RJ – “Aldeia Maracanã se retira da mesa de diálogos”

Aldeia Maracanã retomada
Aldeia Maracanã retomada

Por Sassá Tupinambá em União – Campo, Cidade e Floresta

Quando conhecemos a proposta da criação da Universidade Indígena, que iria se instalar no antigo museu do índio, de pronto apoiamos a iniciativa nos apresentada pelo parente Urutahu Guajajara, quando estivemos juntos em São Paulo, no Tribunal Popular: o Estado brasileiro no banco dos réus, em dezembro de 2008.

“Esta Universidade será para contribuir e fortalecer a luta de todos os povos indígenas do Brasil e de todo o Continente”, me falou entusiasmado o parente Guajajara. “Vamos dar legitimidade aos nossos saberes, nossas filosofias, nossas organizações sociais, um espaço de troca, intercambio entre os povos e ainda poderemos ao nosso modo ter acesso as ciências  dos não-indígenas, aprender o direito, a história, a geografia, a biologia, enfim todos os saberes de acordo com nossa cosmovisão e de acordo com nosso modo de ser.” O Parente Urutahu me passou de forma bem clara a ideia da Universidade Indígena e eu logo passei a defendê-la em todos espaços por onde passei.

Mas, ao visitar a aldeia Maracanã me deparei com outros indígenas, nem um pouco idealistas como o parente Urutahu. Na minha humilde percepção, vi que estavam utilizando o espaço para projetos individuais, se autopromoverem etc, o que menos me pareceu foi que aqueles indígenas que me apresentaram tinha qualquer interesse em transformar aquele lugar num espaço que servisse à luta dos povos indígenas, nem do Brasil, muito menos das Américas, como me comunicara Urutahu em São Paulo.

Tinha indígena aplicando reick  (acho que é assim que escreve), tinha indígena fazendo almoço, que de passagem, nada tinha de tradicional, outros vendendo artesanatos, outros vendendo cosméticos industrializados, outros pousando para foto, outros dançando… Um espaço para atender a demanda individual de cada e de exploração do turismo carioca.

Permaneci ali alguns dias mais, indo e voltando. Assim consegui perceber que entre aqueles indígenas haviam dois grupos. Um que defendia a universidade e participavam da luta indígena nacional, inclusive alguns já os conheciam do Acampamento Indígena Revolucionário e do Movimento Indígena Revolucionário e outros, são os já citados oportunistas, que visavam a revolução pessoal, não fazem luta real, só “brincam de índio” na cidade maravilhosa.

Relutei muito para publicizar o que constatei ali e permaneci em silencio, para não prejudicar a luta daqueles que eu acreditei ser os verdadeiros lutadores.

Logo vimos o grupo de vendidos deixando a aldeia maracanã por troca de promessas, até o momento não cumprida pelo governo. E acompanhamos o empenho dos que resistiram, buscando aliança com outros segmentos da nossa classe, dialogando com sindicatos e parlamentares, formando assim uma frente de aliados e por fim retomando a aldeia maracanã.

Esta carta escrita pelos resistentes é a prova de que minha percepção não errou ao identificar os picaretas e também que minha atitude de não denunciar os oportunistas naquela ocasião foi acertada.

Aldeia Maracanã se retira da mesa de diálogos

Por aldeia maracanã 109\2013

CARTA ABERTA À SECRETÁRIA DE CULTURA DO GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, SRA. ADRIANA RATTES

Os povos indígenas têm o direito a manter, controlar, proteger e desenvolver seu patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicionais, suas expressões culturais tradicionais e manifestações de suas ciências, tecnologias, assim como a de suas ciências e tecnologias e culturas, compreendidos os recursos humanos e genéticos, as sementes, os medicamentos, o conhecimento das propriedades da fauna e flora, as tradições orais, as literaturas, os desenhos, os esportes e jogos tradicionais e as artes visuais e interpretativas. Também têm direito a manter, controlar, proteger e desenvolver sua propriedade intelectual de seu patrimônio intelectual, seus conhecimentos tradicionais e suas manifestações culturais tradicionais.

Conjuntamente com os povos indígenas, os Estados adotarão medidas eficazes para reconhecer e proteger o exercício destes direitos”. ( artigo 31 da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas)

Com base e à luz dos princípios expostos acima iniciamos discussão com o Governo do Estado do Rio de Janeiro.

Após 30 dias de discussões, iniciadas no dia 05 de agosto, quando nos reintegramos ao prédio do antigo Museu do Índio, Aldeia Maracanã, levando adiante as negociações com a representante do Governo Adriana Rattes o que tem sido muito difícil para a Resistência Aldeia Maracanã.

As expectativas, a intranquilidade, a insegurança e por que não dizer a desconfiança, rodeia, permanentemente, estas discussões.

Pode-se confiar em um governante como o Sr. Cabral, de nítida e comprovada postura contrária ao respeito dos direitos humanos?

Permanecem vivas as lembranças terríveis do dia 22 de março!

Vejamos, aonde chegamos, até agora nestas discussões, os fatos e as verdades nele contido.

