Vigilância de e-mail choca mais que câmeras de segurança. Mas não devia

Leonardo Sakamoto

É um completo absurdo a arapongagem do governo norte-americano na internet, atentando contra a privacidade de pessoas, empresas e outros governos, com a subserviência patética de grandes empresas de tecnologia. Toneladas de provas foram vazadas pelo ex-analista de agência de inteligência nacional Edward Snowden e divulgadas por Gleen Grenward, do jornal inglês The Guardian, nos últimos tempos.

Isso não é novidade.

Mas também não é novidade que vivemos, em uma sociedade vigiada.

O que me causa profunda curiosidade é que pessoas que atacaram o monitoramento do Tio Sam não apenas sobre metadados (grosso modo, informações sobre os dados que circulam na rede), mas também sobre o conteúdo de e-mail, transações, telefonemas, já defenderem a implantação de câmeras em todos os lugares. Sob a mesma justificativa de segurança.

Plantamos câmeras em qualquer lugar, rifando nossa liberdade individual. Equipamentos que, no final das contas, acabam sendo usados para tantas outras finalidades que a razão inicial de termos os colocado acaba esquecida.

A paranoia da segurança elegeu prefeitos que apresentam discursos que beiram o fascismo em todo o país. Muitos deles prometeram a instalação de câmeras em todos os cantos. Outros, reeleitos, propagandearam, aos quatro ventos, que colocaram esses aparelhinhos, tidos como panaceia para os problemas da urbe. Podem até ser úteis em determinados casos, mas geram uma falsa sensação de segurança em outros.

Para quem pensava que os direitos civil e políticos estariam assegurados neste início de século, garantindo tempo para que nos dedicássemos aos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, enganou-se. Se não é o Estado extrapolando, são outras instituições que assumem o papel de bedel, como escolas e empresas que implantam câmeras como se estudantes e empregados fossem, de antemão, culpados de alguma coisa.

Li na internet, por conta do show de horrores de patrões injuriados gerado pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional, que elevou os direitos das trabalhadoras empregadas domésticas, uma pessoa recomendando à outra que implantasse câmeras pela casa toda e vigiasse, pela internet, o trabalho das faxineiras, cozinheiras e arrumadeiras. E não havia nem a desconfiança do delito, era por questões de “segurança” mesmo.

Se o cafezinho para um policial a fim de fugir de uma multa não difere, em natureza, dos grandes arranjos de corrupção na República, por que uma pessoa acha realmente que espionar o mundo é diferente, em essência, de xeretar as pessoas que trabalham para ela? Por conta de um ambiente ser público e o outro privado? Não passou nem perto.

O direito à privacidade, desde que ela não agrida aos direitos e liberdades de terceiros, deveria ser garantido. Mas, em nome dessa paranoia por segurança e, o pior, em nome da disciplina, enterramos isso. Lembrando que boa parte dessa paranoia é cuidadosamente construída para atender a interesses do poder constituído seja ele político ou econômico. A espionagem americana, sob o manto da proteção da integridade dos seus cidadãos, monitorou o comportamento comercial e industrial de outros países, como a China e o Brasil.

Vigiar pode parecer mais fácil. Mas isso encerra toda a possibilidade de diálogo. Enquanto estou sendo vigiado, irei agir como a sociedade espera de mim. E quando não houver câmeras? Ignoro tudo e todos? Que espírito democrático é esse que estamos fomentando?

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