Histórias de resistência: Rosemeire lidera luta de moradores do Quilombo Rio dos Macacos, BA

Rosemeire Quilombo Rio dos MacacosEm assembleias, audiências e manifestações, ela é reconhecida como liderança comunitária

Por Lara Bastos*, em iBahia

Rosemeire dos Santos Silva, 36 anos, mãe de quatro filhas, esposa de Raimundo, mulher, negra, baiana. Rosemeire poderia ser como tantas outras mulheres, se não tivesse nascido e crescido em meio à disputa territorial entre os militares da Base Naval de Aratu e os moradores do Quilombo Rio dos Macacos, localizado no município de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador.

Assertiva e confiante, Rosemeire tem postura firme e não demonstra receio nem mesmo ao narrar os abusos físicos e morais pelos quais viu amigos e familiares passarem. A mulher de personalidade forte só hesita ao falar sobre uma das filhas, hoje com 11 anos. “Quando ela via um deles, ela corria para dentro do quarto e ia pra debaixo da cama. Ela ficou com trauma porque apontaram aquelas armas na cabeça dela quando era criança”, lamenta.

Na vida de Rosemeire, o medo e a coragem andam de mãos dadas. Medo de sair de casa e não poder voltar ou de voltar e não encontrar mais a casa. Coragem de sair, mesmo com medo, e procurar as autoridades, sem receio de não ser ouvida. “Eu tive que mergulhar por baixo das pernas do segurança, mas consegui falar com ele e entreguei uma carta na mão dele”, conta sobre o dia em que encontrou o ex-presidente Lula, durante visita do político à Salvador.

Para Rosemeire e os mais de 300 moradores do Quilombo Rio dos Macacos, o próprio habitar é um ato de resistência.

Histórico de resistência

De acordo com o Incra/BA, entre os anos 1950 e 1960, a Marinha recebeu a área como doação e construiu a Vila Militar no território até então ocupado apenas pelos remanescentes de quilombolas. Em 2010, a Justiça Federal proferiu a ação judicial que permitia o despejo dos moradores da comunidade. Desde então, Rosemeire tem procurado o apoio da Defensoria Pública e de movimentos sociais para reverter essa situação. Em assembleias, audiências e manifestações, ela é reconhecida como liderança comunitária do Quilombo Rio dos Macacos.

Após ocupação da sede do Incra na Bahia, em agosto de 2012, Rosemeire e os moradores receberam uma cópia do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do Rio dos Macacos, que comprova que os quilombolas descendem de escravos de fazendas que produziam cana-de-açúcar, no período colonial, para o Engenho de Aratu. Segundo Flavio Assiz, chefe do Serviço de Regularização Fundiária de Territórios Quilombolas do Incra/BA, “os que resistiram hoje compõem a comunidade quilombola Rio dos Macacos”.

Contudo, há mais de 200 anos habitando a região, a comunidade está longe de ver o fim dessa disputa. O RTID precisa ser oficialmente publicado pelo Governo Federal, o que ainda não ocorreu, segundo informações da assessoria do Incra.

Comunidade do quilombo não tem energia elétrica e saneamento básico
Comunidade do quilombo não tem energia elétrica e saneamento básico


Trabalho e tradição

No quilombo não há energia elétrica, tampouco saneamento básico. Para se divertir a comunidade conta histórias antes de dormir, canta e dança antigos sambas de roda e se reúne para comer o caruru de Dona Maria. “Mas é discretamente, pra não chamar muita atenção porque eles não deixam”, salienta Rosemeire. Os mais novos passam as horas ociosas subindo em árvores ou jogando capoeira.

Cada passo de Rosemeire é imbuído de tradição. Pela manhã, ela vai pra roça capinar, repetindo os movimentos ensinados pela avó, falecida em junho deste ano. Ela planta, colhe e se alimenta dos mesmos frutos, legumes, raízes e vegetais plantados na região há gerações, como aipim, coco, banana, manga, mandioca e cacau.

A principal atividade econômica dos quilombolas é a agricultura. A produção que não é destinada para consumo é vendida em pequenos mercados e feiras livres da região para que eles possam comprar outros itens. “A gente vende 1 kg de aipim e compra 1 kg de arroz ou meia dúzia de ovos ou sal”, exemplifica.

Entretanto, a rotina no quilombo é cada dia mais dura e os recursos cada dia mais escassos. Segundo Rosemeire, as mangueiras e as diversas outras plantas estão morrendo. “Estão envenenando os pés de manga. Quando nossos filhos estão com fome eles chupam as mangas e dá dor de barriga, dor de cabeça”, explica. Ela também acusa os militares da Base Naval de Aratu de impedirem que a comunidade faça novos plantios. “A gente tá tentando erguer a cabeça porque tudo que a gente planta a Marinha em pouco tempo vai e destrói”, afirma.

Ir e vir

Não há escolas e nem postos médicos nas proximidades do território quilombola, por isso Rosemeire só começou a frequentar a escola adulta, mas não por muito tempo. Além da dificuldade em acompanhar as aulas, por nunca ter estudado, ela ainda tinha que enfrentar a vigilância constante dos militares sobre quem entra e sai do território onde habita. “Com a perseguição da Marinha, fiquei com medo de ir para o colégio”, confessa.

