto Velho, mas tenho certeza que vamos vencer esta luta e o nome deles está conosco e isso é muito importante… esse momento tá muito difícil pra mim…”. 

Em suas palavras o peso da tristeza, da dor e da desesperança diante da prisão arbitrária dos parentes Tenharin presos: Domiceno, Gilvan, Gilson, Valdiná e Simeão.

Já Willis Tenharin fala da equipe que montaram na gestão anterior e todo esforço para atuar na defesa de seus direitos e que o símbolo da APITEN, a flecha apontada para o horizonte, representa o Povo Tenharin, sempre na frente, nunca abaixa a flecha e deve manter a cabeça erguida. É na organização que a gente faz o Movimento Indígena, que a gente aprende e por isso os jovens devem participar cada vez mais. Quero falar que as lideranças que não estão presentes estão trazendo energia pra nós”.

Já na posse da nova diretoria, composta por Antônio Enésio Tenharin (coordenador geral), Márcio Tenharin (vice-coordenador), José Humberto Tenharin (secretário geral), Alcides Tenharin (vice-secretário), Leandro Tenharin (tesoureiro) e Francineide Tenharin (vice-tesoureira), no uso da palavra o coordenador agradeceu a presença de apoiadores, aliados e da Comissão do Movimento Indígena de RO, noroeste do MT e sul do AM, nas pessoas de Ahin (Antenor) Karitiana, Adelson Oro Win (Conselho de Saúde Indígena – CONDISE) e Henrique Yabadai Surui. e afirmou que:

não tenho medo de desafios… apesar dos problemas que o Povo Tenharin está passando, nós estamos retomando nossa mesma política de antes… nós não estamos mortos não… porque nós temos compromisso e eu vejo a necessidade de nós darmos continuidade na luta… como coordenador da associação a partir deste momento eu tenho compromisso com meu povo… não tenho medo, porque tenho experiência com associação desde 1999, quando comecei minha formação… eu sou professor e não vou ter dificuldade, porque vou trabalhar com os caciques, com as comunidades, com as lideranças, com agentes de saúde e principalmente com as lideranças mais antigas, com os quais quero construir um documento com a história de nossa luta, desde nossos avós que tiveram os primeiros contatos e sobreviveram nos defendendo… vamos dar continuidade neste compromisso”.

Aurélio Tenharin faz uso da palavra e pede desculpas pela emoção (lágrimas), mas que isso é necessário e faz bem porque é um desabafo:

“agradeço aos aliados e lideranças indígenas de RO, a solidariedade com o Povo Tenharin e minha pessoa, e quero dizer pra todos vocês que a presença de vocês é uma nova energia que estão trazendo pra gente… uma coisa fica registrada em nossa cabeça em memória de 5 indígenas, nossos irmãos que estão em Porto Velho e também em nome do cacique tradicional Ivan Tenharin (um dos fundadores da APITEN), que não está aqui presente, mas que está bem lá no céu… eu quero dizer pra todos vocês, em nome deles reafirmo nosso compromisso em dar continuidade na luta do movimento indígena… agradeço em nome do Ivanildo Tenharin todo empenho lá fora (junto às instâncias de justiça), da nossa pequena Comissão para falar em nome do Povo Tenharin lá fora: Ivanildo, Antônio Enésio, Valeriano, Marinho, Angélisson e Nilcélio Jiahui, porque depois que nós encostamos um pouco ele tocaram a luta, falando em defesa do Povo Tenharin…

Quero falar com muita tristeza, mas também com muita alegria, que pra nós que estávamos sendo atingidos por tudo isso, tinha acabado tudo… descobrimos que apesar dos grampos de nosso face, internet, do sofrimento de nossas crianças e idosos, de estarmos cercados por militares por todo lado, de nosso cansaço físico e mental, isolados de tudo na Transamazônica, desmobilizados… 

Eu quero fazer uma denuncia aqui… cada cabeça das lideranças do Povo Tenharin custa meio milhão de reais… estão na linha de ameaça Aurélio Tenharin, João Sena, cacique João Bosco, Ivanildo, Antônio Enésio e Marinho… essas lideranças estão ameaçadas de morte e tem muita gente grande por trás disso, de grande interesse na região…  Mas a gente não se intimidou com isso não… ficamos triste, porque mesmo já tendo alcançado nosso direito ao Luz para Todos, ajudamos também o povo do Km 180 e nos pagaram dessa forma…

Nós estávamos recebendo pressão da polícia, da justiça, da sociedade e de grandes interesses como madeireiros, fazendeiros, garimpeiros… aqui nós estamos recebendo ameaças constantemente… hoje estamos aqui e amanhã podemos não estar mais porque eles ameaçam invadir as aldeias… Por isso quero dizer da grande importância da vinda de vocês… a sociedade condenou o Povo Tenharin… hoje o Tenharin é visto como monstro, como criminoso mas não é… por isso meus parentes, de todo coração, ajudem nós porque a nossa cabeça acabou… nós não temos concentração de idéias, porque e difícil… até a comunicação nossa foi bloqueada, nós fomos violados, fomos condenados e onde nós falamos assim – vivemos num País democrático, num País livre, de liberdade de expressão, mas não dão oportunidade pra gente falar o que está acontecendo com nós…

