Só na Bahia, perda foi de R$ 1,5 bilhão. Transgênicos são suspeitos
Por Danilo Fariello e Henrique Gomes Batista, em O Globo
BRASÍLIA E RIO — O governo acionou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e demais órgãos de inteligência da esfera federal para investigar a origem de uma praga devastadora que colocou o país em uma inédita situação de alerta fitossanitário. A helicoverpa armigera, que está fora de controle, é uma espécie de mariposa que foi trazida do exterior recentemente e já causou prejuízo de R$ 1,5 bilhão apenas nesta safra de algodão no oeste da Bahia, onde foi vista pela primeira vez no país. A praga causa estragos também no cultivo de milho, soja, sorgo, feijão e tomate, e já afetou 12 estados brasileiros.
Sua entrada pode ter sido involuntária, mas relatórios feitos pela Abin e entregues ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e à própria Presidência da República trabalham também com a hipótese de contaminação não acidental. O governo constatou ainda que, enquanto a disseminação traz danos enormes para a agricultura nacional, ao mesmo tempo beneficia empresas internacionais.
Monsanto refuta suspeitas
Suspeitas são levantadas contra empresas de transgênicos que já trabalhavam com genes resistentes à helicoverpa armigera, antes mesmo de o inseto ser visto no país. A Monsanto reconhece que já pesquisava no Brasil genes que colaboram para a supressão da praga, mas aponta que o pedido de registro dos ativos sequer considerava essa hipótese. Mesmo assim, a venda dessas sementes na próxima safra será “ínfima”, segundo Luciano Fonseca, líder de gestão responsável de produto da Monsanto. Para ele, é uma “irresponsabilidade” levantar a hipótese de um ato voluntário, principalmente considerando-se o envolvimento da indústria de insumos.
Leonardo Bastos, diretor de Marketing da empresa, informou, porém,que 10% da produção brasileira de soja da próxima safra já serão com as sementes resistentes à praga.
— Empresa de insumo vive em função do sucesso do produtor, não do fracasso— disse Fonseca, lembrando que outras concorrentes já se mobilizam para fornecer genes resistentes à mariposa.
A praga já contaminou gigantescas áreas na Austrália, na Índia e na Europa. No Brasil, pelo menos a Bahia já declarou situação de emergência e Mato Grosso e Goiás estão para fazê-lo. As linhas de investigação passam pela comparação de marcadores no DNA da espécie vista no país com exemplares de outros cantos do mundo.
Hipóteses incluem sabotagem
É possível que o caminho exato da larva nunca seja descoberto ou que seja comprovadamente fortuito, mas o governo não descarta a possibilidade de sabotagem, uma vez que o Brasil vem se consolidando como protagonista agrícola no mundo. A hipótese de bioterrorismo já foi considerada pelo menos por Eduardo Salles, secretário de Agricultura da Bahia. A vassoura-de-bruxa, fungo que reduziu a partir de 1989 de maneira permanente a competitividade do cacau brasileiro, é outra praga que chegou ao Brasil em condições até hoje suspeitas.
Os transgênicos podem ser parte do problema e parte da solução para o extermínio da helicoverpa armigera. O Ministério da Agricultura tem três vertentes para o controle da lagarta: o aumento da quantidade de sementes transgênicas protegidas; pesquisas da Embrapa para entender melhor o inseto; e estudos de produtos que possam combatê-lo sem prejudicar a saúde humana. A multiplicação pelo país da mariposa (que coloca 1.500 ovos a cada 40 dias) deixou exposto a vulnerabilidade do sistema de proteção nacional, que o governo agora corre para rever.
— Eu passei 40 anos no campo e nunca vi nada tão agudo. Não tem aftosa, vaca louca, nada igual a isso — disse o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Ênio Marques. — O Brasil não pode ser ingênuo ao achar que todos nos amam — completou.
Na visão de Rui Prado, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a praga veio da Austrália:
— Estamos vivendo um problema (desde 2001) até hoje da ferrugem asiática da soja, que ainda causa um prejuízo grande. A gente aprendeu a controlar, mas essas coisas têm um custo na produção — disse.
Para Leonardo Melgarejo, técnico do Incra e membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), os transgênicos têm responsabilidade na expansão da helicoverpa armigera e o uso de mais variações genéticas para combatê-la pode levar a um problema sistêmico maior.
— A sucessão de uso dessas culturas transgênicas vai criar desequilíbrios ambientais que ainda não podemos avaliar. Quando se libera comercialmente um produto, esse uso massivo gera variáveis incontroláveis, não percebidas nos canteiros experimentais — disse (Colaborou Henrique Gomes Batista).
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Éder Scaq.