Os militares controlam a entrada e a saída pelo portão que dá acesso à estrada e muitas vezes esse acesso é negado. “Teve tempo que elas [as filhas] perderam de ano porque não estavam podendo ir para o colégio. A gente tem medo de mandar as crianças para o colégio e na volta elas não poderem entrar”, admite.

Deixar definitivamente o território do Rio dos Macacos não é uma opção para Rosemeire. O sentimento de comunidade é muito forte na mulher que frequentemente troca o “eu”  pelo “a gente”. “Quando a gente para e pensa que cada pé de manga, de jaca e de coco foi a minha vó quem plantou, que cada canto dessa terra tem uma história, que aqui é onde minha mãe enterrou meus irmãos… Tudo isso dá força pra gente. Então não tem nada no mundo que eu troque por esse pedaço de terra. Apesar de todo sofrimento”, conclui Rosemeire.

A história de Rosemeire encerra a série de matérias especiais com baianos que se destacam pela resistência na luta pelo respeito à herança africana na Bahia, seja ela resistência cultural ou física, como no caso da líder da comunidade quilombola. Com o especial Histórias de Resistência, o portal iBahia cumpre o objetivo de promover o debate sobre a igualdade racial e colaborar para a conquista dos plenos direitos no exercício da cidadania dos descendentes africanos.

*Com orientação de Diego Mascarenhas

Comments (1)

  1. NOTA.

    Verdade realmente a quilombola Rosemeire, tem historia de luta mesmo, a frente da comunidade e fico muito feliz que estão dando à merecida atenção e visibilidade a comunidade e a liderança comunitária a partir de sua fala,comunidade que esta refém da Marinha do Brasil e reféns a governos e suas políticas segregatorias e de exclusão histórica,

    Mas vale lembrar, também, que assim como o caso do quilombo Rio dos Macacos na Bahia, no próprio Estado e no Brasil temos centenas e milhares de quilombos,comunidades tradicionais,indígenas não titulados e sem reconhecimento,e estes muitos,sendo ameaçados,mortos juntos com suas lideranças….. .
    E que muitas delas, sem nenhuma cobertura da Mídia brasileira!??….. ,Pois bem,ai vem com modéstia e tudo, a minha astucia e percepção de um filho de Dãn que sou, vejam só, se tenho ou não razão, é no mínimo curioso a reportagem que foi republicada pelo Blog de luta do Combate ao Racismo Ambiental,que destaco sempre deu visibilidade a toda luta legitima, dando vozes aos atingidos pelo racismo que é invisibilizado pela grande Mídia .

    A reportagem aqui exposta a matéria foi escrita Por Lara Bastos*, em iBahia
    Vejam só, atentem aos fatos … o Ibahia uma empresa baiana de comunicação imprensa, integrada a Rede Bahia de televisão,que é uma afiliada a Rede Globo de televisão na Bahia, e que nada mais nada menos da família histórica da política baiana ACM, o mais curioso e intrigante de tudo,primeiro a TV Bahia nunca se posicionou em rede de televisão ou divulgou a historia do Quilombo rio dos Macacos,segundo essas figuras ‘’emblemáticas’’ no poder baiano,faz parte estrutural e dorsal do partido DEM o antigo PFL , e que representam uma bancada enorme do qual lideram á décadas a pauta de vários interesses neo liberais, que nunca deu direito as comunidades quilombolas e indígenas no Brasil,mesmo como existência na ;

    Constituição Federal no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.Nunca vistos no Brasil.

    (Jogo de podre ,da vaidades e dos Interesses sórdidos,contra as comunidades )

    Do outro lado o oportunismo do PT e outras frentes de apoio em lideranças sociais representativas, fora e dentro do Estado/Governo,no desespero de ter a pauta quilombola e indígenas em suas mãos e em seus interesses de domínios e politicagem fes ser ratificado o que dissera a constituição no artigo 69 deu poderes através do Decreto Federal 4887/2003, assinado pelo ex-presidente Lula, poderes de da ou não TITULAÇÃO através de um jogo sórdido viciando as instituições ao coluio – Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional – IPHAN; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA;Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Fundação Nacional do Índio – FUNAI;Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional;Fundação Cultural Palmares
    A briga ai não é pelos povos tradicionais, mas sim pelo poder para o poder e mesmo tempo pois há amarras políticas e de interesses nefastos para não deslumbrarmos a conquista a titulação,das comunidades,sejam pela lei Constitucional ou pelo Decreto as comunidades estão reféns,que precisam passar por um crivo insuportável de inúmeras instituições viciosas do ESTADO/governo, que deixam mais cada vez mais distantes as comunidade de seus direitos,seja setores partidário da DIREITA seja da ESQUERDA, mais uma vez nas mãos dos mesmos escravagistas, um jogo perverso e o pano de fundo é a invisibilidade como foi a mancha negra de Rui Barbosa, para o o apagamento o esquecimento e descaracterização das comunidades tradicionais para que percamos direitos, assim como em Risco a Comunidade Rio dos Macacos as milhares e milhares de comunidades desoladas sem visibilidade e na mão do banditismo das togas e dos grileiros nefastos.. …tem ou não tem boi na linha? Alias uma boiada…estamos reféns de seis, ou de meia dúzia ????? Todos juntos e misturados… Registrado hoje 24/11/2013 as 15;54
    Ney D’dãn…
    https://m.facebook.com/photo.php?fbid=467029826747445&id=100003212962406&set=a.257572834359813.56142.100003212962406&source=46&refid=17

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