Até quando morrerão os funkeiros?

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Assassinato do MC Daleste expõe série de mortes suspeitas e obriga a questionar políticas que criminalizam ritmo cada vez mais popular

Por Gabriela Leite, Blog da Redação

A criminalização do funk fez, no último dia 6, mais uma vítima. Daniel Pellegrine, mais conhecido como MC Daleste, garoto de 20 anos extremamente popular nas periferias de São Paulo, levou um tiro durante um show que fazia em Campinas. Ele foi a sétima figura do funk assassinada desde 2010 no estado de São Paulo. Todos os crimes aconteceram em situações nebulosas — e todos continuam sem solução.

MC Daleste nasceu no bairro da Penha, em São Paulo, e ficou conhecido por cantar o funk ostentação — versão à paulista do ritmo, que aponta as supostas vantagens de “possuir” dinheiro, mulheres e roupas de grife. De origem pobre, o MC ganhou muito dinheiro com os shows que fazia — em média 55 por mês — e estava para lançar seu primeiro videoclipe, da música “São Paulo”.

Daleste ficou famoso no Youtube mesmo antes de ter lançado vídeos, e suas músicas somam milhões de visualizações. Com a fama, comprou dois carros de luxo e um apartamento no bairro do Tatuapé, além de pagar a faculdade da esposa e, segundo seus amigos, ser muito generoso com todos à sua volta. Em um episódio, registrado e publicado no Youtube, o cantor comprou 10 mil reais em chocolates e distribuiu pelas crianças de seu bairro.

Daleste estava no palco, contando sobre um “enquadro” que tomou da polícia, quando levou dois tiros, o primeiro de raspão. O segundo, que atingiu seu peito, foi registrado por diversas câmeras que filmavam o show, de muitos ângulos. Os vídeos podem ser encontrados também no Youtube. O garoto foi levado ao hospital ainda com vida, mas não resistiu e faleceu. A festa na qual cantava era gratuita e aberta, num conjunto habitacional popular da Vila San Martin, em Campinas.

Seu assassinato foi uma surpresa para todos. Segundo seu empresário, Bio G3, ele não tinha inimigos e nem havia brigado com ninguém. Sua família também não consegue compreender. O pai, Rolland Pellegrine, suspeita de inveja. A polícia trabalha com as hipóteses de crime passional (que a família também rejeita, diz que o rapaz era casado e fiel) ou discussão anterior à apresentação. O inquérito foi aberto na segunda-feira dia 15, mas se a investigação mantiver-se igual às das mortes de funkeiros anteriores, não levará a lugar algum.

O crime tem semelhanças com as mortes dos outros MCs assassinados nos últimos três anos. Na lista, estão o MC Felipe Boladão e seu DJ Felipe, MC Duda do Marapé, MC Primo, MC Careca e Japonês do Funk. A não ser pelo último, que foi estrangulado por um fio, todos os outros foram mortos a tiros na Baixada Santista, por sujeitos desconhecidos em carros ou motos, que sumiram após os crimes. Houve alguns policiais incriminados, na época, mas em seguida foram inocentados e liberados. Todas as vítimas tinham adquirido grande fama pela internet, mesmo sendo ignorados pela mídia e pelas classes mais altas.

Comentários de ódio e preconceito, fortalecidos pelo anonimato que a internet permite, surgiram aos montes. Foi criado até um jogo, modificado do famoso game Doom, no qual o jogador é um espectador do show de Daleste e tem uma arma na mão: seu objetivo é mirar e atirar no cantor e em diversos ícones do funk, além da apresentadora Regina Casé e cartazes do PT e do Bolsa Família. Em páginas no Facebook de apoiadores da polícia de São Paulo, também houve comemorações.

Gênero musical marginalizado, o funk e sua cultura são constantemente atacados. Em São Paulo, os bailes de rua e carros de som foram proibidos, e há uma grande criminalização do estilo. De seu lado, os funkeiros também expõem seu ódio, personificado na figura da polícia. Em algumas letras da fase do funk “proibidão” de MC Daleste (anterior ao enriquecimento do cantor), como na música “Apologia”, ele incita ao assassinato de policiais e fala de armas e crime.

O funk virou uma grande febre nas periferias no Brasil, apesar do desprezo da maior parte da mídia e do mercado mainstream de música. O próprio Daleste gravou sua primeira música — dedicada à esposa — em uma lanhouse do bairro, e ficou famoso também com a ajuda da web. Segundo Bruno Paes Manso, em um artigo no jornal O Estado de São Paulo de 14/7, o funk cumpre, hoje, o papel que o rock cumpria em sua origem — de incomodar e chocar a sociedade. De cima de um helicóptero, em seu videoclipe póstumo, Daleste mostra, por outro lado, que está longe de ser um não-adaptado à sociedade. Suas músicas desenham, a história de um menino que não tinha o que comer a não ser pela merenda escolar (em “Minha história”) e passou a ter acesso às regalias destinadas apenas a classes altas (em “Angra dos Reis”).

Outros MCs e funkeiros prestaram homenagens a Daleste, e os fãs participaram de uma passeata em homenagem ao cantor, na terça-feira após sua morte. Hermano Vianna, antropólogo, protestou em sua coluna pela falta de homenagens prestadas ao garoto pelo Ministério da Cultura, que habitualmente escreve homenagens de pêsames quando morrem artistas “nobres”. O pesquisador completa: “O funk paulistano é parte do mundo ‘invisível’ da música mais popular hoje no país. Seu sucesso continua independente das instâncias tradicionais de consagração e divulgação que ainda vigoram na imprensa.“

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

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