Silvana Leão, da Folha de Londrina
Eles usam telefones celulares e computadores, participam das redes sociais, dirigem motos e ouvem músicas com arranjos eletrônicos. Como a grande maioria dos jovens, têm uma próxima relação com a tecnologia. Ao mesmo tempo, porém, têm a missão de manter vivas as tradições de seus antepassados e preservar as conquistas do seu povo. São os contrastes vividos pelas novas gerações indígenas de comunidades próximas a centros urbanos.
Entre estas comunidades está a da Reserva Apucaraninha, a cerca de 50 quilômetros do centro de Londrina, próximo à divisa com o município de Tamarana (Norte). No início desta semana foi realizada no local a terceira edição do Evento Cultural da Pesca do Pari, uma celebração às práticas seculares do povo Kaingang. Vários jovens da aldeia foram incentivados a participar.
Em dois dias de festa, eles dançaram, cantaram, se alimentaram de comidas típicas e entraram várias vezes no rio para procurar peixes no pari, uma espécie de armadilha feita de taquara, instalada próxima ao represamento do rio, para apanhar peixes. ”Esta é uma tradição que está se perdendo. Antigamente, cada família tinha seu próprio pari, que virava ponto de referência ao longo do rio. Nossos antepassados pescavam quando os peixes desciam o rio, depois da desova”, explica Ivan Bribis, coordenador de projetos da Terra Indígena (TI) Apucaraninha.
O evento foi promovido com parte dos recursos de indenização paga pela Companhia Paranaense de Energia (Copel) pelos danos ambientais causados pela Usina Hidrelétrica de Apucaraninha desde sua instalação, em 1949, e com os recursos referentes à parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) destinada à preservação ambiental, o chamado ICMS Ecológico. ”No mês de abril vamos promover também a Semana do Índio, com bailes, rodeios e churrasco. As duas festas juntas vão custar cerca de R$ 200 mil”, calcula Bribis.
De acordo com o cacique João Cândido, a Reserva Apucaraninha reúne 330 famílias e cerca de 700 pessoas. Ele defende as festividades realizadas ali como uma forma de preservação de costumes. ”É nossa cultura, não podemos perder isso. Os mais velhos já não praticam mais alguns rituais, este agora é o papel dos mais novos”, sustenta o cacique. Segundo ele, as danças exibidas durante a Festa do Pari têm vários significados, como relembrar as lutas para manter suas terras. Mas o mais importante, para o líder, é fazer o elo entre passado, presente e um futuro sempre incerto. ”Estes rituais também servem para preparar o espírito dos jovens para as lutas que talvez um dia tenham que enfrentar.”
Sob a liderança de João Cândido, os indígenas do Apucaraninha hoje são alfabetizados em português e na língua Kaingang, que é o idioma utilizado na reserva. Apesar da preocupação em manter as tradições, o cacique não estranha a chegada da tecnologia no dia a dia da aldeia. ”Hoje os nossos filhos nascem no hospital, vêm para casa e ficam em berços. É natural. O índio também precisa acompanhar o desenvolvimento, até para poder se defender e lutar pelos direitos”, argumenta João Cândido.
Dívida antiga
Entre as lutas que os Kaingang já protagonizaram, ficaram nacionalmente conhecidos os protestos para conseguir o pagamento, por parte da Copel, de indenização para compensar prejuízos socioambientais na área da reserva. Por mais de uma ocasião funcionários da companhia foram mantidos reféns pelos indígenas, como forma de forçar a negociação. Em dezembro de 2006, finalmente, foi assinado um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC), celebrado entre Ministério Público Federal (MPF), Comunidade Indígena Apucaraninha, Fundação Nacional do Índio (Funai) e Copel. O acordo definiu o pagamento de R$ 14 milhões, em seis parcelas, entre os anos de 2006 e 2011.
Os recursos foram depositados em conta aberta em nome da Associação dos Moradores da Comunidade Indígena Apucaraninha, e devem ser utilizados em projetos de recuperação ambiental, atividades produtivas e melhoria da infraestrutura local. Todos os projetos fazem parte do Programa de Sustentabilidade Socioeconômica, Ambiental e Cultural da Comunidade Indígena do Apucaraninha (PSSAC), desenvolvido a partir da assinatura do TAC e obedecendo a diagnóstico socioeconômico e cultural da população e estudo ambiental da TI Apucaraninha.
O levantamento, financiado pela Copel, foi feito ao longo de dois anos por equipe multidisciplinar da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e Universidade Estadual de Maringá (UEM), formada por antropólogos, biólogos, geógrafo, agrônomo, geólogo, economista, administrador de empresas, nutricionista, zootecnista e advogado, além de uma equipe de apoio formada por acadêmicos e membros da comunidade indígena. Deste estudo, resultaram 39 projetos, que serão implantados gradualmente ao longo dos próximos anos.
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Compartilhada por Nyg Kuitá Kaingang.