2ª Câmara divulga relatório preliminar sobre crimes da ditadura

Documento relata a recente atuação do MPF para apurar e garantir a responsabilização penal dos agentes de Estado envolvidos nos crimes contra os direitos humanos

A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (criminal e controle externo da atividade policial) divulgou relatório sobre a atuação ministerial contra os crimes ocorridos durante o regime militar no Brasil (1964-1985). Após extensas investigações comandadas pelo MPF, o documento detalha os esforços da instituição na persecução penal contra as violações aos direitos humanos cometidas por agentes do Estado no período da ditadura.

No âmbito da 2ª Câmara, coordenada pela subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, foi criado o Grupo de Trabalho Justiça de Transição (GTJT) para auxiliar na persecução penal destes crimes. “O Ministério Público Federal assume o papel de realizador de um dos componentes da justiça de transição e oferece este relatório preliminar para estudo e conhecimento públicos”, explica Dodge. Para ela, o conceito de justiça de transição inclui o acesso das vítimas à justiça penal, assim como à verdade e à reparação.

A coordenadora destaca a “importância histórica e jurídica do esclarecimento cabal dos fatos envolvendo mortes sob tortura, execuções sumárias e desaparecimento de mais de cinco centenas de brasileiros”. Segundo o relatório, o MPF instaurou 170 investigações criminais dirigidas à apuração dos crimes de sequestro, homicídio e ocultação de cadáver. Quatro ações penais já foram ajuizadas para punir os responsáveis.

Diante da recente atuação do MPF, o relatório preliminar registra que se abriu uma nova vertente na concretização da justiça de transição. “O reconhecimento judicial do trabalho desenvolvido, manifestado no recebimento das ações penais ajuizadas, representam, no entender do GTJT, um grande avanço em matéria de proteção dos direitos humanos no Brasil”, pontua.

Grupo de Trabalho – De acordo com a portaria da 2ª Câmara que institui o GTJT, incumbe ao grupo de trabalho examinar as consequências criminais da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no caso Gomes Lund vs. Brasil (Guerrilha do Araguaia). A decisão da CIDH estabelece o dever do Estado brasileiro de promover a persecução penal dos crimes cometidos no período ditatorial, que agridem os direitos humanos universais.

A 2ª Câmara incumbiu o GTJT de “fornecer apoio jurídico e operacional aos procuradores da República para investigar e processar casos de graves violações a direitos humanos cometidas durante o regime militar”. Cabe também ao GTJT buscar “fomentar ambiente propício para a reflexão sobre o tema e para a tomada de posições institucionais – e não isoladas – sobre a questão”.

A 2ª Câmara entende que a instauração de investigações formais “é um dever do Estado brasileiro para com as vítimas dessas violações e para com seus familiares, os quais reivindicam, há quatro décadas, providências do Estado em relação à apuração do que ocorreu com seus próximos”.

O GTJT é atualmente constituído pelos seguintes membros do MPF: André Casagrande Raupp (PRM-Uruguaiana), Andrey Borges de Mendonça (PRM-Santos), Eugenia Augusta Gonzaga (PRR3), Inês Virgínia Prado Soares (PRR1), Ivan Cláudio Marx (PRM-Cachoeira do Sul), João Raphael de Lima (PRM-Araguaína), Luana Vargas Macedo (PRM-Marabá), Luiz Fernando Voss Chagas Lessa (PR/RJ), Marcelo da Mota (PR/SC), Marlon Alberto Weichert (PRR3), Melina Alves Tostes (PRM-Marabá), Sergio Gardenghi Suiama (PR/SP) e Tiago Modesto Rabello (PRM-Petrolina). Os procuradores da República Ivan Cláudio Marx e Sergio Gardenghi Suiama são, respectivamente, o coordenador e coordenador substituto do GTJT.

Teses institucionais – Nas ações penais ajuizadas até o presente momento, o MPF argumenta que o crime é permanente e não prescreveu. Acrescenta, em reforço, que a privação ilegal e clandestina da liberdade das vítimas já era, ao tempo do início da execução, um ilícito criminal no direito internacional, sobre o qual não incidem as regras de prescrição e anistia.

Na análise do grupo de trabalho, os desaparecimentos forçados dos dissidentes políticos já eram qualificados como crimes contra a humanidade, em razão das normas do direito internacional adotadas pelo Brasil. “Para o GTJT, os crimes de sequestro cometidos no contexto de um ataque sistemático e generalizado a uma população civil, objeto das ações penais ajuizadas pelo MPF, são imprescritíveis e insuscetíveis de anistia, por força de sua qualificação como crimes contra a humanidade”, explica. No entendimento do órgão ministerial, o desaparecimento das vítimas até o presente significa a permanência do crime e, por isso, não foi alcançado pela Lei de Anistia, que refere-se a crimes ocorridos até 1979.

O MPF enfatiza que a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José de Costa Rica, determina que os Estados organizem o Poder Público para que seja juridicamente capaz de garantir a livre e plena fruição dos direitos humanos. O relatório cita o primeiro julgado da CIDH a respeito do assunto: “Como consequência desta obrigação, os Estados devem prevenir, investigar e punir qualquer violação de direitos reconhecidos pela Convenção e, além disso, se possível, buscar reparar o direito violado e providenciar a compensação cabível pelos danos resultantes dessa violação.”

Decisão do STF – A 2ª Câmara ressalta, ainda, que a sentença da CIDH sobre a Guerrilha do Araguaia é compatível com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153. O STF declarou a constitucionalidade da lei que concedeu anistia aos que cometeram crimes políticos, ou conexos com estes, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

A 2ª Câmara argumenta que “os órgãos integrantes do sistema de Justiça brasileiro não podem recusar a sentença da CIDH sob a alegação de prevalência do direito constitucional interno, pois é este mesmo direito constitucional que vinculou o Estado à autoridade do tribunal internacional”.

Na avaliação do GTJT, não se trata de uma questão de soberania ou de conflito entre duas instâncias equivalentes, mas de competência funcional da corte internacional em matéria de graves violações aos direitos humanos. Exceto na hipótese de se declarar a inconstitucionalidade do Pacto de San José de Costa Rica, o Ministério Público e os três Poderes da República devem cumprir a sentença da CIDH sobre a Guerrilha do Araguaia.

Veja as ações penais já propostas pelo MPF por crimes cometidos durante a Ditadura e a íntegra do relatório.

Secretaria de Comunicação
Procuradoria Geral da República

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