Nós não tínhamos este direito de falar…só a mídia condenando a gente…(lágrimas escorrem por sua face e junto com ele quase todos e todas presentes)… É por isso que agradeço à nossa Comissão que teve coragem de colocar sua cara a tapa e levar essa mensagem pra vocês… ela foi levada pra vocês (pausa)… nós pedimos pra eles procurar as pessoas pra nos ajudar… mas tínhamos uma coisa em nossa vida – Esperança… porque nós não queríamos ver mais nossas crianças dormirem no mato… tinha muitas crianças, velhinhos e mulheres machucadas… esse desabafo que estou fazendo aqui é para me fazer bem, porque como liderança, todos nós Tenharin perdemos nossa liberdade… por isso vocês que são nossos porta vozes, apoio, que se identificam a nós, queremos que tragam mais lideranças indígenas pra ver nossa realidade… porque até alguns parentes discriminou a gente, porque a sociedade não-indígena jogou outros parentes contra nós, chegaram a dizer que não iriam pagar o pecado dos Tenharin… é muito difícil isso… os nosso inimigos têm nome e sobrenome: madeireiros, garimpeiros, fazendeiros e a bancada ruralista.

Eu quero nossas crianças assim, correndo, brincando alegres… agora que elas estão voltando ao normal… desejo que a Comissão e a Coordenação de nossa associação trabalhem pela Justiça com o Povo Tenharin… porque a ída de nossa Comissão a Brasilia no final de junho foi nosso ultimo grito de socorro, porque tinha esgotado tudo, tudo… onde nós falamos pras nossas lideranças, essa é nossa última tentativa, depois dessa não tem mais não… Brasília é a ultima instância de colocar a realidade do Povo Tenharin… agradeço aos que acompanharam nosso sofrimento e não nos abandonaram… Por isso agradeço ao CIMI pela parceria jurídica que está ajudando em nossa defesa… eu tenho certeza que Justiça será feita e nós ainda vamos realizar nossa festa tradicional Mboatawa e vamos empossar o Gilvan como nosso cacique tradicional em breve… mas para que isso aconteça precisamos da força de todos vocês que acreditam na Justiça e do Movimento Indígena“.

Dona Margarida. Fotos de Márcia Mura, Lucas e Tanan Maciel Mura
Dona Margarida. Fotos de Márcia Mura, Lucas e Tanan Maciel Mura

Dona Margarida Tenharin diz que toda essa angústia, que não é só de hoje, mas que apesar disso tudo, aposta muito nas novas lideranças, na juventude, que eles são guerreiros e estão preparados…

“eu quero enxergar para frente, apesar de tudo que estamos passando… agora se nossos antepassados, que nem entendia direito fizeram de tudo para termos esta terra (na época nós crianças e jovens não entendia nada)… nós não vamos ficar intimidado com tentativa do governo de acabar com nossas terras, com nossos povos… por isso nossos jovens que são guerreiros vão continuar nessa luta… nisso eu acredito…

Eu acredito no espírito, na voz do nosso passado… isso eu acredito e nós vamos vencer… Meu pai lutou muito por muitas etnias na frente de contato, isso eu vi… a gente resistiu… por isso muito mais daqui pra frente a gente vai resistir… por isso eu falo com nossos jovens, com as mulheres que estão aqui e em nome das mulheres… nós não vamos ficar de cabeça baixa, porque estamos falando na voz do passado e do momento… isso a gente vai conseguir sim com a ajuda de todos os parentes e amigos… Se tem Justiça nesse País queremos que ela não olhe para os povos indígenas só pra dizer que é monstro ou assassino, mas que veja que quem invadiu nossos territórios sagrados foi o governo com rodovia e depois garimpo e madeireiro… se tem algum culpado pelos conflitos com povos indígenas no Brasil este é o próprio governo brasileiro… ninguém nos descobriu porque o Brasil sempre foi antes do invasor, dos povos indígenas, então exigimos respeito do governo brasileiro…

Quando eu falei com Comissão da Verdade eu falei que conflito poderia acontecer, mas governo fingiu que estava cego e nada fez… Não vamos ficar de braços cruzados, vamos cobrar sim nossos direitos e não vamos deixar passar uma grama de nosso direito, porque queremos o que nós temos direito e nada do direito dos outros… por isso vamos cobrar muito forte do governo, por isso vamos começar agora a cobrar nossos direitos… a energia gerada nesta assembléia vai nos levar pra frente…“.

Os representantes do Movimento Indígena e as entidades presentes – CIMI, IMV, IEB, CTL FUNAI, Equipe da CASAI de Humaitá, Mandato dep. Federal padre TON – assumiram o compromisso de levar este grito por Justiça aos Tenharin e Liberdade Já aos 5 indígenas presos por todos os cantos e meios, denunciando as forças do capital que agem na surdina criando conflitos para avançar na pauta da negação de direitos indígenas, a exemplo da PEC 215, Portaria da AGU 303, entre outros…

Documentos foram elaborados denunciando a situação e convocando a presença da Comissão Nacional de Direitos Humanos e da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas da Câmara Federal. Também serão convidados órgãos do Governo do Amazonas – SEIND e SEPRO – para discutir projetos de sustentabilidade, além de órgãos como MDA e MDS, que assumiram compromissos no processo de desenvolvimento de práticas produtivas para produzir alimentos e gerar renda.

18 de maio de 2014.

As crianças voltaram a sorrir, a brincar... O medo está passando... Fotos de Márcia Mura, Lucas e Tanan Maciel Mura
As crianças voltaram a sorrir, a brincar… O medo está passando. Fotos de Márcia Mura, Lucas e Tanan Maciel Mura

 

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