Na América Latina, centenas de ecologistas foram assassinados nas últimas décadas. Mesmo assim, governos de esquerda e de direita se unem pelo rancor
Por Joan Martinez Alier*, em Carta Capital, no Blog do Felipe Milanez
Andei colecionando declarações de presidentes latinoamericanos, de Daniel Ortega a Juan Manuel Santos, passando por Cristina Kirchner, Evo Morales, Sebastián Piñera em final de mandato e também Ollanta Humala, Rafael Correa e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Adivinhem quem disse o quê:
…”Nenhum gringuinho com a barriga cheia pode vir reclamar nem nos dar lições de ambientalismo”…
…(o presidente) “critica ambientalistas ao defender a construção de centrais hidrelétricas”…
…”rechaçamos posições extremas: a água ou o ouro. Nós defendemos uma posição sensata: a água e o ouro”…
…”não é uma lei fundamentalista, nem pelo lado produtivo, nem fundamentalista pelo lado ecológico, é uma lei equilibrada”…
…”é louvável a defesa da fauna e da flora, mas o mais importante é cuidar da espécie humana para que tenha trabalho, água, esgoto”…
…”manifestou sua oposição, no último encontro da ALBA, ao ‘fundamentalismo indígena’ que se opõe a toda exploração de recursos naturais e defende um ecologismo radical que detém por completo o progresso”
“Queremos saber de onde vem e como se gastão os milhões de dólares que sustentam a ação negativa dessas organizações que convertem os indígenas em escudos humanos de uma causa inconfessável”. Quem pode ter dito isso, Kátia Abreu, da bancada ruralista do Senado no Brasil, ou talvez Garcia Linera, vice-presidente da Bolívia?
Os dirigentes da Bolívia garantem que “o ecologismo é o novo colonialismo”, uma estratégia imperialista, enquanto Vargas Llosa defende o oposto, que “há uma esquerda radical que encontrou no ecologismo uma bandeira que lhe permite ressuscitar velhos problemas”. Eles estão unidos pelo mesmo rancor ao ecologismo.
Se ampliarmos o campo, encontramos repetidas menções ao ecologismo de “barriga cheia”. Os ecologistas dizem o que dizem “porque têm a barriga cheia. A oposição dos ecologistas aos transgênicos é elitista e conservadora”. Vejam o discurso de Tarsicio Granizo, do Equador: “separar a luta ambiental dos problemas sociais não é nada mais do que uma resposta pequeno-burguesa ao problema da pobreza, exclusão, desigualdade. Mas, claro, é fácil falar com a barriga cheia!!! Com certeza, em muitos de nossos países o ecologismo (como conhecemos hoje em dia) está vinculado as classes dominantes…” Outro anti-ecologista, Carlos Viteri, declarou: “Para quem tem a barriga cheia é fácil dizer. Não toquem no Yasuní.”
Adivinhem se um político que diz o seguinte é de direita, de centro ou da esquerda tradicional: “Sem desenvolvimento não há trabalho, nem qualidade de vida, nem possibilidade de que a gente viva bem, com o que não há possibilidade de preservar nada. Com a barriga cheia se pode preservar muitas coisas, mas com a barriga vazia não se preserva nada.”
Vamos agora rever algumas das centenas de casos de ecologistas populares que foram assassinados pelas forças do Estado ou paramilitares, pistoleiros de latifundiários, ou de companhias mineradoras ou petroleiras. Aonde começar? Vejamos casos recentes. No dia 15 de julho de 2013, em Honduras, um indígena Ienca morreu e outro ficou ferido quando militares atacaram a tiros os habitantes que protestavam contra a construção de hidrelétricas. Isso aconteceu no departamento de Intibucá. No México, também em um conflito hidrelétrico, o ecologista Noé Vázquez Ortiz foi assassinado em Veracruz em 2 de agosto de 2013, ainda que não a tiros, mas a pedradas.
Na Guatemala, o advogado Rafael Maldonado apresenta uma conta que parece mínima: 50 assassinatos de ambientalistas que se opunham a projetos de mineração e hidrelétricos entre 1989 e 2012, recolhidos por informes sobre ataques a direitos humanos que foram sistematizados pelo CALAS (Centro de Ação Legal, Ambiental e Social).
Poderíamos ir baixando para o cone sul: Panamá, Colômbia, Brasil, Perú… um rastro de ecologistas mortos. Me falta espaço. Na Venezuela, no dia 3 de março de 2013, o cacique yukpa Sabino Romero foi crivado de balas por pistoleiros. Era conhecido pela defesa do território ancestral na Sierra de Perijá, em Zulia, rica em carvão e outros minerais. No Brasil, no Mato Grosso do Sul, no dia 30 de maio de 2013, Osiel Gabriel, uma liderança dos Terena, foi morto pela Polícia Federal em ação contra os indígenas que reivindicam a demarcação de suas terras, cobiçadas pelo agronegócio.
Nas Filipinas, em 9 de maio de 2012, o líder ecologista Margarito Cabal foi assassinado na província de Bukidnon, em Mindanao. A ONG local, Karapatan, confirmou que em dois anos 76 líderes e ativistas de direitos humanos foram assassinados nas Filipinas. Treze deles estevam comprometidos principalmente com a proteção do meio ambiente – ainda que seja difícil separar a proteção ambiental de direitos humanos.
Somente na América Latina houve centenas de ecologistas mortos citados na imprensa nos últimos 25 anos, desde a morte de Chico Mendes em 1988, incluindo 20 ou 30 mulheres como Betty Cariño, no México, Maria do Espírito Santo e seu marido, José Cláudio, no Pará, Brasil, em 2011… Mortas e mortos com suas barrigas cheias de chumbo das balas assassinas, como o ativista contra exploração petroleira Angel Shingre, em Orellana, no Equador.
*Joan Martinez Alier é economista ecológico, professor do Instituto de Teconlogia e Ciências Ambientais da Universidade Autônoma de Barcelona (ICTA/UAB) e da Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (FLACSO), em Quito, no Equador.
Não é possível preservar a natureza, sem combate a pobreza, portanto as políticas ambientais tem de vir acompanhada de um combate sistemático a pobreza, eis a política certa, exigida pelos ecologistas sensatos.