Fabíola Ortiz, O Eco
“Nós indígenas que moramos dentro da floresta não queremos usinas, somos contra as hidrelétricas”, este foi o apelo feito por Josias Munduruku, ou Paygot Muyatpu em sua língua materna. Ele lidera o grupo de guerreiros dos Munduruku que está esta semana, em Brasília, realizando uma série de protestos pela revogação da Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU). Eles reivindicam ainda a demarcação da Terra Indígena Munduruku no Médio Tapajós e são contra as usinas hidrelétricas nos rios Teles Pires e Tapajós.
Muyatpu tem 38 anos e é da aldeia Karoçal, no rio das Tropas. Ele e outros 20 guerreiros e 10 caciques Munduruku percorreram mais de dois mil quilômetros ao longo de três dias de viagem de ônibus de Itaituba, no Pará, até chegar à Brasília para se reunir com representantes do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
A semana tem sido intensa para este povo que teme os impactos que poderão ser gerados pela construção da UHE São Luiz do Tapajós com uma potência estimada de 6.133 MW.
Contudo, esta usina não será a única, estão previstas ainda as usinas Jatobá também no rio Tapajós; Jamanxim, Cachoeira do Caí e Cachoeira dos Patos (no rio Jamanxim). Sem contar a de Teles Pires e a de São Manuel. No total, o complexo hidrelétrico terá capacidade instalada para gerar 10.682 MW, próximo do esperado para Belo Monte, no rio Xingu, que tem previsão de capacidade de 11.233 MW.
O plano da Empresa de Pesquisa Energética, do governo, estima que todas essas hidrelétricas ficarão prontas entre 2017 e 2020.
A usina de São Manuel teve seu leilão suspenso nesta última quarta, 10 de dezembro. A data marcada para o leilão seria essa sexta-feira, dia 13. A decisão da justiça federal do Mato Grosso atendeu à proposta do Ministério Público Federal do Pará que pedia a suspensão do leilão até que fosse julgado o mérito sobre a nulidade da licença prévia ambiental da usina. A multa pelo descumprimento da decisão é de R$ 500 mil por dia.
Protestos em Brasília
Ao longo do rio Tapajós, cerca de 13.000 indígenas do povo Munduruku poderão ser afetados pela construção das hidrelétricas. A maioria vive na Terra Indígena Munduruku já demarcada no Alto Tapajós, mas existem outros grupos que vivem em aldeamentos ao longo do Médio Tapajós próximo à Itaituba, cidade de cerca de 100 mil habitantes. E são estes que, por não terem o título da terra, estão ameaçados de serem removidos, pois por não serem demarcadas não há impedimento para que as áreas que ocupam fiquem na rota dos alagamentos causados na construção da barragem, especialmente a de São Luiz do Tapajós.
Na quarta, 10 de dezembro, os 30 representantes dos Munduruku fizeram um ato de protesto em frente à sede da Advocacia Geral da União (AGU), em Brasília, contra as usinas nos rios Teles Pires e Tapajós e para pedir ainda a revogação da Portaria de n° 303.
A Portaria publicada pela AGU, no dia 16 de julho de 2012, regulamenta a atuação dos advogados públicos e procuradores em processos judiciais envolvendo a demarcação de TIs em todo o país. Segundo a AGU, o objetivo da publicação é o de assegurar a estabilidade jurídica em ações sobre o tema.
No entanto, esta norma permite que a União instale equipamentos dentro das reservas, desde redes de comunicação, estradas e vias de transporte, até construções necessárias à prestação de serviços públicos pelo Estado, especialmente os de saúde e educação.
Os indígenas também estiveram na noite de terça, 9, e na quarta-feira, 10, na Câmara dos Deputados para protestar contra a criação da comissão especial para analisar a Proposta de Emenda Constitucional 215. Esta PEC transfere do governo federal para o Congresso a atribuição de aprovar a demarcação de terras indígenas. Caso seja aprovada a PEC 215, os processos de formalização de áreas protegidas poderão ser paralisados.
