Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Durante todo o final da semana, a Agência Brasil deu informações sobre o Bolsa Família, dizendo que ele permanece, e que o governo irá investigar a origem dos boatos que fizeram milhares de pessoas, Brasil afora, procurarem a Caixa Econômica Federal para sacar o benefício deste mês. Hoje, a própria Presidenta da República está nas manchetes afirmando: “É absurdamente desumano o autor desse boato. E é criminoso também. (…) Deixo claro aqui o compromisso do meu governo com o Bolsa Família. Não abriremos mão do Bolsa Família…”. Muito bom!
Há outra questão, entretanto, que a Agência Brasil não está noticiando. Aliás, ninguém está noticiando, salvo um comentário esparso, aqui e ali. Falo da questão das cestas de alimento para os povos indígenas, que vez por outra somos informados não terem chegado a um ou outro lugar, ou estarem atrasando. Já “naturalizamos”, de certa forma, tudo isso, na medida em que sabemos como funciona a nossa burocracia: carros às vezes não saem da garagem porque não têm pneu; voadeiras ficam paradas aguardando combustível; aviões…
Mas de repente as coisas não são mais, digamos… “normais”, segundo esses nossos absurdos critérios. E não estou brincando. A situação é gravíssima e pode inviabilizar de fato a chegada das cestas aos povos indígenas. Acontece que, para liberar as cestas, o MDS decidiu “inovar”. Talvez considerando a necessidade de se assegurar de estar lidando verdadeiramente com “índios”, coisa que tem sido tão questionada ultimamente em determinados meios, órgãos e legislativos, inventou um formulário de preenchimento dos beneficiários indígenas que exige, como documentos obrigatórios, o CPF e o NIS, além de RG, RANI e título de eleitor, como opcionais!
Acontece que, como o MDS, nós também temos a certeza absoluta de que a maioria esmagadora dos indígenas não tem esses documentos. Como querer exigir, de pessoas a quem negamos até mesmo o direito de ser, de existir, de ser considerados “brasileiros”, até, uma documentação que é igualmente seu direito básico, mas na maioria dos casos até agora lhes foi de diferentes formas negada? E quem preencheria esses formulário e faria esse mapeamento? Uma Funai sucateada?
Vamos parar com a hipocrisia: se levada a sério, a exigência absurda do MDS inviabiliza o recebimento da cesta alimento por pessoas a quem privamos de seu território, para caçar, pescar, plantar e colher seu alimento, além de reverenciar seus mortos, suas tradições e criar seus filhos. Só que, para usar as palavras da Presidenta, isso seria desumano e criminoso!
Salvo erro, lembro de ter lido, que só no sul do Mato Grosso do Sul, cerca de 15 mil famílias são beneficiadas pelo Programa de Cestas de Alimentos. Famílias na maioria dos casos acampadas sob barracas de plástico nas beiras das estradas, para as quais esse benefício social é urgente e essencial. Famílias às quais continuamos a negar a dignidade e o cumprimento das leis que nós, “brancos” ou não, criamos e assinamos, como a Constituição de 1988 e a Convenção 169 da OIT.
Acho que é hora de, com a mesma firmeza com que garantiu que o Bolsa Família não acabará e ordenou à Polícia Federal que aja de forma rigorosa para descobrir de onde surgiu o boato, Dilma Rousseff determinar a seus Ministros do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e da Agricultura que parem de brincar com as vidas dos povos indígenas. É hora de determinar que garantam que as cestas básicas cheguem a quem delas necessita e a elas tem direito. E isso considerando inclusive que a CONAB não está (aliás, por quê?) fazendo a entrega dos alimentos à Funai.
Ou será que os benefícios só valem e começam a contar a partir do Bolsa Família? No que se refere aos povos indígenas, podemos forçá-los a passar fome, da mesma forma que fingimos que sequer existem? Não têm direito sequer ao “Combate à Fome” do apelido do Ministério? Então, talvez neste caso o nome da brincadeira seja outro: dar uma ajudinha aos jagunços, quem sabe, matando os “índios” de fome?!