Por Elaíze Farias, em Amazônia Real
Enquanto se discute atualmente um Projeto de Lei no Senado (PL 626/2011) que visa autorizar o plantio de cana em áreas alteradas, cerrado e campos gerais da Amazônia Legal, uma empresa localizada no município amazonense de Presidente Figueiredo (a 107 quilômetros de Manaus), que já desenvolve esta cultura há quase 20 anos, vem sendo alvo de denúncia na Justiça Federal sob a acusação de causar danos ambientais, à atmosfera, impactar a fauna silvestre e levar prejuízos à saúde pública.
A Agropecuária Jayoro Ltda, que fornece matéria-prima para a empresa Recofarma Indústria do Amazonas Ltda, subsidiária da multinacional Coca-Cola, foi denunciada há três anos pelo Ministério Público Federal do Amazonas. A direção da empresa nega as acusações.
Uma liminar da Justiça Federal acatou parcialmente a ação civil pública ajuizada originalmente pelo Partido Popular Socialista (PPS), em 2010, e assumida posteriormente pelo MPF. A liminar exigiu que a Jayoro praticasse a queima de palha da cana-de-açúcar controlada. Com a decisão, a empresa ficou proibida de queimar 75% da safra.
Em abril de 2013, MPF moveu uma outra ação reforçando a denúncia anterior contra a Jayoro. Em novo processo, o Ministério Público Federal do Amazonas reiterou pedido para que o Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas) se abstivesse de conceder licenciamentos ambientais para Jayoro e passasse a prerrogativa para o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente dos Recursos Naturais Renováveis).
O MPF também pleiteou na ação uma indenização por dano moral coletivo devido aos riscos à saúde das comunidades vizinhas ao canavial. O processo tramita na 7ª Vara Federal, especializada em matéria ambiental e agrária. Está na fase final de análise, aguardando sentença.
Substâncias químicas
Segundo informações do processo iniciado em 2010, ao qual o Amazônia Real teve acesso, testemunhas ouvidas confirmaram ter sofrido danos à sua saúde respiratória. Há relatos de uso de substâncias tóxicas, cujos impactos se estenderam às plantações de agricultores assentados vizinhos do terreno da empresa Jayoro.
Na semana passada, a reportagem entrou em contato com um morador de Presidente Figueiredo, o apicultor e indigenista Egydio Schwade, que mora no município há mais de 30 anos. Ele disse que dois anos atrás viu pequenos aviões lançando substâncias químicas no canavial e que o cheiro do produto era “sentido de longe”.
Schwade contou que tentou produzir mel no terreno de alguns agricultores próximo à empresa, mas desistiu pelo temor de ter sua produção prejudicada. “Achei muito perigoso, tirei as abelhas de lá e acabei saindo. Não queria vender um mel contaminado”, afirmou.
O apicultor não voltou mais ao local e diz não saber se o produto químico continua sendo utilizado pela empresa. “Volta e meia a gente ouvia os funcionários falar de pessoas doentes, com problemas respiratórios e até com doenças mais graves. Geralmente era um pessoal de lá de dentro da fábrica que falava. Não sei como está hoje”, disse Egydio Schwade.
Fiscalização incerta
O diretor da Agropecuária Jayoro, Camillo Pachikoski, contou ao portal que a empresa deixou de queimar palha de cana-de-açúcar desde 2010 e que, por este motivo, “a ação perdeu seu objeto” e o tema virou “notícia velha”. E, que, mesmo na época em que a queima existia, ela era autorizada por órgãos ambientais.
Segundo o Ipaam, o atual licenciamento da Jayoro tem validade até 2015. As licenças dependem do cumprimento das condicionantes da licença anterior. A última foi composta de 13 restrições. Uma delas é a regularização ambiental do imóvel. O Ipaam não informou as outras 12.
A reportagem tentou obter informações sobre o acompanhamento que o Ipaam vem realizando na empresa desde a última fiscalização que consta nos autos do processo na Justiça Federal, com data de 2010, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.
De acordo com o relato encontrado em um documento anexado no processo, fiscais do órgão ambiental identificaram “uma fumaça negra” no canavial e confirmaram denúncia feita por moradores de que um curso d´água nas proximidades foi desviado, situação que interferiu no fluxo do recurso hídrico da propriedade vizinha. Esta situação, segundo relatou o MPF, foi encontrada “mesmo com a queima controlada” determinada pela liminar judicial.
Em contato com o Ipaam por meio da assessoria do órgão, a reportagem do Amazônia Real tentou obter, também sem resposta, dados sobre as fiscalizações mais recentes que atestassem o fim da queima de palha e o uso de substâncias tóxicas, conforme alega a empresa, e o documento da última visita ao local.
Impasse no licenciamento
O processo do MPF encontra oposição não apenas da empresa Jayoro, por motivos óbvios, mas também do Ipaam e até mesmo do Ibama. O órgão federal, conforme consta nos autos, diz que não é de sua competência expedir licenciamento para a atividade da Jayoro.
A posição foi reiterada pelo superintendente do órgão no Amazonas, Mário Reis, na semana passada ao Amazônia Real. Segundo Reis, a posição do Ibama “continua a mesma”, por questão legal de competência.
“Tanto a legislação anterior como a atual, a Lei Complementar 140/11, define com muita clareza que não cabe a União (Ibama) a competência para o presente caso e sim o órgão estadual ( LC 140/2011, art. art. 7º e art.8º, XIII, XIV, XVI “b” e “c”, art. 13”, disse Reis.
O Ipaam não se manifestou sobre o assunto, embora nos autos do processo o órgão estadual reitere sua intenção de continuar sendo responsável pelos licenciamentos.