Áreas protegidas no Tapajós
Ao longo rio Tapajós existe uma mancha verde que compreende várias Unidades de Conservação – o Parque Nacional da Amazônia; a Floresta Nacional (Flona) Itaituba I e II; a Área de Proteção Ambiental (APA) do Tapajós; as Flonas do Crepori e do Jamanxim; e os Parques Nacionais do Jamanxim que ocupa as duas margens e o do Rio Novo está no seu alto curso.
Sem a posse definitiva da terra, as aldeias do Médio Tapajós correm risco de ser removidas e, em seguida, inundadas para a construção das UHE São Luiz do Tapajós e Jatobá.
“Lá é um lugar sagrado dos antigos ancestrais, tem a marca de nossos antepassados. É preciso manter para não ser alagado. Viemos reivindicar, o governo tem que atender ao nosso pedido”, disse a ((o)) Eco Muyatpu.
O líder dos guerreiros foi à Brasília para apoiar especialmente a causa de uma pequena aldeia no Médio Tapajós onde vivem apenas 20 famílias chamada Sawre Muybu. Eles estão ameaçados de remoção, pois a terra onde vivem deve ser alagada para a construção da UHE São Luiz do Tapajós.
“Viemos para apoiar a demarcação da área. Eles são nossos parentes, amigos e precisam. Somos guerreiros e a história dos Munduruku é longa. A gente luta para ter voz através da nossa língua, cultura e dos cânticos. Temos que reivindicar o direito à terra, só queremos a demarcação da área de nossos parentes”, disse Muyatpu. “Estamos preocupados porque vai alagar a nossa mãe natureza, os peixes vão sumir. A gente quer ser ouvido, mas o governo não quer ouvir a gente”.
Direito de consulta
Na opinião do secretário executivo do CIMI, Cleber César Buzatto, a Portaria 303 da AGU limita o direito dos povos de acesso e usufruto ao seu território, bem como seu direito de consulta aos empreendimentos.
“A pauta central é que o governo reconheça o direito e demarque a TI do povo Munduruku no Médio Tapajós, na área de Itaituba. Lá é uma região de incidência da UHE que o governo quer construir na região”, disse.
Buzatto confirma que a situação não está nada fácil, pois se percebe uma “decisão política do governo de não demarcar qualquer TI no país”. Ele critica o que chama de inércia do poder executivo em avançar nas consultas públicas.
“A informação que temos é de algumas aldeias que seriam alagadas caso a UHE fosse construída. Eles teriam que ser removidos”.
O Brasil é um dos signatários da Convenção nº 169 sobre povos indígenas e tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em 1989, que prevê que o país se comprometa a consultar os povos interessados quando há medidas que possam afetá-los. a fim de resguardar a participação destes povos na tomada de decisões.
O representante do CIMI em Brasília também ressalta a falta de diálogo com os povos que serão afetados. “Não há um canal de diálogo, não há perspectiva por parte do governo de mudança do seu projeto de desenvolvimento para aquela região. O governo quer conversar a partir da decisão tomada. Entendemos que não há possibilidade de diálogo, pois esta pressupõe que as partes tenham a disposição para discutir as suas posições. O governo não abre mão”, indicou.
Para Buzatto, os indígenas querem ser consultados inclusive sobre o modelo de desenvolvimento a ser implementado na região onde vivem. “Isso não está ocorrendo. O governo usa a consulta pública como um mero ato formal sem possibilidade de mudança”.
Até hoje, nenhum membro do governo iniciou um diálogo especialmente com os Munduruku que vivem em aldeias no Médio Tapajós. A crítica é der Juarez Saw, o cacique de Sawre Muybu, aldeia onde vivem 150 pessoas. O local fica a cerca de 50 quilômetros de distância de Itaituba pela Transamazônica, mais uma hora de barco pelo rio.
“Se o governo despejar a gente dali, não temos para onde ir. Ninguém veio falar com a gente. A terra para nós é a mãe, lá vivemos, criamos nossos filhos e netos.”, lamentou Juarez por telefone.
Na final da tarde de quarta-feira, dia 11 de dezembro, o grupo de guerreiros Munduruku foi recebido pela Funai (Fundação Nacional do Índio). Eles solicitaram uma audiência com a Presidente Maria Augusta Assirati.
“A nossa maior luta é a demarcação. Só dão atenção quando vamos à Brasília. É cansativo voltar sem resposta”, disse Juarez Saw.