Cândido Grzybowski*, Ibase
Instituído pela ONU em 1972, na Conferência de Estocolmo, o dia 5 de junho é celebrado no mundo todo como o Dia do Meio Ambiente. Será que temos algo a comemorar? Nestes 42 anos a destruição ambiental no mundo só aumentou, apesar dos crescentes alertas. Só estamos ganhando em estudos, cada vez mais qualificados, e se difunde certa consciência dos riscos que significa estarmos ultrapassando vários dos limites dos interdependentes sistemas ecológicos que regulam a integridade do planeta Terra e da vida nele. Ao menos se instaura, mesmo devagar, a concepção de que é impossível pensar o econômico e social sem o ambiental, e vice-versa, o ambiental sem sociedades e economias. Estamos diante da emergência, no seio da cidadania, por um mundo de consciência socioambiental e lutas sociais por justiça socioambiental com grande potencial diante do sistema predador que temos.
Ações concretas e concertadas entre todos os povos para mudar as relações humanidade-natureza são constantemente proteladas, apesar de conferências e mais conferências internacionais de governantes e seus delegados. O mundo corporativo das grandes empresas, mais poderoso que a maioria dos Estados nacionais, se apega ao seu modelo de crescimento a todo custo, produtivista e consumista, destruidor do bem comum natural, socialmente concentrador e excludente. No máximo chega ao crescimento verde e ao capitalismo sustentável, com mais produção, mais globalização, privatização de comuns e mercantilização de tudo na natureza.
Hoje já sabemos que é praticamente inevitável a mudança climática com o aumento de, no mínimo, mais dois graus Celsius na temperatura média. Além disso, já cometemos uma enorme injustiça com futuras gerações, pois não lhes estamos legando um planeta com as mesmas condições que recebemos das gerações passadas. Que fazer? Claro, a responsabilidade é de todos. Mas nós, brasileiros e brasileiras, tendo em nossas mãos um enorme quinhão do planeta, de sua água potável e da biodiversidade existente, temos grande responsabilidade socioambiental diante de todos os povos. Porém estamos longe de exercê-la.
Neste dia do meio ambiente, em conversa com o amigo de projetos, imaginários e cumplicidades, Cunca Bocaiuva, como radicais democratas e gramscianos que somos, ficamos matutando sobre o quanto já cedemos em diferentes frentes, nisto que chamo de fase de democracia de baixa intensidade em que entramos. Aí veio a ideia do “basta de ceder”! E lembramos do “empate”, exatamente dos “empates” de Chico Mendes na floresta do Acre. O “empate” é um resultado de jogo sem vencedores. Mas um “empate” político na adversidade é até uma vitória. Afinal, barrar um processo de destruição da floresta por grileiros, latifundiários e capangas, com suas motosserras e tratores, através de uma muralha humana de seringueiros e famílias, chegou a ser vitória espetacular. A isto Chico Mendes, o homem da floresta, que pagou a vida pela sua determinação, chamou de “empate”. Para Gramsci, isto seria “trincheira”, donde adoto o que sempre escrevo como “trincheira cidadã”. O “empate” ou o “basta de ceder!” são ações ativas de cidadania no sentido de construir “trincheiras cidadãs” de resistência, de vitória hoje por impedir o avanço de forças inimigas e de conquista de terreno para avanços no amanhã.
Acho que “empates” é o que devemos começar a fazer na questão ambiental, aliás, quentíssima questão socioambiental, na conjuntura brasileira de hoje. Afinal, temos a crise da água, com a maior cidade do Brasil sob ameaça de racionamento radical deste bem comum vital. Temos a crise dos territórios urbanos e rurais entre “cidadania” e seu uso como base de expansão e acumulação capitalista. Temos perda constantes de biodiversidade nos vários biomas brasileiros. Temos sinais consistentes de que o aquecimento global já chegou, ao menos o calor do último verão e a falta de chuvas ninguém pode negar. O grito é “chega!”, é “basta!”. Precisamos, como cidadãs e cidadãos, construir “trincheiras” de resistência diante da ameaça que a volta de um desenvolvimentismo predador significa. A justificativa de que este vem para combater a imensa desigualdade social, a pobreza e a exclusão social não é suficiente para legitimar a continuidade e, pior, o aprofundamento de um desenvolvimentismo e de um extrativismo predadores do grande patrimônio natural, o qual cabe a nós garantir a integridade e a justiça socioambiental em sua utilização.
O “empate” ou o “basta de ceder!” de nós, cidadania deste país, se apresenta em várias frentes de destruição socioambiental inaceitável. Listo algumas destas frentes, sem querer ser exaustivo:
Não às prioridades econômicas acima das chamadas condicionantes socioambientais. Chega de mentiras sobre a necessidade de crescimento econômico acima de tudo para se fazer justiça social. A justiça é socioambiental, ou não é justiça;
Não a investimentos em projetos de infraestrutura, energia, mineração ou agricultura que tratem o socioambiental como externalidade e, no máximo, como custo compensatório. A dimensão socioambiental deve qualificar os empreendimentos de forma intrínseca ou a viabilidade de tais empreendimentos será comprometida por empates legais ou de legítima defesa do bem comum cidadão de todos que nos consideramos atingidos;
Não à lógica política dominante de desconstruir direitos para facilitar extrativismos (Código de Mineração, mudança na forma de demarcação de territórios indígenas, conivência com desmatamentos e falta de real fiscalização, facilitação na liberação de agrotóxicos e transgênicos, imposição de grandes projetos de hidroelétricas e exploração do petróleo sem consulta prévia);
Não à lógica privatizante nas cidades, com investimentos públicos em infraestrutura visando a “valorização” de certas áreas e a expansão dos negócios imobiliários, com remoções e negação do direito à cidade para populações de favelas e periferias;
Chega da falta de projeto de cidade como bem comum, para toda a cidadania, com mobilidade, segurança, saneamento, urbanização e potencialização de todas as formas de cidade;
Basta de estimular a produção e compra de carros individuais. As nossas cidades não podem ser pensadas para carros, mas para as pessoas circularem, conviverem e compartirem;
Queremos o cuidado como princípio básico nas nossas relações, entre nós mesmos e com a natureza;
Penso que, para começar a construção de “trincheiras cidadãs”, tendo em vista “empatar” a destruição atual e, mais, um horizonte de transição do atual modelo de desenvolvimento para paradigmas socioambientais de justiça e de sustentabilidade, esta agenda é consistente e razoável. Ela pode conquistar corações e mentes necessários para se criar um movimento cidadão irresistível e fazer o impossível acontecer. São reflexões do Dia Mundial do Meio Ambiente, mas reflexões com pé no chão, no Brasil das múltiplas insatisfações e insurgências neste contexto de Copa de Mundo e de eleições que se avizinham.
*Cândido Grzybowski, Sociólogo, diretor do Ibase.