AS RUAS E A BRUSCA GENEROSIDADE GOVERNAMENTAL

Em resposta aos métodos violentos do batalhão de choque da polícia militar que nos expulsou, sob intensa chuva de bombas de gás lacrimogêneo, spray de pimenta, choques elétricos, balas de borracha além de prisões ilegais dos resistentes (imagens transmitidas para todo o mundo) veio à solidariedade maciça dos milhares de manifestantes que tomaram as ruas da cidade, sob a bandeira e o grito uníssono de “FORA CABRAL!”

Perante uma popularidade beirando à sarjeta, o Sr. Cabral tenta salvar o que lhe resta, ainda, de votos que garantam o prosseguimento de sua carreira política.

Neste contexto, no dia 5 de agosto do corrente ano, iniciou-se conversamos com os indígenas que resistiram e se reintegraram ao antigo prédio do Museu do Índio.

COOPTAÇÃO E DIVISIONISMO

Não causou surpresa o governo anunciar que estava negociando (a portas fechadas), com o grupo de indígenas que abandonaram covardemente se retirando do prédio, no dia fatídico 22 de março.

Indígenas estes que ao pensarem somente na sobrevivência individual, aceitando a barganha da comida, da cama e de uma bolsa, colocavam-se definitivamente ao cabresto partidário do mesmo governo que nos expulsou.

Esta tática de “cala a boca” já conhecemos. Ela é a razão, há séculos, do nosso divisionismo étnico.

Este divisionismo ficou evidente logo no primeiro encontro realizado no interior do prédio, Aldeia Maracanã. De um lado o governo e o referido grupo defendiam um único projeto, do outro, o grupo da Resistência pretendiam ir muito mais além.

O primeiro querendo empurrar um projeto pronto onde os índios seriam meros coadjuvantes e o segundo querendo autonomia, auto-gestão e o papel de protagonista, não aceitando a eterna condição de submissão nas relações com o governo.

PRESSÃO E PRESSA

A primeira exigência do governo para “dialogar” era de que não dormíssemos na área, ou seja, tínhamos que nos desmobilizar e abandonar nossa impactante retomada do prédio.

Ao reafirmar que nunca sairíamos de livre e espontânea vontade, o governo correu para produzir um laudo técnico onde apontava os riscos e as inseguranças de se permanecer no interior do antigo museu. Entretanto, causou estranheza o fato de que durante quatro meses o prédio fora utilizado tranquilamente pela Cia. Odebrecht como alojamento de trabalhadores da obra do estádio Maracanã sem serem contestados.

Ao solicitarmos melhoria na infraestrutura (luz e dedetização) e melhores condições higiênicas (água, banheiros, cozinha) a resposta veio de pronto:

– “Não vamos colocar um prego na parede enquanto vocês permanecerem na ocupação. Não podemos ser contra a ocupação e ao mesmo tempo criar melhores condições de acomodação”, disse firmemente, a Sra. Adriana Rattes, Secretária da Cultura e porta-voz do Governo.

“Tudo vai depender do acordo em que vamos chegar” completou ela em tom ameaçador.

O acordo seria aceitar o projeto de um Centro de Referência da Cultura Indígena.

No entanto, ao primeiro encontro, aberto, com os representantes governamentais ficou claro e evidente que não haveria concordância entre o grupo da Resistência e os que se venderam ao governo, e que, não aceitaríamos negociar nossa autonomia e o direito de autogestão daquele espaço, ou seja, não iríamos aceitar o papel de meros coadjuvantes, servindo de fantoche a um Centro de cunho turístico.

A NOVA FACHADA GENEROSA DO GOVERNO

– Tem sido sereno, tranquilo, respeitoso e maleável este diálogo?

– Não, de jeito nenhum.

– Avançamos nas nossas propostas e reivindicações?

– Não.

– Porque somente agora aparece a Secretária da Cultura Adriana Rattes? É a pergunta que não se cala.

OS PROJETOS

A proposta do Governo apresentada seria a criação de um Centro de Referência Cultural, gerida por uma instituição, preferencialmente, a Fundação Darcy Ribeiro. Esta proposta é defendida a “unhas e dentes”, pelo grupo Curupati, já que contempla ganhos pessoais (empregos, venda de artesanatos e projeção pessoal).

Da Resistência, o reconhecimento do local como Território Indígena (um Decreto bastaria), sendo assim o primeiro passo, fundamental e necessário, para consequentemente criarmos uma universidade indígena.

– “Impossível”, “Não temos condições”, “Irrealizável”, tornaram-se as palavras de ordem contra o nosso projeto.

– “Temos que aproveitar o que o governo está oferecendo” “Não podemos perder tempo”, defendiam os mesmos oportunistas.

Na última reunião realizada com a Secretária, o guerreiro Potiguara Tiuré denunciou o divisionismo patrocinado pelo Estado, sofrendo de imediata reação ríspida da representante governamental que o ameaçou com o dedo em riste e após esmurrar a mesa, em berros enfatizou, “Não vou mais sentar a mesa enquanto os dois grupos não chegarem a um acordo único e nem negociar com dois grupos.”

