O líder seringueiro acreano, Chico Mendes, tinha 44 anos e uma história de lutas em defesa da floresta e de seus povos, quando foi assassinado na porta de sua casa em Xapuri. Uma de suas bandeiras era a criação de Reservas Extrativistas (Resex) na Amazônia
Vinte e cinco anos se passaram desde o assassinato de Chico Mendes em Xapuri, em 22 de dezembro de 1988. Seu legado foi lembrado nesta quinta-feira, 19/12, em seminário de final do ano do ISA. O antropólogo da Unicamp, Mauro Almeida, que trabalhou com Chico Mendes, fez um breve histórico sobre a articulação que se iniciou na década de 1970 e na década de 1980 reuniu dois movimentos distintos. De um lado, índios, seringueiros e povos tribais e de outro movimentos ecológicos urbanos que criticavam a poluição, a contaminação por agrotóxicos entre outras questões ambientais. Ambos convergiam para a destruição desenfreada do meio ambiente causada pela globalização. De sua parte, índios e seringueiros mostravam que era possível viver dos recursos naturais sem detonar a floresta.
Um marco no movimento dos povos da floresta foi a realização, em Brasília, em 1985, do I Encontro Nacional de Seringueiros de onde sairia uma declaração de princípios com uma lista de reivindicações sociais e econômicas. “Um dos itens da declaração era a Reforma Agrária e foi então que se usou, pela primeira vez, a palavra Reserva Extrativista”, conta Mauro Almeida.
As Reservas Extrativistas tem como base o uso coletivo da floresta e se contrapunham ao processo de regularização fundiária que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) realizava na Amazônia. De acordo com Mauro Almeida, elas se inspiraram nas Reservas Indígenas, como eram chamadas as Terras Indígenas na época. Hoje, as Reservas Extrativistas (Resex) que Chico Mendes defendeu são mais de 50, totalizando cerca de 10 milhões de hectares. A primeira delas foi a Resex do Alto Juruá, criada em 1990, no Acre, dois anos depois da morte dele.
Criação das Resex permitiu aos extrativistas a posse efetiva e o uso das áreas
A criação das Resex permitiu aos extrativistas a posse efetiva e o uso das suas áreas, antes controladas por empresários seringalistas. Embora nunca o modelo tenha sido implementado na íntegra e inúmeras demandas esperam para serem atendidas, e ainda que seja ínfimo o investimento das políticas oficiais na produção extrativista, as Resex respondem por parte importante da demanda por fibras, resinas, essências, óleos, frutas e drogas largamente utilizadas pela população da Amazônia e de outras regiões.
De acordo com o Censo Agropecuário do IBGE, de 2006, mais de 350 mil famílias viveriam do extrativismo em todo País. Deste total, segundo estimativa do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em torno de 65 mil famílias morariam em 77 Unidades de Conservação federais de uso sustentável. Ocorre que não existem dados oficiais consolidados de populações extrativistas para todas as UCs federais, estaduais e municipais.
A partir do encontro dos seringueiros, quando se criou também o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), os extrativistas da Amazônia passaram a fazer propostas políticas para o uso da floresta. “A criação de várias Resex entre 2004 e 2008 foi um avanço importante, embora muitas não estejam regulamentadas. É preciso reconhecer que elas são patrimônio do País”, diz Mauro Almeida.
“Chico Mendes tinha o espírito aberto e tinha vários aliados no Brasil e no exterior. Petista e sindicalista, era oposição dentro da Central Única dos Trabalhadores (CUT)”, conta Mauro.
”Seu maior legado foi dar visibilidade aospovos que sempre estiveram à margem da sociedade”. Naquela época, ninguém falava em açaizeiros, seringueiros”.
A luta de Chico Mendes
Assassinado por mobilizar os trabalhadores rurais do Acre em defesa da floresta amazônica, Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, foi seringueiro, sindicalista, parlamentar e ecologista reconhecido mundialmente. A partir de sua luta, foram criadas as primeiras Reservas Extrativistas (Resex) do Brasil, que, mais tarde, transformaram-se em modelo internacional da preservação do meio ambiente como forma de inclusão social.
Chico nasceu em 15 de dezembro de 1944, no seringal Porto Rico, em Xapuri (AC), e, ainda criança, começou a acompanhar seu pai no trabalho de extração da borracha. Aprendeu a ler e escrever somente aos 24 anos de idade. Iniciou sua vida política nos anos 1970, quando liderou os famosos “empates”, mobilizações pacíficas em que um grande número de seringueiros, trabalhadores, índios e pescadores desarmados, com suas mulheres e filhos, davam-se às mãos no meio da selva ou na beira dos rios para impedir a derrubada das árvores.
Também nos anos 1970, período mais negro do regime militar, participou da fundação de alguns sindicatos de trabalhadores rurais do Acre. Em 1977, foi eleito vereador para a Câmara Municipal de Xapuri pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Pouco depois, foi acusado de subversão e torturado por realizar vários debates entre seringueiros, índios, sindicalistas, religiosos e ativistas.
Enquadrado várias vezes na Lei de Segurança Nacional da ditadura militar, a pedido de grandes fazendeiros e empresários, também foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT). A partir daí, passou a sofrer constantes ameaças de morte. Em 1985, participou da fundação do Conselho Nacional de Seringueiros e depois de sua proposta pela “União dos Povos da Floresta”, seu trabalho passou a ser internacionalmente conhecido.
Em 1987, depois de receber a visita de representantes da ONU, Chico Mendes foi ao Senado dos EUA para denunciar o financiamento internacional de projetos de devastação das florestas brasileiras. As denúncias fizeram com que os projetos fossem suspensos e Chico foi acusado por fazendeiros e políticos de prejudicar o “progresso” do Estado do Acre. Meses depois, o seringueiro começou a receber várias homenagens nacionais e internacionais, como, por exemplo, o Prêmio Global 500, oferecido pela ONU.
No dia 22 de dezembro de 1988, Chico Mendes foi assassinado por Darci Alves Pereira a mando do fazendeiro Darly Alves da Silva. Dois anos depois, ambos foram condenados a pena de 19 anos de reclusão. Ambos estão, hoje, em liberdade.
A partir do caminho aberto por ele, outras organizações de pequenos produtores extrativistas surgiram, assim como mudanças consideráveis no tratamento oficial das questões ambientais no Brasil e em outros países. A visão inédita e transformadora de Chico aglutinou – dentro e fora do Brasil – movimentos e tendências ambientalistas e impulsionou a luta dos povos da floresta.
Em 2003, Chico Mendes foi homenageado pelo Ministério do Meio Ambiente, à época conduzido pela senadora Marina Silva, com a criação do Prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente , conferido anualmente. Também em 2004, no Acre, sua luta ficou marcada com a criação do Prêmio Chico Mendes de Florestania e em 2013, aconteceu a primeira edição do Prêmio Chico Mendes de Jornalismo.