E chega-se ao fim do ano com o País perplexo, mergulhado em múltiplos impasses e crises em vários setores institucionais, políticos e sociais, sem vislumbrar de onde possam vir soluções – para o Executivo, o Legislativo, o Judiciário, os sistemas eleitorais, as políticas econômicas e sociais, quase tudo.
Por Washington Novaes, em O Estado de S.Paulo/EcoDebate
Pode-se começar pelo imbróglio mais recente: a decisão do Congresso Nacional de anular a sessão do dia 2 de abril de 1964, que declarou a “vacância” na Presidência da República e assim cassou, na prática, o mandato do então presidente João Goulart e sustentou o golpe militar e tudo o que foi consequência dele. Sem precisar entrar no mérito da decisão política, pode-se, entretanto, perguntar: e quanto a todas as decisões econômicas e políticas tomadas pelos que ocuparam o poder nos anos seguintes e que atingiram também outras pessoas? São contestáveis, têm consequências? Juristas têm argumentado com a chamada “teoria do governo de fato”, que legitimaria o que veio depois – quando nada, pela dificuldade de arguir qualquer nulidade e pelo fato de a Constituição de 1988 haver legitimado o que a antecedeu: como indenizar os prejudicados, suas famílias e herdeiros? Como repor os mandatos de quem foi cassado? E assim por diante.
Chega-se ao capítulo seguinte, das divergências entre o Judiciário e o Congresso, a respeito de doações de empresas para financiamento de partidos e campanhas eleitorais. Dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), 4 já votaram pela inconstitucionalidade das doações de empresas – o que, se aprovado pela maioria dos ministros, já impedirá em 2014 as doações (“imorais”, segundo o ministro Luís Roberto Barroso; e representam 98% do financiamento de campanhas). Mas partidos políticos e líderes no Congresso não aceitam a restrição e dizem que a anularão, se for preciso. A maioria deles parece caminhar para reformas políticas que assegurariam às principais lideranças a reeleição, ao instituir um sistema em que grande parte da votação da legenda se destinaria exatamente à eleição dos líderes partidários escolhidos para encabeçar as listas de candidatos, independentemente dos votos que cada um obtenha nas urnas. Um conflito entre os Poderes mais altos, Judiciário e Legislativo. Quem o decidirá? E como? Vigorará ou não a proibição de que empresas concessionárias ou permissionárias do poder público contribuam para as campanhas? Até aqui, o PSOL já disse que lançará candidato à Presidência e apoia a proibição de contribuições empresariais. E ao eleitorado, vai-se perguntar?
Mas tudo se pode agitar mais com o anúncio de que em 2014, finalmente, se vai chegar, depois de uma década, ao julgamento do chamado “mensalão mineiro”, exatamente sobre financiamentos eleitorais (no mínimo) a membros do principal partido de oposição ao poder central, o PSDB. E para complicar o ex-secretário do Ministério da Justiça lança em livro depoimento em que acusa a própria pasta, na segunda gestão Lula, de favorecer a “fabricação” de dossiês contra seus adversários. Não bastasse, afirma que o próprio ex-presidente Lula, no seu tempo de dirigente sindical, era “informante” do Dops, regido pela ditadura militar. É muita confusão para uma área política só e para a cabeça do eleitor, que ainda vê, de longe, as discussões sobre espionagem dos órgãos secretos norte-americanos. E que, incrédulo, se pergunta se potências como os EUA, a Rússia ou a China deixarão de fazê-la, por algum caminho.
Nem a velha paixão pelo futebol escapa à confusão, quando, já atônito com as notícias de corrupção na área – agora dominada por dirigentes e empresários que sobrepõem seus interesses particulares aos dos torcedores -, o cidadão toma conhecimento de uma decisão do mais alto tribunal de Justiça Desportiva que rebaixa times em lugar de outros, no nível mais alto desse esporte. Então tudo se decide, também aí, no “tapetão”, como bradam os torcedores de times atingidos?
Só que não diminuem as preocupações quando se vai para os setores econômico e social. Um em cinco jovens brasileiros entre 15 e 29 anos de idade – ou 19,6% – não estuda nem trabalha, segundo os últimos estudos divulgados (Estado, 30/11). São a geração “nem-nem”. E com certeza influenciam para que as taxas de desemprego no País continuem abaixo de 5%, apesar da queda de atividades econômicas. A taxa de empregos criados em 11 meses deste ano é a menor desde 2003. Mas é alto o número dos que não procuram emprego e de idosos que se retiram e, assim, contribuem para o baixo desemprego.
A perplexidade social – que ainda é alimentada pelos dramas da mobilidade urbana, pela ausência de macroplanos para cidades -, entretanto, parece não encontrar até aqui caminhos para se expressar e influir na política. Os protestos estimulados pelas redes sociais encolheram-se, reduziram-se, no momento em que tantos analistas – inclusive em artigos nesta página – já pareciam mostrar que a falta de projetos políticos para tornar viáveis suas reivindicações levara à exaustão. Mesmo na melhor das hipóteses, de produzirem mudanças de governos nos níveis mais altos, conduziam aos mesmos impasses, como já vem ocorrendo no Norte da África, no Oriente Médio e na Ásia.
Por aí, nossas crises, que parecem tão localizadas, parecem inserir-se no quadro geral das crises planetárias, que abrangem a política, a economia, os recursos naturais, as desigualdades sociais – tudo, independentemente de otimismo ou pessimismo. A concentração, nos países “desenvolvidos”, de quase 80% da renda mundial, assim como de igual porcentagem de consumo de recursos, continua, como uma sombra, a escurecer toda a paisagem. E para elas damos a nossa contribuição. Mas países, empresas, pessoas continuam presos a lógicas que os beneficiam. E não se caminha, a não ser com acordos que apenas evitam ou adiam rompimentos.
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*Washington Novaes é jornalista. E-mail: [email protected]. Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo e reproduzido pelo EcoDebate, 30/12/2013.