Consideramos a atitude da Secretária Rattes como truculenta e inepta para alguém que está à frente de uma mesa de negociação.

A pressão era intencional ou aceitávamos o projeto proposto ou nada feito.

Enquanto isto, índios do grupo Curupati se dirigem a ela, em plena reunião para colocar colares indígenas e tirar fotos, alegres e felizes.

No encerramento desta reunião, para nossa surpresa, ela informa, vangloriosa, de que, a Secretaria da Cultura está contratando os indígenas de Curupati para trabalharem junto às escolas e bibliotecas públicas: “Estamos tentando ajudar na condição financeira de vocês, pois sabemos que estão em situação difícil”.

Os índios de Curupati já encaminharam os documentos para tal admissão.

Pergunto: – Como numa mesa de negociações se oferece emprego aos seus integrantes?

Enquanto ocorria à discussão no gabinete da Secretária, paralelamente, um de nossos indígenas foi barbaramente agredido, preso e torturado pela polícia militar do Estado do Rio de Janeiro, quando representava a Aldeia Maracanã num encontro internacional sobre Museus, no MAR – Museu de Arte do Rio, na Praça Mauá.

PROJETO UNIVERSIDADE INDIGENA

Primeiro: Nosso projeto de Universidade deve ser uma trincheira de luta revolucionária para se opor a esta ordem social e que ela (universidade) só é inteligível se relacionado com o nosso processo de autonomia e auto-gestão;

Segundo: reconhecemos que somente pelo caminho da auto-gestão, autonomia e independência da tutela governamental poderemos alcançar o grau de maturidade que nos permita chegar, um dia, a uma Universidade que o povo indígena necessita;

Terceiro: nosso esforço é pensar em uma Universidade onde as estruturas não seja o reflexo de uma sociedade excludente e que a histórica da resistência indígena sirva como método de investigação na formação da teoria explicativa da sociedade dominadora;

Quarto: que repudiamos a versão de uma Universidade que converte nosso povo em meros consumidores, mas que ela venha contribuir com o processo de transformação revolucionária da sociedade;

e que ela represente, finalmente, um Anti-Colonialismo como unidade ideológica de ensino.

CONCLUSÃO:

Tendo em vista o exposto concluímos:

1 – O projeto do governo se caracteriza como uma nova política de Colonização Cultural, entretanto, preocupados tão somente em manter as estruturas vigentes de poder em cujas atitudes se contrapõem ao nosso projeto de uma Universidade;

2 – somos contra a criação de um Centro de Referência da Cultura Indígena que se converta numa Repartição Pública do Governo do Estado, de caráter puramente burocrático com fins turísticos;

Lamentamos o fato da Secretária Adriana Rattes se aproveitar do baixo grau de consciência do grupo de Curupati – Jacarepaguá para impor este projeto.

Mediante a intransigência, falta de respeito às nossas lideranças, e mais, a desconsideração às nossas pautas e reivindicações e da pressão que oculta intenções eleitoreiras, posicionamo-nos firmemente de não negociar com índios que vergonhosamente negociaram nossos direitos.

Por tais razões, nações da Resistência Aldeia Maracanã declararam o afastamento da mesa de negociação com o Estado representado pela Secretária Adriana Rattes.

Todavia, esperamos da Secretária uma reflexão de seu papel na condução da política Cultural deste Estado, no sentido de contemplar as aspirações indígenas de auto-superação e progresso autônomo na busca de soluções inerentes às nossas condições históricas, além de nossos problemas de povos massacrados, dizimados, e ainda, infelizmente, fracassados na luta para se integrar plenamente nesta Sociedade.

Enfim, nosso projeto de Universidade Indígena representa um grande passo adiante em matéria de Universidade no Brasil, porque constitui uma visão essencialmente indígena e de alteridade ao povo brasileiro, proporcionando aos povos originários levar adiante um processo histórico aos efetivos e concretos caminhos da autonomia e independência.

Rio de Janeiro, 08 de setembro de 2013.

Assinam pela Universidade Indígena Aldeia Maracanã – UIAM:

TIURÉ POTIGUARA

EVANDRO ASSURINI

BARÉ MANAUARÁ

MARCIA GUAJAJARA

TURÉ GUAJAJARA

GABRIEL XUKURU

KAIÁ WAI WAI

URUARI GUARANI NHANDEVA

ASH ASHINIKA

IUITA CARAÊ PATAXÓ

SAMERRI POTIGUARA

POTIRA KRIKATI

JULIANA GUAJAJARA

INDIÁRIA KAYAPÓ

TAYANE GUAJAJARA

ZAHY GUAJAJARA (MÁRCIA E SUA FILHA)

MAYARA KRIKATI

JUNIOR KRIKATI

MAYNUTAY KRIKATI

MARCIOS KRIKATI

RICARDO KRIKATI

FÉTCHA-WE WE FUNI´Ô

SANTIÉ FULNI´Ô

JAIRO GUAJAJARA

FRANCISCO GUAJAJARA

MARIO TIMBINO

MAGNO TIMBINO

SIMONE KRAÓ

RICARDO XUKURU

CLÁUDIA GOYTACÁ

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