Nos vales de Arinos e Buritis e nas chapadas de Dom Bosco, Formoso e Unaí, as árvores com folhas em forma de leque e cachos de cocos se tornaram marcos de lagos ressecados
Mateus Parreiras, em EM
Arinos, Buritis, Dom Bosco, Formoso e Unaí– “Bem sim, que, por perto, assistia alguma pobre gente vinda, cultivando: o quanto se via roça, milharais, feijoal faceiro. Gente, mal se viu. E do Tamanduá-tão era a Vereda, com seus buritis altos e a água ida lambida, donzela de branca, sem um celamim de barro. Diz-se que lá se pesca, e gordas piabas.” O trecho extraído da obra Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, descreve a vivacidade da paisagem do Noroeste de Minas, em 1952, quando o autor por lá esteve. Nas veredas, as nascentes estavam sempre cercadas por uma espécie de palmeira, o buriti. A sabedoria do sertanejo ensina que a presença da planta é um indicativo certo de água ou de uma vereda, um oásis para viajantes. Mas a degradação ambiental e a seca que assolam o Noroeste mineiro mudaram essa máxima. Nos vales de Arinos e Buritis e nas chapadas de Dom Bosco, Formoso e Unaí, as árvores com folhas em forma de leque e cachos de cocos se tornaram marcos de lagos ressecados.
O barro branco e endurecido gravou aos poucos as pegadas do gado no fundo de uma das veredas secas na propriedade do pecuarista Antônio Marcos Pinto da Cunha, de 63 anos, no distrito de Barbeirinhos, em Arinos. “A boiada foi revirando o barro molhado, atrás de uma lama para beber, até que a vereda secou de vez, em junho. Não sobrou nada para a criação”, conta. A solução que o produtor rural arranjou foi mandar os vaqueiros tocarem os animais propriedade adentro, onde ainda encontram nos leitos cortados de riachos da região algumas poças que ficaram nos baixios mais rochosos, onde a água não foi sugada pelo leito arenoso.
Por causa da seca prolongada e da falta de irrigação, as pastagens do pecuarista e as de outros fazendeiros da região secaram e não sustentam mais o gado. O capim andropogon, exótico, amarelou e ficou quebradiço de tal forma que o gado não consegue mais comê-lo. O alimento do boi vem das poucas áreas com capim braquiaria, também estranho à flora da região, que resistem ao período de estiagem e ainda restam para ruminar. Mas a ração tem de ser reforçada com as últimas varas de cana racionadas na pequena plantação por Antônio da Cunha, que as pica bem miúdas e serve num carrinho de mão, principalmente para as vacas produtoras de leite. Nem a malva, a erva daninha mata pasto que infesta as pastagens da região tornando-as menos vigorosas, resistiu à aridez prolongada.
‘O leite é de caixinha. Se ordenhar a vaca, o bezerro morre de fome’
Sem água e pastagem, o gado emagrece. “A atenção tem de ser maior com as vacas paridas, porque senão a gente acaba perdendo os bezerros”, disse. A mulher do produtor rural, Elza Ribeiro da Cunha, de 60, tem de alimentar a família com provisões compradas em supermercados, já que as hortas não vingaram. “Até o leite aqui é de caixinha, porque, se ordenhar a vaca, o bezerro morre de fome. A gente está precisando de ajuda e rápido. De quem, eu não sei, mas pode ser de São Pedro mandando logo chuva”, afirma.
De acordo com o secretário municipal de Agropecuária e Meio Ambiente de Arinos, Joel Rodrigues Fonseca, as perdas chegaram a atingir 90% das pastagens. A degradação do solo no município é mais evidente na localidade de Brejo. “O solo lá é muito arenoso e foi usado muito fogo para abrir os pastos. Isso tudo era muito comum aqui e acabou com a fertilidade das terras, castigou muito os pastos”, disse o secretário.
Em Dom Bosco o gado magro perambula em meio à vegetação de arbustos compridos e desfolhados, à procura de água, sombra e pastagens, mas só encontra capim nos cochos, quando os produtores moem suas reservas. Quando alguém chega perto das cercas e dos currais, o comportamento natural do gado que se ajunta sob as sombras seria o de se afastar. Porém, por causa da fome e da sede que têm, os animais se aproximam. Chegam até trotando do interior da mata ressecada, na esperança de receber alimento e água. “A gente tem de levar o gado de um lado para outro, todos os dias, esperando que essa seca vá embora antes de a água acabar”, diz o lavrador Moacir José da Fonseca, de 48 anos.
Por toda a região as corcovas dos cupinzeiros se alastram como um dos principais indicadores de empobrecimento do solo devido a anos de atividades predatórias, como a pecuária extensiva, a fabricação de carvão e os incêndios. “A presença dos cupins demonstra que o solo se encontra muito ácido, já que esse inseto gosta de acidez. Isso é péssimo, porque as plantas não suportam. O capim morre e o solo vai ficando exposto na época das chuvas. Daí, se abre caminho mais uma vez para a erosão e o fim da fertilidade”, afirma o engenheiro agrônomo e coordenador do Comitê da Bacia Hidrográfica (CBH) do Rio Urucuia, Julio Ayala.
>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>
Gota a gota: Como ocorre a desertificação no Noroeste de Minas
>> Pecuaristas desmatam o cerrado para a formação de pastos. A madeira extraída é usada para fazer carvão. O processo se repete sempre que a mata se regenera. Ao longo dos anos, a vegetação torna-se mais rala e menos diversificada.
>> A área desmatada é incendiada para receber pastagens. O fogo empobrece o solo e praticamente acaba com a capacidade da terra de sustentar uma mata vigorosa.
>> O pisoteio do gado causa compactação da terra. Em solos frágeis, os animais arrancam a vegetação com a raiz, abrindo sulcos nas pastagens.
>> A chuva incide sobre o solo desprotegido e carreia o que ainda resta de terras férteis. Com o passar do tempo a área se torna improdutiva e é abandonada pelos pecuaristas, que não podem recuperá-la.
>> O solo endurecido não permite a penetração da água das chuvas, que escorre rapidamente para rios que a levam para longe da região.
>> Enxurradas mais vigorosas levam sedimentos das terras para rios afluentes do Rio São Francisco, causando assoreamento.
>> Os aquíferos subterrâneos nas áreas de desertificação deixam de ser abastecidos porque a água não penetra no solo. Com isso, as nascentes se esgotam antes da hora e os rios secam na época da seca.
>> A menor oferta de água causada pelo escoamento mais rápido e menor penetração no solo reflete em redução do volume e da regularidade das chuvas – outro fator agravante da desertificação.
FONTES: USP, Ministério do Meio Ambiente, Comitê da Bacia Hidrográfica do Urucuia, IBGE.
—
Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.