Essa é uma história de horror. Uma estranha mistura de envolvimento de um médico candidato a psicanalista com a tortura, e mais a conivência, cumplicidade e covardia de entidades psicanalíticas
Amilcar Lobo, em novembro de 1968, inscreve-se como candidato à formação analítica na Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ), uma das entidades ligadas à International Psychoanalitical Association (IPA). Queria ser psicanalista. No final de 1969, forma-se em Medicina, presta serviço militar no Exército e, no início de 1970, passa a servir no DOI-CODI do Rio de Janeiro. Isso mesmo: servir ao aparato da repressão, ser um dos executores do terror.
E continua sua formação psicanalítica. Até 1974, por longos quatro anos, “dá assistência” aos presos políticos antes, durante e depois das sessões de torturas. Atende pelo nome de Dr. Carneiro – será que há alguma explicação psicanalítica para o codinome? Talvez Freud explicasse. O lobo e o cordeiro, desculpem, carneiro.
Antes, faz “prevenção”: indaga sobre alguma doença, pergunta do coração, se há algum problema cardíaco, ausculta, tenta descobrir quais os limites do preso, qual o seu provável grau de resistência, quem sabe tente fazer um perfil psicológico – afinal, está fazendo formação para analista. Domina alguma coisa da alma humana, ou pretende dominar. Um laboratório, estranho laboratório para a formação de uma analista.
Durante, testa até que ponto a vítima pode aguentar o suplício. Acompanha os choques, o pau-de-arara, a pancadaria, a selvageria. Olha com atenção o estado do preso: é assistente da tortura, em duplo sentido. Está fazendo sua formação para analista naquele laboratório do terror. (mais…)