Conforme pode ser visto na foto acima, no dia de Natal de 2013, manifestantes incendiaram o barco e os carros da Funai, além de destruírem parcialmente seu prédio e o Polo de Saúde Indígena, em Humaitá. Cerca de 150 indígenas que estavam ou moravam na cidade foram obrigados a se refugiar no 54º BIS, por quase uma semana, sendo levados de volta às suas aldeias com segurança militar. Dois dias depois do Natal, houve ataque aos postos de pedágio, com queima inclusive de algumas cabanas. Numa das aldeias, alguns dos atacantes chegaram a passar a noite acampados à beira da estrada, enquanto as famílias indígenas se viam obrigadas a se esconder na mata. Até que o Ministério Público Federal agisse em contrário, uma verdadeira campanha de ódio e de incitamento à violência aconteceu na cidade e na vizinha Apuí. É exatamente nesse cenário que a Justiça Federal pretende seja realizado o julgamento? No mais, as declarações do advogado reproduzidas abaixo dizem tudo. Que Justiça é essa? (Tania Pacheco).
Por Elaíze Farias, em Amazônia Real
O juiz federal Umberto Paulini, da 2ª Vara Criminal do Amazonas, declinou da competência de analisar a denúncia e julgar os seis indígenas da etnia tenharim acusados de matar três homens na terra indígena Tenharim Marmelos, no sul do Amazonas.
O crime foi investigado pela Polícia Federal e o processo tramitava na esfera federal havia cinco meses. A mudança de competência foi confirmada nesta quinta-feira (15), quando o juiz Umberto Paulini negou um recurso impetrado pelo Ministério Público Federal (MPF) pedindo a reconsideração da decisão, tomada no dia 6 de maio.
Seis índios foram denunciados pelo MPF no Amazonas no último dia 30 de abril pelo crime de triplo homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e sem chance de defesa). Entre os réus está o líder indígena Aurélio Tenharim.
À agência Amazônia Real, o procurador da República, Edmilson Barreiros, um dos autores do recurso contra o declínio da competência pelo Ofício Criminal, afirmou que vai requerer cópia do processo antes do traslado para pedir a revisão da decisão do juiz ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
O juiz Umberto Paulini foi procurado pela agência Amazônia Real para uma entrevista, mas ele não quis comentar sua decisão alegando que o processo tramita em segredo de justiça. A reportagem também procurou a Defensoria Pública da União (DPU), que defende os indígenas na esfera federal, mas os defensores não responderam ao pedido de informações.
O advogado das famílias dos três homens mortos, Carlos Evaldo Terrinha, disse à agência Amazônia Realque a decisão do juiz Umberto Paulini foi “um prêmio na loteria”.
“Todo o inquérito foi realizado em Humaitá, então o julgamento vai ser lá. Assim as famílias vão pressionar todo o corpo de jurados e o juiz. Quero que realmente seja lá e que os índios peguem cem anos de prisão”, disse Terrinha.
O advogado das famílias dos três homens mortos informou à Amazônia Real, após ler a decisão, que o juiz declinou de julgar porque entendeu que as mortes não ocorreram por motivos de conflito indígena, mas sim como um ato de vingança. Ele se refere ao fato de, conforme consta no inquérito da Polícia Federal, os indígenas terem matado os três homens por vingança pela morte de Ivan Tenharim, pai de dois dos acusados e uma das principais lideranças da etnia.
“O juiz considera que a competência deve ir para a justiça comum do Estado do Amazonas e que o julgamento ocorra em Humaitá, onde toda a comunidade sofreu o abalo com esta vingança”, disse Terrinha.
Condenação prévia
Para o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Norte 1, Francisco Loebens, a decisão pode ter consequências prejudiciais aos indígenas tenharim e estimular o ódio coletivo contra a etnia. Ele disse que “há um risco enorme do julgamento na esfera estadual não ter isenção”.
“Esse julgamento vai se dar em uma sociedade local que já se manifestou contra os indígenas. Já existe uma condenação prévia”, disse. Loebens afirmou que vai discutir o assunto com o corpo jurídico do CIMI para que, caso a decisão do juiz não seja revertida, o julgamento ocorra na capital amazonense, Manaus.
Segundo o MPF, com base em inquérito da Polícia Federal, Stef Pinheiro, Luciano Freire e Aldeney Salvador foram mortos a tiros e enterrados em uma cova nas imediações da aldeia Taboca no dia 16 de dezembro na Terra Indígena Tenharim-Marmelos.
Os réus são os indígenas Gilson Tenharim, Gilvan Tenharim, Valdinar Tenharim e Simeão Tenharim e Domiceno Tenharim. Eles estão presos desde o final de janeiro em uma cadeia de Rondônia. Outro acusado pelos crimes é Aurélio Tenharim, umas das principais lideranças indígenas da etnia tenharim. Os indígenas negam que tenham assassinado os três homens.
Segundo o inquérito coordenado pelo delegado Alexandre Alves, da Polícia Federal, os corpos foram encontrados após buscas de uma força-tarefa no dia 3 de fevereiro de 2014. Os três homens foram mortos, conforme a PF, por motivo de vingança pela morte do cacique Ivan Tenharim, também em dezembro.
Desde que assumiu a defesa, a DPU tentou duas vezes soltar os cinco indígenas em duas instâncias, sem sucesso. O primeiro habeas corpus foi impetrado no TRF1. O segundo, foi impetrado no Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Os defensores aguardam o julgamento do mérito no TRF1.
Antes da prisão, o advogado Ricardo Albuquerque, advogado da etnia tenharim, tentou obter, na Justiça Federal, habeas corpus preventivo para os indígenas e não foi atendido. A reportagem não conseguiu contato com Albuquerque nesta quinta-feira.